quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Dinheiro Moderno e Inflação - Anwar Shaikh (2016)

SUMÁRIO

CAP. 15 - DINHEIRO MODERNO E INFLAÇÃO

I. DINHEIRO, MERCADOS E O ESTADO

II. VISÕES CARTALISTAS E NEO-CARTALISTAS DO DINHEIRO 

II.1. Dinheiro, bancos e Babilônia 

II.2. Innes 

II.3. Knapp 

II.4. Cartalismo Moderno

III. FINANÇAS GOVERNAMENTAIS MODERNAS

IV. CRESCIMENTO, RENTABILIDADE E O NÍVEL DE PREÇOS

IV.1. A teoria da concorrência clássica estabelece apenas preços relativos 

IV.2. Moeda fiduciária pura nas abordagens clássica, Monetarista, Keynesiana e pós-Keynesiana 

IV.3. Níveis de preços determinados versus dependentes da trajetória 

IV.4. Taxa máxima de crescimento 

IV.5. O trabalho não é a restrição 

IV.6. Taxa de crescimento-utilização 

IV.7. Determinantes da taxa de crescimento do capital real

V. INFLAÇÃO DE DEMANDA (DEMAND-PULL) 

V.1. Excesso de demanda e injeções de poder de compra 

V.2. Novo poder de compra e a mudança no produto nominal

VI. RESPOSTA DA OFERTA (SUPPLY-RESPONSE)

VII. A TEORIA DA INFLAÇÃO SOB MOEDA FIDUCIÁRIA

VIII. EVIDÊNCIA EMPÍRICA 

VIII.1. Estados Unidos 

    VIII.1.i. Crescimento no PIB nominal como uma função do poder de compra relativo novo 

    VIII.1.ii. Crescimento do produto real, rentabilidade, poder de compra e utilização do crescimento 

    VIII.1.iii. Inflação nos Estados Unidos 

VIII.2. Inflação em dez países (Handfas) 

VIII.3. Inflação em escala mundial 

VIII.4. Argentina

IX. RESUMO E COMPARAÇÕES COM A TAXA DE DESEMPREGO NÃO ACELERADORA DA INFLAÇÃO (NAIRU)


15. MODERN MONEY AND INFLATION

15. DINHEIRO MODERNO E INFLAÇÃO


1. MARKETS, AND THE STATE

1. MERCADOS E ESTADO

1. Money arises slowly out of proper exchange, and the historical path from private money to state money is long and torturous. Exchange arises out of social interactions among humans. When and where exchange becomes sufficiently extended, its structure requires codification. Money arises as the physical expression of this need. The state did not invent money, coins, payment obligations, or debts. On the contrary, humans have repeatedly invented and reinvented exchange, money, coins, credit, banks, and even the state itself. The historical path from money-objects to coins, convertible and inconvertible tokens, bank credit, and eventually fiat money is quite complicated (chapter 5).

O dinheiro surge lentamente a partir da troca adequada, e o caminho histórico do dinheiro privado para o dinheiro estatal é longo e tortuoso. A troca surge das interações sociais entre humanos. Quando e onde a troca se torna suficientemente extensa, a sua estrutura exige codificação. O dinheiro surge como a expressão física desta necessidade. O estado não inventou o dinheiro, as moedas, as obrigações de pagamento ou as dívidas. Pelo contrário, os humanos inventaram e reinventaram repetidamente a troca, o dinheiro, as moedas, o crédito, os bancos e até mesmo o próprio estado. O caminho histórico desde os objetos-dinheiro até às moedas, fichas conversíveis e inconversíveis, crédito bancário e, eventualmente, o dinheiro fiduciário (fiat money) é bastante complicado (Capítulo 5).

2. Once money has been established, the state is impelled to expand its base beyond compulsory payments in labor and in kind, to payments in money. Governments have typically imposed poll taxes, property taxes, and taxes on commodities, import, exports, tolls, and harbors, and more recently, on income. In addition, they have resorted to sales of public lands, the ransom of prisoners, and seizures of foreign ships, goods, and treasuries. During times of war and public emergency, forced loans from the private sector were especially useful because they could be incurred at artificially low interest rates, repaid in a depreciated currency, or repudiated altogether (Morgan 1965, 17, 59, 104–105). This long historical practice serves to remind us that a debt is only a promise of repayment, which like many promises, may be broken. Sovereign default is an age-old story.

Uma vez estabelecido o dinheiro, o estado é impelido a expandir a sua base para além dos pagamentos compulsórios em trabalho e em espécie, para pagamentos em dinheiro. Os governos tipicamente impuseram impostos por cabeça (poll taxes), impostos sobre a propriedade e impostos sobre mercadorias, importação, exportação, portagens (tolls) e portos, e mais recentemente, sobre o rendimento. Além disso, recorreram à venda de terras públicas, ao resgate de prisioneiros e à apreensão de navios estrangeiros, bens e tesourarias. Durante tempos de guerra e emergência pública, os empréstimos forçados do setor privado foram especialmente úteis porque podiam ser contraídos a taxas de juro artificialmente baixas, pagos numa moeda depreciada, ou repudiados por completo (Morgan 1965, 17, 59, 104–105). Esta longa prática histórica serve para nos lembrar que uma dívida é apenas uma promessa de pagamento, que, como muitas promessas, pode ser quebrada. O incumprimento soberano (Sovereign default) é uma história antiga.

3. At some late stage in history, the state monopolizes the creation of coins and tokens. This is merely a takeover of a previously private function, and private banks continue to create the vast bulk of the medium of circulation and medium of payment. The state also comes to exercise some degree of control over banks—a control whose intrinsic limits are periodically exposed during recurrent financial crises. The general global crisis of the early twenty-first century is a stinging refutation of textbook fantasies of the Left and the Right, in which a wise and benevolent state supposedly controls money and finance for the common good. History makes it abundantly clear that all is not best in this not-best of all possible worlds.

Em alguma fase tardia da história, o estado monopoliza a criação de moedas e fichas. Esta é meramente uma tomada de posse de uma função previamente privada, e os bancos privados continuam a criar a vasta maioria do meio de circulação e do meio de pagamento. O estado também passa a exercer algum grau de controlo sobre os bancos — um controlo cujos limites intrínsecos são periodicamente expostos durante crises financeiras recorrentes. A crise global geral do início do século XXI é uma refutação contundente das fantasias dos manuais da Esquerda e da Direita, nas quais um estado sábio e benevolente supostamente controla o dinheiro e as finanças para o bem comum. A História deixa abundantemente claro que nem tudo é o melhor neste não-melhor de todos os mundos possíveis.

4. The eventual state monopoly over certain types of money is matched by its monopoly over taxation. A tax is an enforceable claim by the state on some portion of private revenues, and its payment by the private sector is a settlement of this enforced obligation. Taxes are payment obligations, but they are not “debts” any more than the protection money that restaurateurs pay the Mafia is a debt: they are promised nothing in return except a temporary suspension of threat. A debt is a transaction in which you promise to return something for something else you are about to receive: it is a repayment obligation. History reveals that tax claims are not always enforceable, and where they are, they are only enforceable only within limits. Force, or at least the threat of it, is extremely helpful but not always sufficient.

O eventual monopólio estatal sobre certos tipos de moeda é acompanhado pelo seu monopólio sobre a tributação. Um imposto é uma reivindicação executável do estado sobre alguma porção das receitas privadas, e o seu pagamento pelo setor privado é a quitação desta obrigação imposta. Impostos são obrigações de pagamento, mas não são "dívidas", da mesma forma que o dinheiro de proteção que os donos de restaurantes pagam à Máfia não é uma dívida: não lhes é prometido nada em troca, exceto uma suspensão temporária da ameaça. Uma dívida é uma transação na qual você promete devolver algo por algo que está prestes a receber: é uma obrigação de reembolso. A história revela que as reivindicações fiscais nem sempre são executáveis e, onde são, são executáveis apenas dentro de limites. A força, ou pelo menos a ameaça dela, é extremamente útil, mas nem sempre suficiente.

5. Fiat money, forced inconvertible token-money, is the characteristic form of modern money. The English colonists in North America invented fiat money precisely because the various states did not have the power to tax their easily infuriated populations. The printing of fiat money was an alternative method for financing state expenditures, paying state debts, and ultimately for funding the American Revolution itself. This creative application of the printing press was enthusiastically adopted by the French, Russian, and Chinese Revolutions, among others (Galbraith 1975, 46, 51–53, 62–66).

A moeda fiduciária (fiat money), moeda-ficha inconvertível forçada, é a forma característica da moeda moderna. Os colonos ingleses na América do Norte inventaram a moeda fiduciária precisamente porque os vários estados não tinham poder para tributar as suas populações facilmente irritáveis. A impressão de moeda fiduciária foi um método alternativo para financiar despesas estatais, pagar dívidas estatais e, em última análise, para financiar a própria Revolução Americana. Esta aplicação criativa da imprensa foi entusiasticamente adotada pelas Revoluções Francesa, Russa e Chinesa, entre outras (Galbraith 1975, 46, 51–53, 62–66).

