segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Fluxos e Estoques de Produção nas Contas Nacionais - Anwar Shaikh

APÊNDICE 4.1 - Fluxos e Estoques de Produção nas Contas Nacionais (Shaikh, 2016)

1. Uma Estrutura para Monitorar Fluxos e Estoques de Produção

1. As contas clássicas concentram-se na produção concluída (XP) (ou seja, bens acabados) [1]. Já as contas convencionais enfocam a produção iniciada (X), que é a soma dos produtos acabados e semiacabados. Essa diferença no conceito de produção total gera outras diferenças nas medidas de insumos intermediários, custos salariais e valor adicionado, embora, no final, ambas as contas resultem na mesma medida de lucro bruto. O mapeamento entre as contas clássicas e as contas padrão será realizado a seguir no nível de uma economia privada fechada com apenas trabalho produtivo, pois é nesse ponto que surgem as diferenças fundamentais. A análise pode ser facilmente estendida para incluir os setores governamental e externo. A incorporação do trabalho não produtivo é tratada detalhadamente em Shaikh e Tonak (1994). Valores numéricos ilustrativos consistentes com a tabela 4.2 do texto deste capítulo são adicionados a todas as variáveis.

[1]: “O processo anual de reprodução é facilmente compreendido, desde que tenhamos em vista apenas o total da produção do ano. Mas cada componente individual desse produto deve ser levado ao mercado como mercadoria” (Marx 1967a, cap. 24, sec. 2, 590). “Os produtos acabados, seja qual for sua forma material ou seu valor de uso, seu efeito útil, são aqui todos capital-mercadoria” (Marx 1967b, cap. 10, 205).

2. É útil começar pelas categorias familiares das contas padrão de renda e produto nacional (NIPA). A produção total é definida como o produto bruto (X), que é a soma dos insumos intermediários adquiridos (A), das vendas de bens finais (XS) e da variação de estoques (ΔINV). A variação de estoques é composta pela soma das variações nos estoques de materiais e suprimentos (ΔINVA), de produtos em processo (ΔINVWIP) e de produtos acabados e bens mantidos para revenda (ΔINVP). Deve-se notar que os produtos acabados incluem materiais, na medida em que representam o produto final dos produtores de materiais, enquanto os bens finais referem-se a produtos acabados que não reentram diretamente na produção (ou seja, bens de consumo e investimento) (BEA 2008, 2–2, 2–9, 2–10) [2]. Para distinguir entre as duas categorias, indicarei os produtos acabados (ou seja, produzidos) com o subscrito “P” e os bens finais com o subscrito “F”. Assim, dentro da medida de produto bruto, a soma dos dois primeiros itens, insumos intermediários adquiridos (vendidos) e vendas de bens finais, representa o total das vendas de produtos acabados. Por fim, o valor adicionado bruto (GVA) e o produto interno bruto (PIB) são definidos como o produto bruto menos os insumos intermediários. Como o produto bruto pode sempre ser expresso pelo lado das fontes como a soma de seus custos com materiais (A), custos salariais (W) e lucro bruto, o GVA é a soma dos custos salariais e do lucro bruto. Pelo lado dos usos, o produto bruto é a soma das vendas (ou compras) de materiais (A) e das vendas finais de bens de consumo (C), bens de investimento fixo (If) e variações de estoques. Portanto, o produto interno bruto (PIB) é a soma do consumo, do investimento fixo e da variação total dos estoques de materiais, produtos em processo e bens finais. Devido ao seu foco na produção iniciada, a medida de “produto final” das NIPA tem a curiosa característica de englobar acréscimos aos estoques de matérias-primas e itens parcialmente fabricados (Shapiro 1966, 26n11).

[2]: Vendas finais são as “vendas da indústria para os usuários finais” e equivalem à soma das despesas de consumo pessoal, do investimento fixo privado bruto, das despesas de consumo do governo e do investimento bruto, e das exportações líquidas de bens e serviços (BEA 2008, 2–10, 12–12).


3. Para realizar a transição para as categorias clássicas, é necessário extrair categorias relevantes para os