6. Early American fiat money was backed by the promise of redemption in gold or silver, and circulated at par for some twenty years. It was also declared to be legal tender for transactions including the payment of taxes, although taxes were the one thing the states hardly dared collect.

A moeda fiduciária americana inicial era garantida pela promessa de resgate em ouro ou prata e circulou ao par por cerca de vinte anos. Ela também foi declarada curso legal para transações, incluindo o pagamento de impostos, embora os impostos fossem a única coisa que os estados dificilmente se atreviam a cobrar.

7. As more notes were issued and redemption repeatedly postponed, commodity prices specified in paper rose, as did the paper price of gold and silver. After fifty years the colonists’ paper was worth about one-tenth of their original promised value in gold (Galbraith 1975, 46–52). Nonetheless, these money tokens continued to circulate throughout.

À medida que mais notas eram emitidas e o resgate repetidamente adiado, os preços das mercadorias especificados em papel subiram, assim como o preço em papel do ouro e da prata. Após cinquenta anos, o papel dos colonos valia cerca de um décimo do seu valor original prometido em ouro (Galbraith 1975, 46–52). Não obstante, esses tokens monetários continuaram a circular por toda parte.

8. Why did these inconvertible tokens continue to circulate even after it became clear that they would never be redeemed? The history of money reminds us that private circulation gives rise to money tokens which are accepted as long as they are they are deemed able to perform certain functions as money. New coins become ghosts of themselves through the frictions of commerce. Yet these light coins continue to function alongside their heavier comrades within certain limits. Their designation by the state as legal tender within certain ranges of transactions (forced convertible tokens) can enhance their usage but cannot abolish their limits. Their acceptance is conditional on the costs of conversion, on the locality and range of their use, and of course on the continuity of the spinning wheel of commerce. At a later stage, the deposits-receipts from gold storehouses gradually begin to function as a means of payment, their approval being conditional on the trust in the bearer and in the goldsmith-banker. Still later, when fractional banking permits the issue of depositreceipts called bank notes, these money tokens are accepted because they are deemed convertible into something of a higher generality: local bank notes were accepted because they were supposedly convertible into notes of city banks, state money or gold; city bank notes because they are deemed convertible into state money and gold; and state money because it was deemed convertible into gold (directly or via foreign currency). In all of these cases, the token was backed by some money of a higher order.

Por que esses tokens inconvertíveis continuaram a circular mesmo depois de ficar claro que nunca seriam resgatados? A história do dinheiro nos lembra que a circulação privada dá origem a tokens monetários que são aceitos enquanto são considerados capazes de desempenhar certas funções como dinheiro. Moedas novas se tornam fantasmas de si mesmas devido aos atritos do comércio. No entanto, essas moedas leves continuam a funcionar ao lado de suas companheiras mais pesadas dentro de certos limites. Sua designação pelo estado como curso legal dentro de certas faixas de transações (tokens conversíveis forçados) pode aumentar seu uso, mas não pode abolir seus limites. Sua aceitação é condicional aos custos de conversão, à localidade e ao alcance de seu uso e, é claro, à continuidade da roda do comércio. Em uma fase posterior, os recibos de depósito de armazéns de ouro gradualmente começam a funcionar como meio de pagamento, sendo sua aceitação condicionada à confiança no portador e no ourives-banqueiro. Mais tarde ainda, quando o sistema bancário de reserva fracionária permite a emissão de recibos de depósito chamados notas bancárias, esses tokens monetários são aceitos porque são considerados conversíveis em algo de generalidade superior: notas bancárias locais eram aceitas porque eram supostamente conversíveis em notas de bancos urbanos, moeda estatal ou ouro; notas de bancos urbanos porque eram consideradas conversíveis em moeda estatal e ouro; e moeda estatal porque era considerada conversível em ouro (diretamente ou via moeda estrangeira). Em todos esses casos, o token era lastreado por alguma moeda de ordem superior.

9. It is crucial to understand that convertibility is a matter of faith, something which functions best when it is not tested too severely. The open secret of private and public fractional reserve banking is that most of the money is not there. One salient purpose of capitalism’s regular financial crises is to remind us of this objective fact, to suddenly reveal that a supposedly convertible token is inconvertible in practice. What this really indicates is that the promised fixed rate of exchange between a given token and money of a higher order has given way to a rapidly varying one: the thirst for city bank notes makes them more valuable in relation to local bank notes, and the thirst for gold makes it more valuable in terms of city notes, and so on.

É crucial entender que a conversibilidade é uma questão de fé, algo que funciona melhor quando não é testado de forma muito severa. O segredo aberto do sistema bancário de reserva fracionária (privado e público) é que a maior parte do dinheiro não está lá. Um propósito notável das crises financeiras regulares do capitalismo é nos lembrar desse fato objetivo, para revelar subitamente que um token supostamente conversível é, na prática, inconversível. O que isso realmente indica é que a prometida taxa de câmbio fixa entre um determinado token e a moeda de ordem superior cedeu a uma taxa rapidamente variável: a sede por notas de bancos urbanos as torna mais valiosas em relação às notas de bancos locais, e a sede por ouro o torna mais valioso em relação às notas urbanas, e assim por diante.

10. Fiat money, forced inconvertible tokens issued by the state, replaces convertibility at some pre-set rate with convertibility at a variable market rate. People accept inconvertible tokens for the same reason that they accept convertible ones: because they believe that they can continue using them as money. Convertibility and laws of legal tender enhance this conviction only as long as the economy functions reasonably well. As for the backing of paper money by “the majesty and integrity of the state,” history has shown these to be “exceedingly dubious assets” (Galbraith 1975, 46). When the wheel of circulation falters, or when inflation causes it to spin too rapidly, the belief wavers and national fiat money gets converted at escalating rates into more secure foreign currencies and into supra-national assets such as gold.

A moeda fiduciária (fiat money), tokens inconvertíveis forçados emitidos pelo estado, substitui a convertibilidade a uma taxa predefinida pela convertibilidade a uma taxa de mercado variável. As pessoas aceitam tokens inconvertíveis pela mesma razão que aceitam os conversíveis: porque acreditam que podem continuar a usá-los como dinheiro. A convertibilidade e as leis de curso legal reforçam essa convicção apenas enquanto a economia funciona razoavelmente bem. Quanto ao lastro do papel-moeda na 'majestade e integridade do estado', a história tem mostrado que estes são 'ativos extremamente duvidosos' (Galbraith 1975, 46). Quando a roda da circulação falha, ou quando a inflação a faz girar muito rapidamente, a crença vacila e a moeda fiduciária nacional é convertida, a taxas crescentes, em moedas estrangeiras mais seguras e em ativos supranacionais como o ouro.

11. From this point of view, while legal tender laws may be useful in establishing a currency, and legal restrictions on foreign currency and gold holding useful in suppressing recourse to alternatives, they cannot prevent private agents from seeking more secure monetary forms. When in the fullness of their power in 1880 the British colonial administration in Southern Nigeria sought to make British currency dominant, it took them the half-century to accomplish it. Pre-colonial Nigeria was a beehive of local production, inter-regional trade, and international trade. Markets as far away as the Caribbean, the Americas, and Europe were linked with the local producers, grafted upon the extensive regional trade. Indigenous capital markets existed, specialized bankers and moneylenders catering to merchants, and a futures market existed in the main staples of long-distance trade. Families held their savings in hoards of local currencies of manilas, brass rods, and cowries. Mexican, Peruvian, Brazilian, and Chilean dollars circulated freely alongside gold dust and gold nuggets, as well as gold and silver British, Spanish, South American, American, and French coins used for foreign remittances. In 1896, sixteen years after the British pound had been nominally established in Nigeria, the dominant currency was still the cowrie—even though “some coercion had been [applied] to encourage the local population to accept British currency” (Ofonagoro 1979, 623, 633). Unlike British currency, which was centrally minted and distributed by the colonial government, native Nigerian currencies were privately supplied, endogenous, and outside direct British control.

Deste ponto de vista, embora as leis de curso legal possam ser úteis para estabelecer uma moeda, e as restrições legais à posse de moeda estrangeira e ouro sejam úteis para suprimir o recurso a alternativas, elas não conseguem impedir que agentes privados busquem formas monetárias mais seguras. Quando no auge do seu poder, em 1880, a administração colonial britânica no sul da Nigéria procurou tornar a moeda britânica dominante, levou meio século para concretizar isso. A Nigéria pré-colonial era um foco de produção local, comércio inter-regional e comércio internacional. Mercados tão distantes quanto o Caribe, as Américas e a Europa estavam ligados aos produtores locais, enxertados no extenso comércio regional. Existiam mercados de capitais indígenas, banqueiros e agiotas especializados atendendo a comerciantes, e um mercado futuro existia nos principais produtos básicos do comércio de longa distância. As famílias mantinham suas economias em reservas de moedas locais de manilas, barras de latão e búzios (cowries). Dólares mexicanos, peruanos, brasileiros e chilenos circulavam livremente ao lado de pó de ouro e pepitas de ouro, bem como moedas de ouro e prata britânicas, espanholas, sul-americanas, americanas e francesas usadas para remessas estrangeiras. Em 1896, dezesseis anos após a libra esterlina britânica ter sido nominalmente estabelecida na Nigéria, a moeda dominante ainda era o búzio—mesmo que “alguma coerção tenha sido [aplicada] para encorajar a população local a aceitar a moeda britânica” (Ofonagoro 1979, 623, 633). Ao contrário da moeda britânica, que era centralmente cunhada e distribuída pelo governo colonial, as moedas nativas nigerianas eram supridas privadamente, endógenas e fora do controle direto britânico.

12. What is striking is that despite the huge variety of currency, trading and banking systems operating in Nigeria when the British took control, most colonial officials continued to view these same activities as forms of barter. “Thus they perpetuated the notion that currency was nonexistent in the country, and that in introducing British currency they weremerely improving a system which was previously based on barter” (Ofonagoro 1979, 636). They saw what they needed to see, they said what they need to say. The British colonial government tried repeatedly to drive out both local currencies and competing foreign ones, in the face of active and passive resistance from the population. Decrees were passed and punishments meted out to “encourage” the use of British currency. Yet “British coins were simply not regarded as money by the local population” (Ofonagoro 1979, 648). Paper money was introduced into Nigeria during World War I, and its acceptance was equally slow. In the end, it took fifty years of repeated attempts by the capitalist hegemon to finally devalue pre-indigenous Nigerian currencies and to destroy the wealth of many Nigerian families and businesses in the process.

O que é impressionante é que, apesar da enorme variedade de sistemas monetários, comerciais e bancários em operação na Nigéria quando os Britânicos assumiram o controle, a maioria dos oficiais coloniais continuou a ver essas mesmas atividades como formas de escambo. "Assim, eles perpetuaram a noção de que a moeda era inexistente no país, e que ao introduzir a moeda britânica estavam meramente melhorando um sistema que era previamente baseado no escambo" (Ofonagoro 1979, 636). Eles viam o que precisavam ver, diziam o que precisavam dizer. O governo colonial britânico tentou repetidamente expulsar tanto as moedas locais quanto as moedas estrangeiras concorrentes, diante da resistência ativa e passiva da população. Decretos foram aprovados e punições foram infligidas para "incentivar" o uso da moeda britânica. No entanto, "as moedas britânicas simplesmente não eram consideradas dinheiro pela população local" (Ofonagoro 1979, 648). O papel-moeda foi introduzido na Nigéria durante a Primeira Guerra Mundial, e sua aceitação foi igualmente lenta. No final, foram necessários cinquenta anos de repetidas tentativas pelo hegemon capitalista para finalmente desvalorizar as moedas nigerianas pré-indígenas e destruir a riqueza de muitas famílias e negócios nigerianos no processo.

13. The fiat money of the American colonists also existed alongside many other forms of money such as gold, silver, foreign coins, tobacco, and wampum. Inter-regional and international trade was present from the start. Fiat money, when it was invented, was accepted as one among a multitude of currencies. It was certainly not accepted in order to pay nonexistent taxes, or even because it was declared legal tender alongside tobacco, rice, grain, cattle, whiskey, and brandy at various points (Galbraith 1975, 48–50). Finally, in both ancient and modern times, the vitality of black market currency operations testifies to the fact that there is always an alternative to any existing currency, even if it has to be invented. For instance, after World War II in Germany the amount of papermoney was four times higher than its prewar level, while the war had greatly reduced the annual supply of goods. The incipient inflation was suppressed by price controls, which meant that the holders of commodities would have to sell them at artificially low prices. This they often refused to do. “Money practically ceased to serve as a means of payment.” Private goods were exchanged for other goods, and cigarettes rose to prominence as a widespread means of payment. Private commodity-money reappeared and displaced state-mandated money. The only remedy for this breakdown of the old currency was its replacement in 1948 by a new currency (Morgan 1965, 30–31). In the end, money functions because it is convertible in practice. If one type of money is not, another type will become so. There is no such thing as a money-of-no-escape except in textbooks.

A moeda fiduciária dos colonos americanos também coexistia com muitas outras formas de dinheiro, como ouro, prata, moedas estrangeiras, tabaco e wampum (moeda indígena). O comércio inter-regional e internacional estava presente desde o início. A moeda fiduciária, quando foi inventada, foi aceita como uma entre uma infinidade de moedas. Certamente não foi aceita para pagar impostos inexistentes, ou mesmo porque foi declarada curso legal ao lado de tabaco, arroz, grãos, gado, uísque e conhaque em vários momentos (Galbraith 1975, 48–50). Finalmente, tanto em tempos antigos quanto modernos, a vitalidade das operações cambiais do mercado negro atesta o fato de que há sempre uma alternativa a qualquer moeda existente, mesmo que tenha que ser inventada. Por exemplo, após a Segunda Guerra Mundial na Alemanha, a quantidade de papel-moeda era quatro vezes superior ao seu nível pré-guerra, enquanto a guerra havia reduzido grandemente a oferta anual de bens. A inflação incipiente foi suprimida por controles de preços, o que significava que os detentores de mercadorias teriam que vendê-las a preços artificialmente baixos. Isso eles frequentemente se recusavam a fazer. "O dinheiro praticamente deixou de servir como meio de pagamento." Bens privados eram trocados por outros bens, e os cigarros ascenderam à proeminência como um meio de pagamento generalizado. A moeda-mercadoria privada reapareceu e substituiu a moeda mandatada pelo estado. O único remédio para essa quebra da antiga moeda foi a sua substituição em 1948 por uma nova moeda (Morgan 1965, 30–31). No final, o dinheiro funciona porque é conversível na prática. Se um tipo de dinheiro não o for, outro tipo se tornará. Não existe tal coisa como uma "moeda-sem-escapatória" exceto em livros didáticos.

II. VISÕES CARTALISTAS E NEO-CARTALISTAS DO DINHEIRO 



III. FINANÇAS GOVERNAMENTAIS MODERNAS

1. Fiat money potentially frees the state from its budget constraint. It successfully fueled the American, French, Chinese, and other revolutions. And it led to the failures of the corresponding national currencies. The latter events and their modern counterparts have left a deep impression on monetary theory and practice. As a result, the Treasuries of most advanced countries are now inhibited from creating money to finance the excess of their desired expenditures over incoming tax and borrowing revenues (Ritter, Silber, and Udell 2000, 347–350). This does not mean that they must first borrow or raise taxes in order to spend. On the contrary, even private agents are always able to spend funds independently of incoming revenues so long as they have a stock of money (cash, bank deposits) at hand. They can then finance their expenditures by running down this stock and replenish it through income and/or borrowing. Treasuries are the same in this regard. They fund their expenditures by drawing down their stocks at the central bank, and these stocks are replenished by revenues derived from taxes and further borrowing. Therefore, in both private and public cases, it is formally correct to say that in most cases current spending does not directly come out of current income or borrowing.


2. Individual private agents may also be able to draw upon the funds of friends, relatives, and unsuspecting strangers in order to maintain a desired lifestyle. Since this only shifts the burden, aggregate private expenditures must eventually be linked to income. Bank debt seems different, but it too is linked to current and future income. It is therefore substantively correct to say that private spending is ultimately constrained by income. This is where amodern State Treasury can be different: it happens to have a particular relative with the Midas touch, a central bank which has the ability to create money at will. In the heady early days of fiat money certain states did indeed print money “by the square yard” (Galbraith 1975, 67). Modern states have an even greater capacity, since any mandated sum can be created at the stroke of a key. The central bank can then transfer this to the Treasury by buying the latter’s newly issued bonds, thereby providing fresh funds for government expenditures. One branch of the government then creates money and “lends” it to the other branch to spend—printing money “through the back door” to finance government expenditures by monetizing government debt (Ritter, Silber, and Udell 2000, 412). It is precisely because modern Central Banks have the capacity to act as printing presses for government finance that they are often politically restrained from doing so. Hence, central banks are given an ostensibly different mandate from the Treasury (Ritter, Silber, and Udell 2000, 347–350). The history of early fiat money is has already been noted. But even modern fiat money provides ample evidence on the consequences of not heeding these limits. The fact that the central bank can finance government spending does not make such financing an automatic outcome (Ritter and Silber 1986, 215–216, 268–269). Even printing presses have governors.


3. For instance, in the late 1980s the government of Argentina found it increasingly difficult to borrow funds on the open market. The Central Bank therefore began to create money to pay the interest and then eventually even the principal owed on the outstanding debt of government (Beckerman 1995, 665–673). As the funds involved ballooned, inflation rose from 385% in 1988 to over 3,000% in 1989 before slipping  back to over 2,000% in 1990 (IMF). The natural response among the citizens of Argentina was a flight to the US dollar and to gold. US dollars became the currency of choice, the real medium of safety, and the austral price of gold skyrocketed. The government in turn was forced to abandon the peg of its official exchange rate against the dollar. By 1991 the austral was re-pegged to the US dollar at a greatly reduced rate, and citizens were given the assurance that they could withdraw bank funds in dollars (at a new paltry exchange rate) if they so chose. This “dollarization” of the Argentine economy aimed to codify the existing practice and prevent further deterioration in the currency for a while. It also aimed to reassert the mandate of the Central Bank of Argentina, which was now supposed to pay attention to the effects of its powers on key monetary variables such as interest rates, exchange rates, and the inflation rate. Argentina’s subsequent current account deficits and increasingly large budget deficits once again prompted its nationals to convert pesos into dollars and send the latter abroad, leading to a run on the banks. By 2001, the economy was back in full blown crisis.



4. In the midst of the current global crisis that unfolded in 2007, the worst since the Great Depression of the 1930s, a similar issue has arisen in many nations. In the United States in May of 2009, the Federal Reserve Bank declared that it would pump an additional $1.15 trillion dollars in the economy by monetizing Treasury long-term debt. On one hand, the “Fed is living up to its commitment to do everything in its powers to deal with the crisis . . . this is effective life support . . . keeping things from getting a lot worse” (Hilsenrath 2009). On the other hand, this action was undertaken by the Fed only after a ferocious internal debate. “Richard Fisher, president of the Dallas Federal Reserve Bank . . . [and] the Fed’s leading hawk, was a fierce opponent of the original decision to buy Treasury debt, fearing that it would lead to a blurring of the line between fiscal and monetary policy—and could all too easily degenerate into Argentine-style financing of uncontrolled spending” (Evans-Pritchard 2009, emphasis added).



5. Mr. Fisher’s concerns remind us that while modern states can in principle create any indicated sum, the first restriction on such actions arises from the fact that the mandate of the central bank is different from that of the Treasury. Central bankers must always have Argentinas on their minds. Once this is recognized, then it is clear that in practice Treasuries are also budget-constrained. Within the limits of their existing stocks of funds, they can spend more than they are currently taking in. To replenish these funds, what they cannot coax from a central bank whose job it is to resist their entreaties, they must cover through additional borrowing from the private sector (bond sales) and/or additional taxes (a portion of which may arise simply from the multiplier effects of government deficits) [8]. It is here that a second set of limits arises. Borrowing from private lenders requires their consent on the terms and amounts, as the case of Argentina attests. And taxation always requires the grudging consent of taxpayers, for whom they appear as a direct reduction in disposable income. Every government knows that taxes can only be raised within certain limits, beyond which the officials held responsible run the risk of being remanded to honest labor. Finally, history clearly shows us that government spending can have inimical effects on prices, interest rates, and exchange rates. The question of how far we can go without producing such effects is one about which there is considerable, sharp disagreement.

[8]: 

6. This is where the core neo-Chartalist propositions come into the picture. The standard Keynesian prescription for maintaining full employment is to pump up aggregate demand and private production to the point that the private sector employs all willing and able workers. The risk is that inflation would occur, or perhaps even accelerate, well before that point. Modern Chartalists therefore propose a different procedure to the same end. They argue that the state should directly employ all the labor which the private sector is unable to absorb, at some fixed money wage. The state as Employer of Last Resort (ELR) would thereby generate effective full employment [9]. They also claim that fixing the money wage through the ELR would create a stable anchor for the national price level, so that there would be little risk of inflation (Wray 1998, 8–9, 13, 108). The ELR is the driving force for the neo-Chartalist argument and markup pricing is its crucial hypothesis (Mehrling 2000, 400).

[9]: Marx (1967a, chapter XXV) also argues that underemployment is normal under capitalism. But in his case it is because there are internal mechanisms which actively create and re-create a pool of unemployed workers. From this point of view, ELR would serve to absorb the reserve army of labor. But in so doing, it would mitigate the competition between employed and unemployed labor, which is a crucial element in keeping the aspirations of the working class in check. In so doing, the ELR would pose a threat to the business sector by demonstrating the limits of profit-driven employment, and by removing the “discipline” that unemployment imposes on wage demands (chapter 14).


7. 


segunda-feira, 10 de novembro de 2025

Acumulação, Finanças e Demanda Efetiva em Marx, Keynes e Kalecki - Anwar Shaikh

INTRODUÇÃO

This chapter develops a new approach to the theory of effective demand. The familiar relationships between aggregate demand, supply, and capacity are linked to a corresponding relationship between finance and debt. These cross-links provide a natural foundation for a macroeconomic model of internally-generated cyclical growth. The scenario which results from the model will be very similar to the classical and Marxian descriptions of normal accumulation, with supply and demand fluctuating erratically around a cyclical growth path with an endogeneous trend. Moreover, whereas current theories of effective demand generally need to resort to exogeneous factors such as technical change, population growth, or bursts of innovation in order to explain economic growth (Mullineaux 1984, 87-89), this classical/Marxian approach will be able to explain growth endogeneously through the normal rate of profit.

Este capítulo desenvolve uma nova abordagem para a teoria da demanda efetiva. As relações familiares entre demanda agregada, oferta e capacidade estão ligadas a uma relação correspondente entre finanças e dívida. Essas interconexões fornecem uma base natural para um modelo macroeconômico de crescimento cíclico gerado internamente. O cenário resultante do modelo será muito semelhante às descrições clássicas e marxianas da acumulação normal, com a oferta e a demanda flutuando erraticamente em torno de uma trajetória de crescimento cíclico com uma tendência endógena. Além disso, enquanto as teorias atuais da demanda efetiva geralmente precisam recorrer a fatores exógenos, como mudança técnica, crescimento populacional ou surtos de inovação, para explicar o crescimento econômico (Mullineaux 1984, 87-89), esta abordagem clássica/marxiana será capaz de explicar o crescimento de forma endógena através da taxa normal de lucro.

The framework developed in this chapter is grounded in Marx's schemes of reproduction, in Chipman's (1951) illuminating treatment of Keynesian flows, and in the pioneering elaborations of the Marxian schema by Dumenil (1977) and Foley (1983). The results are distinct from either of the two major traditions in modern macroecomics, since neither Say's Law (aggregate production generates a matching demand) nor Keynes's/Kalecki's Law (aggregate demand induces a matching supply) is assumed. On the contrary, as in Marx, both aggregate supply and demand are found to be themselves regulated by more basic factors (Kenway 1980; Foley 1983). Because capitalist production is fundamentally anarchic, this regulation process is always characterized by constant shocks and discrepancies. Nonetheless, the inner mechanisms of the system continue to operate. The end result is a turbulent and erratic pattern in which supply and demand cycle endlessly around an endogeneously-generated growth trend (Bleaney 1976, ch. 6; Shaikh 1978, 231-2; Garegnani 1979, 183-5).

O arcabouço desenvolvido neste capítulo está fundamentado nos esquemas de reprodução de Marx, no tratamento esclarecedor de Chipman (1951) sobre os fluxos keynesianos e nas elaborações pioneiras do esquema marxiano por Dumenil (1977) e Foley (1983). Os resultados são distintos de qualquer uma das duas principais tradições na macroeconomia moderna, uma vez que não se assume nem a Lei de Say (a produção agregada gera uma demanda equivalente) nem a Lei de Keynes/Kalecki (a demanda agregada induz uma oferta equivalente). Pelo contrário, assim como em Marx, constata-se que tanto a oferta agregada quanto a demanda agregada são reguladas por fatores mais básicos (Kenway 1980; Foley 1983). Como a produção capitalista é fundamentalmente anárquica, esse processo de regulação é sempre caracterizado por choques e discrepâncias constantes. Não obstante, os mecanismos internos do sistema continuam a operar. O resultado final é um padrão turbulento e errático no qual a oferta e a demanda ciclam infinitamente em torno de uma trajetória de crescimento gerada endogenamente (Bleaney 1976, cap. 6; Shaikh 1978, 231-2; Garegnani 1979, 183-5).

It is important to note that the present analysis is concerned solely with the relationship between effective demand and accumulation in the absence of any changes in technology or potential profitability. These themes are central to Marx's schemes of reproduction, to Keynes's theory of output, employment, and effective demand, and to Kalecki's theory of effective demand and cycles. More importantly, such considerations are a necessary prelude to the analysis of factors which may modify the path of accumulation and even transform it into a general crisis.

É importante notar que a presente análise se ocupa unicamente da relação entre demanda efetiva e acumulação na ausência de quaisquer mudanças em tecnologia ou na rentabilidade potencial. Esses temas são centrais para os esquemas de reprodução de Marx, para a teoria de produto, emprego e demanda efetiva de Keynes, e para a teoria de demanda efetiva e ciclos de Kalecki. Mais importante, tais considerações são um prelúdio necessário para a análise de fatores que podem modificar a trajetória da acumulação e até mesmo transformá-la em uma crise geral.

A Framework Linking Aggregate Demand, Supply, and Finance

Um Arcabouço que Liga Demanda Agregada, Oferta e Finanças

This section will develop a general framework linking aggregate demand, supply, and capacity to their duals in finance and debt. The aim is to make this framework broad enough to encompass the basic approaches in Marx, Keynes, and Kalecki, while still keeping it manageable. Therefore, the price level, money wages, and the rate of interest will be held constant, since their variations are not central to the above approaches. Similarly, we assume that the aggregate consumption of workers' equals their wages, so that aggregate personal savings derive only from capitalist personal income. However, there is no assumption of any a priori balance between aggregate demand and supply in the short run (as in Keynes and Kalecki), nor between aggregate capital disbursements and internal finance (as in Marx's schemes of reproduction). Indeed, it is one of the central themes of this paper that the linked imbalances in the above two domains play a crucial role in regulating the overall reproduction process.

Esta seção desenvolverá um arcabouço geral ligando demanda agregada, oferta e capacidade aos seus duais em finanças e dívida. O objetivo é tornar este arcabouço amplo o suficiente para englobar as abordagens básicas em Marx, Keynes e Kalecki, mantendo-o ainda assim gerenciável. Portanto, o nível de preços, os salários monetários e a taxa de juros serão mantidos constantes, uma vez que suas variações não são centrais para as abordagens mencionadas. Da mesma forma, assumimos que o consumo agregado dos trabalhadores é igual aos seus salários, de modo que a poupança pessoal agregada deriva apenas da renda pessoal capitalista. Contudo, não há suposição de qualquer equilíbrio a priori entre demanda agregada e oferta no curto prazo (como em Keynes e Kalecki), nem entre desembolsos agregados de capital e finanças internas (como nos esquemas de reprodução de Marx). De fato, é um dos temas centrais deste trabalho que os desequilíbrios interligados nos dois domínios acima desempenham um papel crucial na regulação do processo de reprodução geral.

Aggregate Demand, Supply, and Capacity

Demanda Agregada, Oferta e Capacidade

Following Marx, the period of production is taken as the basic unit of time, and it is assumed that the difference between inputs purchased and used in each period is small enough to be treated as a relatively small random variable (which will be reintroduced in the simulations). Inputs entering production at time t — 1 lead to output at time t. By definition, potential profit on production (the money form of aggregate surplus value) in period t is the difference between the money value of aggregate supply Qt, in period t and the sum of materials costs Mt-1, labor costs Wt-1 and depreciation DEPt-1 on inputs used to produce current output. The money value of aggregate supply in period t can be written as

Qt = Mt-1 + Wt-1 + DEPt-1 + Pt

Seguindo Marx, o período de produção é tomado como a unidade básica de tempo, e assume-se que a diferença entre os insumos comprados e os insumos usados em cada período é pequena o suficiente para ser tratada como uma variável aleatória relativamente pequena (que será reintroduzida nas simulações). Os insumos que entram na produção no tempo t-1 levam à produção (output) no tempo t. Por definição, o lucro potencial sobre a produção (a forma monetária do valor excedente agregado) no período t é a diferença entre o valor monetário da oferta agregada (Qt) no período t e a soma dos custos de materiais (Mt-1), dos custos de trabalho (Wt-1) e da depreciação (DEPt-1) sobre os insumos usados para produzir o output atual. O valor monetário da oferta agregada no período t pode ser escrito como

Qt = Mt-1 + Wt-1 + DEPt-1 + Pt   (1)

Sendo: 
Qt = Valor monetário da oferta agregada no período t.
Mt-1 = Custos de materiais nos insumos usados para produzir o output no período t (ou seja, no período t-1).
Wt-1 = Custos de trabalho (salários monetários) nos insumos usados para produzir o output no período t (ou seja, no período t-1).
DEPt-1 = Depreciação sobre os insumos usados para produzir o output no período t (ou seja, no período t-1).
Pt = Lucro potencial sobre a produção no período t (a forma monetária do valor excedente agregado).

A demanda agregada atual (Dt) é composta pela demanda atual por materiais (Mt) e por novas instalações e equipamentos (investimento fixo bruto, IGt), por adições desejadas aos estoques de produtos finais (CINVt) e pelo consumo dos trabalhadores (CONWt) e dos capitalistas (CONRt), respectivamente. Todos os itens acima requerem desembolsos reais, exceto por CINVt, que representa a parcela do output que os capitalistas gostariam de reter nos estoques de produtos finais para atingir algum nível de estoque desejado. Quando a oferta e a demanda não se equilibram, a mudança real nos estoques de produtos finais — que é igual à diferença entre o output bruto (adições) Q e as vendas brutas (deduções) M + I + CONW + CONR — será diferente da mudança desejada CINV.

Dt = Mt + IGt + CONWt + CINVt + CONRt   (2)

Excess demand Et in any period t can be defined as the difference between aggregate demand and aggregate supply. Note that when excess demand is positive, realized profits will be greater than potential profits.

O excesso de demanda (Et) em qualquer período t pode ser definido como a diferença entre a demanda agregada e a oferta agregada. Note que quando o excesso de demanda é positivo, os lucros realizados serão maiores do que os lucros potenciais.

Et = Dt - Qt   (3)

Combining equations (1) - (3), recalling that workers'consumption CONWt equals their wages W,, and grouping like terms, yields

Combinando as equações (1) a (3), lembrando que o consumo dos trabalhadores CONWt é igual aos seus salários Wt, e agrupando termos semelhantes, resulta em:

Et = At + It + CINVt + CONRt - Pt   (4)

where
aqui 

At = (Mt - Mt-1) + (Wt - Wt-1) = acumulação de capital circulante

It = IGt - DEPt-1 = acumulação líquida de capital fixo = investimento fixo líquido [1]

CINVt = acumulação desejada nos estoques de produtos finais

[1]: Strictly speaking, net investment is the difference between gross fixed investment and current retirements IRt, rather than current depreciation allowances DEPt. But the difference between the latter two is not important here.

[1]: A rigor, o investimento líquido é a diferença entre o investimento fixo bruto (IGt) e as baixas correntes (IRt), em vez de ser a diferença entre o investimento fixo bruto e as provisões correntes para depreciação (DEPt). No entanto, a diferença entre os dois últimos não é importante aqui.


sábado, 8 de novembro de 2025

12. Macroeconomia Moderna: Auge e Declínio (Anwar Shaikh)

SHAIKH, Anwar. Capitalism: Competition, Conflict, Crises. Oxford: Oxford University Press, 2016.

CONTENTS

I. INTRODUCTION

1. Macroeconomics as the aggregate consequences of individual actions

2. Central tendencies versus idealized worlds

3. Macroeconomics, emergent properties, and turbulent laws

4. Neoclassical macroeconomics and representative agents

5. Ten critical issues in macroeconomic analysis

i. Microeconomic features need not carry over

ii. Macro has always grounded itself in micro behavior

iii. Many micro foundations are consistent with some given macro pattern

iv. Notion of turbulent equalization requires corresponding tools

v. Temporal dimensions differ: Fast and slow processes

vi. Growth is the normal state

vii. Expectations, actuals, and fundamentals are reflexively related

viii. Real competition implies downward sloping demand curves

ix. Real competition does not imply continuous market clearing

x. Say’s Law and the split in the classical tradition on external demand and neutrality of money

6. Accounting for aggregate demand, supply, and capacity

i. Ex ante three balances

ii. Ex post balances

iii. Equilibrium balances

iv. Time dimensions

v. Basic savings–investment relation

vi. Output and capacity

vii. Normal capacity utilization does not imply Say’s Law

II. PRE-KEYNESIAN MACROECONOMICS

1. The displacement of classical economics by neoclassical economics

2. Walrasian roots of neoclassical economics

3. Pre-Keynesian neoclassical orthodoxy

i. Core orthodox propositions attacked by Keynes

ii. The neoclassical argument on full employment supply

iii. The neoclassical argument on aggregate demand and the interest rate

III. KEYNES’S BREAKTHROUGH

1. Keynes’s practical experience after World War I

2. Keynes’s new formulation

i. Production takes time so ruled by expected profit

ii. Aggregate demand has autonomous components

iii. Savings adjusts to investment

iv. Derivation of the investment–savings relation and the multiplier

v. Effects of profitability and interest rates on level of output

3. The Hicksian IS–LM representation of Keynesian economics

4. The rise and fall of Keynesian theory and policy

5. The rise and fall of the IS–LM/Phillips-Curve model

IV. THE RETURN OF NEO-WALRASIAN ECONOMICS

1. Monetarism

i. The old Quantity Theory of Money

ii. The new Quantity Theory of Money

iii. Friedman on the Great Depression

2. The natural rate of unemployment and inflation in the context of adaptive expectations

i. The problem facing macro theories in the 1970s

ii. Frictional employment in Keynesian and neoclassical theories

iii. Natural rates of employment and unemployment

iv. Short-run versus long-run effects of changes in aggregate demand

v. The link to inflation

vi. Non-accelerating inflation rate of unemployment

3. Rational expectations and the New Classical Theory

i. Role of expectations in Friedman and Phelps

ii. The New Classicals build upon this framework

iii. Hyper-rational expectations

iv. Lucas

4. Real Business Cycle Theory

i. Analytical structure of the Real Business Cycle Theory model

ii. Policy implications of the Real Business Cycle Theory

iv. Further considerations on empirical relevance of the Real Business Cycle Theory

5. New Keynesian economics

6. Conventional behavioral economics

V. KALECKI

VI. POST-KEYNESIAN ECONOMICS

1. Introduction

2. Davidson

3. The Kaleckian-Structuralist wing of post-Keynesian theory

i. Godley

ii. Taylor

4. General themes in post-Keynesian theory

i. Wage-led and profit-led growth: Alternate short-run outcomes or successive long-run phases?

ii. Long-run growth limits

iii. Unemployment can be eliminated through appropriate policy

sábado, 2 de agosto de 2025

Cursos - CNU 2025 - Bloco 6 (Canal Grundrisse)

 CURSOS PARA O CNU 2025 - BLOCO 6 (MEMBROS NO YOUTUBE)

Administração Pública 1: Estrutura da Administração Pública - Banca FGV

Administração Pública 2: Gestão Pública e Privada

Administração Pública 3: Modelos Teóricos - Banca FGV

Administração Pública 4: Reformas no Brasil - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 5: Governabilidade, Governança e Accountability - Banca FG (CNU 2025)

Administração Pública 6: Governo Eletrônico e Transparência - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 7: Comunicação na Gestão Pública - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 8: Qualidadade no Serviço - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 9: Empreendedorismo Governamental - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 10: Estrutura Organizacional - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 11: Eficiência, Eficácia e Efetividade - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 12: Gestão por Processos - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 13: Gestão por Resultados - Banca FGV (CNU 2025)

Administração Pública 14: Processo Organizacional - Banca FGV (CNU 2025)

Agências Reguladoras - Banca FGV

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Contabilidade Geral 1: Noções Gerais - Banca FGV

Contabilidade Geral 2: Balanço Patrimonial - Banca FGV

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Desenvolvimento Socioeconômico 1: Desenvolvimento Econômico - Banca FGV (CNU)

Desenvolvimento Socioeconômico 2: Crescimento Econômico - Banca FGV

Desenvolvimento Socioeconômico 3: IDH - Banca FGV

Desenvolvimento Socioeconômico 4: Distribuição de Renda - Banca FGV

Desenvolvimento Socioeconômico 5: Sustentabilidade - Banca FGV

Desenvolvimento - Banca FGV

Desastres Naturais e Humanos - Banca FGV (Conhecimentos Gerais)

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Economia Brasileira Contemporânea - Banca FGV

Economia da Regulação - Banca FGV (CNU 2025)

Economia do Setor Público - Banca FGV

Economia - Banca FGV (Conhecimentos Gerais)

Energia - Banca FGV (Conhecimentos Gerais)

Energia (Geografia) - Banca FGV

Ética e Integridade - Banca FGV

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Políticas Públicas 1: Formulação - Banca FGV

Políticas Públicas 2: Implementação - Banca FGV

Políticas Públicas 3: Avaliação - Banca FGV

Políticas Públicas 4: Tipos de Avaliação - Banca FGV

Políticas Públicas 5: Políticas Públicas no Brasil - Banca FGV

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Políticas Públicas 10: Tópicos Adicionais - Banca FGV

População - Banca FGV (CNU 2025)

Política - Banca FGV (Conhecimentos Gerais)

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Questões Sociais - Banca FGV (Conhecimentos Gerais)

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Regionalização Brasileira - Banca FGV (CNU)

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Trabalho e Tecnologia - Banca FGV (CNU 2025)

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Urbanização - Banca FGV (CNU 2025)



quinta-feira, 17 de julho de 2025

Investimento, capital e produtividade nos Estados Unidos, Espanha e Brasil - Juan Pablo Mateo Tomé

MATEO TOMÉ, Juan Pablo. Inversión, capital y productividad en Estados Unidos, España y Brasil. Revista de Economía Mundial, [S.l.], n. 52, p. 65–88, 2019. ISSN 1576-0162. Disponível em: https://www.sem-wes.org/es/REM-52/.

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Aspectos teóricos

 2.1. Dinâmica do processo de acumulação

 2.2. Acumulação e desenvolvimento desigual: comparação centro–periferia

  2.2.1. Esfera monetária

  2.2.2. Capital e produtividade

3. Resultados empíricos

 3.1. Evolução do capital e da produtividade

 3.2. Questões monetárias

 3.3. Comparação dos níveis absolutos

4. Conclusões


RESUMO

Este artigo apresenta uma análise comparativa da dinâmica de acumulação em três economias com diferentes níveis de desenvolvimento produtivo — Estados Unidos, Espanha e Brasil — no período de 1995 a 2014, destacando as particularidades das razões do estoque de capital e sua relação com a produtividade do trabalho. Embora a evolução das categorias da acumulação apresente certas semelhanças, a pesquisa revela que essas economias sofrem de certa disparidade na relação entre as razões capital-trabalho e capital-produto, alcançando um progresso mais limitado na produtividade do trabalho. Além disso, não se verifica nenhuma tendência de convergência da Espanha e do Brasil em relação aos Estados Unidos em termos de produtividade do trabalho em dólares.

1. Introdução

Este artigo apresenta uma análise comparativa da dinâmica de acumulação em três economias com níveis heterogêneos de desenvolvimento produtivo — Estados Unidos (EUA), Espanha e Brasil — durante o período de 1995 a 2014, com base em uma abordagem de economia política. Especificamente, estuda-se a relação entre o estoque de capital e a produtividade, com o objetivo de revelar as particularidades de cada economia e identificar se há alguma tendência de convergência em termos de produtividade do trabalho.

Os conceitos teórico-abstratos de centro e (semi)periferia são apropriados por seu caráter ilustrativo e esclarecedor (ver Martínez, 2011), embora não estejam isentos de limitações e suas fronteiras possam ser difusas. Ainda que não se adote completamente o marco teórico estruturalista de raiz cepalina, nem a abordagem circulacionista (Astarita, 2010), as categorias mencionadas são pertinentes para diferenciar — qualitativamente — distintos grupos de países. O critério adotado prioriza a esfera da produção, isto é, o desenvolvimento produtivo e a capacidade de gerar excedente de forma sustentada ao longo do tempo. Quantitativamente, isso se expressa em variáveis como o PIB per capita, a produtividade do trabalho ou o conteúdo tecnológico do estoque de capital, além de aspectos da estrutura econômica e, por extensão, em indicadores de renda, desigualdade e bem-estar.

O desenvolvimento produtivo está relacionado à disponibilidade de ativos de capital (K). Assim, o estoque de capital constitui uma variável central que, em grande medida, condiciona o tipo de evolução macroeconômica ao longo do tempo e explica as diferenças no nível de desenvolvimento produtivo entre os países. Pode-se defini-lo como uma grandeza de valor inserida em um processo de incremento de valor — valorização — e materializada no conjunto de elementos, tangíveis ou não, que fazem parte do processo: capital-dinheiro, capital produtivo e capital-mercadoria. Em outras palavras, trata-se de uma relação social de produção (ver Mateo, 2007) [1]. Por isso, levantam-se as seguintes perguntas:

i) Qual é a correspondência entre o nível dos rácios de capital e a produtividade?

ii) Quais são as particularidades da evolução do capital em relação à produtividade nas fases de crescimento e crise?

iii) Como os aspectos monetários influenciam essa relação?

iv) Pode-se afirmar que existe uma tendência de convergência em termos de produtividade?

[1] Esta definição não coincide com o fundamento teórico das medidas oficiais, pois, por um lado, abrange todos os elementos suscetíveis de possuir valor, independentemente de seu conteúdo material, mas ao mesmo tempo, refere-se apenas ao âmbito capitalista. Sobre isso, ver Câmara (2003), Mateo (2007) e Shaikh (2016).

Neste artigo, o termo “centro” refere-se às áreas mais desenvolvidas, como de fato são classificadas pelos próprios organismos internacionais. A chamada “periferia”, por sua vez, agrupa um conjunto de economias com maior atraso, ou seja, com baixos níveis de produtividade, geralmente dependentes de atividades primárias com baixo conteúdo tecnológico, o que resulta em um PIB per capita menor, mais pobreza e menor índice de desenvolvimento humano. Entre esses dois grupos pode-se situar uma “semiperiferia”, conceito que surge a partir das mudanças na divisão internacional do trabalho nas últimas décadas (Martínez, 2011). Embora sua delimitação não seja simples, esse conceito refere-se às economias que, sem pertencerem ao mundo desenvolvido, possuem níveis de produtividade e estoque de capital superiores aos da periferia, integram algumas cadeias globais de valor ou possuem atividades com certo grau de desenvolvimento produtivo. Exemplos mais significativos seriam México, Brasil, Argentina e Chile na América Latina, além dos demais integrantes do BRIC e de países recentemente industrializados da Ásia [2].

[2] Para essa classificação, ver Martínez (2011), Palazuelos (2016); sobre a problemática relativa à semiperiferia, ver Worth e Moore (2009).

A escolha do período se deve a aspectos relacionados às economias do Brasil e da Espanha. Por um lado, o início em 1995 se explica porque, no Brasil, aplica-se o Plano Real entre 1993 e 1994 para controlar a hiperinflação, que já em 1995 se encontrava em níveis reduzidos; enquanto, na Espanha, havia sido implementado um programa econômico que seguia as diretrizes dos Acordos de Maastricht. Por outro lado, o estudo vai até 2014 devido à disponibilidade de dados estatísticos no Brasil e, além disso, no caso da Espanha, existem séries consolidadas das contas nacionais a partir de 1995 [3].

[3] Deve-se observar que, no caso do Brasil, certos indicadores da primeira metade da década de 1990 apresentam resultados anômalos devido à hiperinflação. Além disso, só há deflator de investimento disponível até 2013.

Essa perspectiva analítica do processo de acumulação é relevante, em primeiro lugar, por constituir a dimensão central que explica o processo de crescimento, impactando, portanto, as esferas da distribuição, monetária-financeira e, assim, o crescimento econômico. Pelo lado da demanda, é a investimento, e não a poupança, a variável fundamental para caracterizar os ciclos de expansão e crise, materializando-se em um determinado volume de capital. Em segundo lugar, pela ausência de estudos empíricos que incluam economias com diferentes níveis de desenvolvimento, os quais, de todo modo, priorizam os fluxos de investimento.

Em terceiro lugar, a pertinência dessa abordagem se justifica também pelas particularidades do contexto histórico e dos casos estudados. EUA, Espanha e Brasil são economias com distintos níveis de desenvolvimento produtivo. A primeira representa a principal potência econômica mundial, enquanto a Espanha, embora seja uma economia desenvolvida e membro da OCDE, está localizada na periferia de uma região avançada como a Zona do Euro (Del Río, 2018), com um PIB per capita que representava entre 59% e 65% do norte-americano no período de 1995 a 2014. Já o Brasil é um exemplo de economia semiperiférica com enclaves industriais e financeiros (Palazuelos, 2015), integrando o grupo das economias emergentes — os BRICs —, e com um PIB per capita equivalente a um quinto do dos EUA (Banco Mundial, 2017). Nesse sentido, as duas décadas analisadas são marcadas pela adoção de políticas econômicas com certo caráter neoliberal na Espanha e no Brasil, nas quais a estabilidade monetária e a apreciação cambial tornaram-se aspectos distintivos [4]. Trata-se, portanto, de um período no qual se corrigem, a priori, certas tendências monetárias polarizadoras que serão discutidas no marco teórico, e que impactam de maneira crucial o modelo de acumulação.

[4] Utiliza-se o termo neoliberalismo porque se constata uma diferença em relação às fases anteriores quanto à lógica que articula as decisões fundamentais de política econômica (ver Mateo, 2016). Naturalmente, isso não implica uma semelhança absoluta com o conteúdo do termo, mas sua pertinência (ainda que com ressalvas) para Brasil e Espanha pode ser verificada em Carcanholo (2011) e Buendía e Molero-Simarro (2018), respectivamente.

Para isso, o artigo começa expondo os elementos teóricos do processo de acumulação e as assimetrias presentes em um esquema centro–periferia. Posteriormente, procede-se à análise dos resultados do estudo empírico, primeiramente em relação à evolução das diferentes categorias e, em seguida, realizando-se uma comparação entre Espanha e Brasil em relação aos EUA.

2. Aspectos teóricos

2.1. Dinâmica do processo de acumulação

Em primeiro lugar, situamos o objeto de investigação — a acumulação de capital — em seu marco mais geral. A partir de uma abordagem de economia política (Shaikh, 2016), o crescimento do produto (Y) depende fundamentalmente do investimento (I), que por sua vez responde ao objetivo de maximizar o lucro (B), de modo que a relação causal pode ser descrita como: rentabilidade (r) leva ao investimento (I), que leva ao crescimento do produto (Y). No entanto, essa relação também apresenta uma reciprocidade quanto à influência entre as variáveis [5].

Assim, a rentabilidade (r), que relaciona o objetivo da atividade econômica (o lucro, B) com o valor monetário do conjunto de elementos necessários para obtê-lo — provenientes dos fluxos de investimento —, ou seja, o estoque de capital (K), pode ser expressa em função de três tipos de indicadores (ou razões) do capital:

r = taxa de rentabilidade ou lucro sobre o capital;

B = benefício (lucro);

K = estoque de capital;

π = produtividade do trabalho;

P_y = deflator de preços do produto;

w_L = salário real por trabalhador (w = salário real, L = número de trabalhadores);

P_c = deflator de preços do consumo;

θ = razão capital–trabalho (K/L);

P_k = deflator de preços do capital;

e = razão benefício–salários (B/W);

τ = razão capital–salários (K/W);

β = participação do lucro no produto (B/Y);

δ = razão capital–produto (K/Y), que é o inverso da produtividade do capital.

[5] Portanto, entende-se que a taxa de poupança é uma categoria derivada, pois não se explica por uma decisão livre, mas sim pela necessidade de investir e pela capacidade de gerar excedente.

A taxa de lucro depende positivamente da margem da produtividade do trabalho (π) sobre o salário real por trabalhador (wL), ou seja, da diferença entre π e wL; do índice lucro-salários (e = B dividido por W); e da participação do lucro no produto (β = B dividido por Y). Por outro lado, ela depende negativamente do índice capital-trabalho (θ, a preços constantes), do índice capital-produto (d), que é o inverso da produtividade do capital (Πk), e do índice capital-salários (τ), levando em conta os deflatores de preços do produto (Py), do capital (Pk) e do consumo (Pc). Esses indicadores, associados à tecnologia da produção — ou seja, às dimensões da composição do capital — serão analisados empiricamente na próxima seção e se expressam da seguinte forma.

θ = Razão capital–trabalho (nível de mecanização) = capital por trabalhador ajustado pelo preço do capital;

τ = Razão capital–salários = capital total dividido pela massa salarial;

δ= Razão capital–produto = capital em relação ao produto real ajustado (inverso da produtividade do capital);

K* = Estoque de capital a preços constantes (capital líquido não residencial);

L = Número de trabalhadores (emprego);

θ = Razão capital–trabalho (nível de mecanização) = capital por trabalhador ajustado pelo preço do capital

τ = Razão capital–salários = capital total dividido pela massa salarial

δ = Razão capital–produto = capital em relação ao produto real ajustado (inverso da produtividade do capital);

K* = Estoque de capital a preços constantes (capital líquido não residencial);

L = Número de trabalhadores (emprego);

Pk = Deflator de preços do capital;

W = Massa salarial;

wL = Salário real por trabalhador;

π = Produtividade do trabalho (produto real por trabalhador);

Pky = Relação de preços entre produto e capital (Py/Pk).

Observe-se que o segundo indicador (τ) também depende da esfera da distribuição de renda, ao incorporar o salário. Por isso, neste trabalho, focamos nos indicadores θ e δ. O primeiro possui certa prioridade analítica porque relaciona os dois fatores nos quais o investimento se materializa: o capital fixo e a força de trabalho (L), ainda que essa medida não esteja isenta de controvérsias. Esse indicador representa o nível de mecanização do processo econômico — o volume de ativos de capital por unidade de trabalho — e constitui o fundamento inicial para a melhoria da produtividade do trabalho (π), que é estimada como o total do produto a preços constantes (Y*) por unidade de trabalho (L), de modo que, em termos gerais, pode-se dizer: quanto maior θ, maior π. Portanto, o aumento dos indicadores de capital (θ, τ, δ) tende a pressionar a rentabilidade para baixo e, por consequência, o crescimento econômico. No entanto, ao mesmo tempo, esses aumentos permitem elevar a produtividade. E, se essa produtividade de fato aumenta, os custos de produção diminuem, o que afeta os preços relativos. Por isso, destaca-se a importância da relação entre o preço do produto (Py) e o preço do capital (Pk).

Em consequência, esses dois fatores, a saber:

i) a eficiência produtiva do capital, ou seja, a medida em que o estoque de capital permite melhorar a produtividade do trabalho (θ → π); e

ii) o índice de preços relativos (Py, Pk), ou seja, a medida em que é possível reduzir relativamente o preço dos ativos que contribuem para aumentar a produtividade,

determinarão o perfil do índice capital-produto — ou, alternativamente, sua inversa, chamada de “produtividade do capital”.


Assim, a relação entre a acumulação de capital e a produtividade é relevante na medida em que constitui um determinante fundamental do crescimento econômico, ao influenciar a estrutura de custos (competitividade).

Por outro lado, o artigo faz referência a duas versões do produto:

i) o PIB, conforme aparece na contabilidade nacional; e

ii) aquilo que será denominado “valor novo” ou “produto” (Y), obtido a partir da dedução, do PIB, dos setores financeiro e imobiliário, juntamente com os serviços sociais e as administrações públicas. Essa medida será utilizada nos índices de capital e na produtividade do trabalho, e sua metodologia se justifica pela consideração do trabalho improdutivo (assalariado e mercantil) e pelo objetivo de eliminar qualquer viés decorrente de uma expansão relativamente elevada das finanças, do setor imobiliário ou de atividades não mercantis [7].

[7] Sobre essa questão, ver Mateo (2018b), Mateo e Outro (2018) e Shaikh (2016).

2.2. Acumulação e desenvolvimento desigual: comparação centro–periferia

Ao comparar os processos de acumulação de capital entre países, especialmente aqueles com níveis desiguais de desenvolvimento produtivo, as categorias devem ser medidas em uma mesma moeda — neste caso, uma divisa internacional (dólares), própria das áreas centrais. Por isso, inicialmente abordam-se as assimetrias das variáveis monetárias, já que se entende haver uma integração orgânica entre o real — ou seja, o que é produtivo em termos de valor — e o monetário. Nesta seção, tomamos como exemplo uma economia desenvolvida (A) e uma periférica, subdesenvolvida ou em desenvolvimento (B), o que representa uma simplificação metodológica necessária para revelar as tendências que se espera que operem sobre estas últimas. Em seguida, são discutidas as tendências próprias dos índices de capital e produtividade.

2.2.1. Esfera monetária

A relação entre os valores das moedas, ou seja, o tipo de câmbio (TC), é fundamental na análise comparativa das dinâmicas produtivas, já que o principal fator que condiciona as paridades cambiais é o nível de competitividade dos capitais (Astarita, 2010; Shaikh, 2016). Assim, o ponto de equilíbrio — ou o nível em torno do qual as moedas tendem a flutuar no longo prazo — entre dois países é determinado pelos custos unitários do trabalho real (Martínez-Hernández, 2017). Portanto, o desenvolvimento tecnológico de uma economia tende a conduzir, ou pressionar, à valorização da sua moeda, enquanto o contrário ocorre em economias que perdem competitividade. Isso significa que, em uma economia atrasada, o seu TC pode situar-se acima do correspondente à paridade do poder de compra (PPC), dadas as disparidades entre os diversos índices de preços (Astarita, 2010).

Uma primeira ressalva é necessária: a análise comparativa aqui adota os tipos de câmbio de mercado em vez da PPC, como faziam os organismos internacionais até o início da década de 1990. Isso se deve ao fato de que a perspectiva adotada enfatiza o desenvolvimento produtivo comparado das economias, e não o poder de compra de seus habitantes (Freeman, 2004; Saad-Filho, 2014; Mateo, 2020) [8]. Para os fins desta pesquisa, a aquisição dos elementos que permitem o aumento da produtividade — os bens de capital — é realizada em moeda internacional a taxas de mercado, e até mesmo as dívidas associadas são vinculadas a essa mesma paridade.

[8] Vale observar que um dólar medido por paridade do poder de compra é uma unidade de conta fictícia, que não existe em nenhum sentido concreto — nem para realizar pagamentos nem para contabilizar transações. Embora isso não signifique que o conceito careça de valor analítico, ele não é relevante para a análise da acumulação de capital, da capacidade produtiva ou da força econômica que, de forma tendencial (ou subjacente), explicam o desenvolvimento produtivo e o poder geopolítico.

Em princípio, espera-se que as economias mais competitivas apresentem maior estabilidade monetária, refletida em uma inflação média mais baixa. Do mesmo modo, há uma pressão estrutural para a redução relativa do custo do estoque de capital, ou seja, uma tendência ao aumento do índice Pyk, ou pelo menos uma certa sincronização entre os preços do produto (Py) e do capital (Pk), o que se explica pelo papel central que o estoque de capital exerce no desenvolvimento produtivo — área em que as economias periféricas são menos competitivas e precisam importar uma parte considerável dos ativos com maior conteúdo tecnológico (Mateo, 2020).

Essa tendência é coerente com a disparidade entre as medidas a PPC e os tipos de câmbio de mercado entre países desenvolvidos e periféricos. O primeiro índice refere-se ao custo da cesta de consumo, que é substancialmente mais baixo nas regiões não desenvolvidas, enquanto há apenas um mercado internacional para os ativos de capital. Em outras palavras, existe um sistema dual de preços globais: um custo universal para o capital e outro, de caráter local, para a força de trabalho, dado que os salários são definidos em mercados de trabalho diversos (Freeman, 2004). Por isso, espera-se que a esfera monetária amplifique as tendências divergentes que, no entanto, têm origem na capacidade produtiva heterogênea.

2.2.2. Capital e produtividade

Considerando a centralidade do capital para diferenciar o nível de desenvolvimento das economias, é necessário comparar os diversos índices de capital. Em primeiro lugar, é de se esperar que o grau de mecanização seja superior no país desenvolvido, embora este também possa dispor de mecanismos para evitar seu aumento excessivo. Por isso, é possível verificar as diferenças relativas entre a economia central e a periférica quanto aos meios (a mecanização) e aos resultados (a produtividade): a produtividade relativa de ‘b’ em relação a ‘a’ é o índice de produtividades em dólares, (π_ba)^$ = (π_b / π_a)^$, o que deve ser comparado com o índice capital-trabalho relativo (θ_ba)^$ = (θ_b / θ_a)^$, portanto


Se a distância entre os índices θ (capital-trabalho) for menor do que o diferencial de π (produtividade), então pode-se afirmar que o estoque de capital é relativamente ineficiente na economia mais atrasada, e σba > 1; ou seja, o nível de mecanização seria excessivamente elevado em relação ao nível de produtividade que se obtém. Nesse caso, observe-se que essa ineficiência pode vir acompanhada de um encarecimento relativo do capital (Pky), o que ampliaria a diferença nos índices de produtividade relativa do capital. De fato, as economias periféricas podem sofrer ainda mais com a desconexão entre os diversos indicadores de capital, pois δ = (θ dividido por π) multiplicado por Pky, o que faz com que esse índice seja duplamente pressionado para cima — tanto pelo aumento de θ (com menor crescimento de π) quanto pelo aumento de Pky. Assim como foi feito na expressão (6), pode-se aplicar o mesmo raciocínio ao índice capital-produto (ou produtividade do capital), relação que será representada por µ, e compará-lo com σ, para ilustrar a relação relativa entre os indicadores de capital frente à divergência na produtividade do trabalho em relação à economia de referência.


A hipótese de partida é, por um lado, que os índices de capital estão associados à produtividade do trabalho — uma relação geral que, no entanto, é mediada por aspectos concretos do contexto, bem como pela estrutura dos investimentos (capital) em termos de ativos e setores econômicos. Por outro lado, considera-se que existem obstáculos estruturais à convergência e ao equilíbrio, ou seja, afirma-se que a dinâmica de acumulação se caracteriza por um desenvolvimento desigual [9], com fatores estruturais que tendem a reproduzir, e talvez até a ampliar, as divergências produtivas internacionais. Em suma, propõe-se que o subdesenvolvimento produtivo pode se manifestar em um nível relativamente elevado dos seus índices de capital em relação ao seu nível de produtividade. Considerando uma comparação em moeda internacional, isso representa um obstáculo ao seu processo de acumulação, contribuindo para a reprodução das diferenças entre centro e periferia.

[9] O termo "desenvolvimento desigual" implica que não há uma tendência à convergência na economia mundial, e que o processo de acumulação e desenvolvimento não é uniforme entre setores e regiões geográficas. No entanto, isso não exclui a possibilidade de existirem dinâmicas convergentes.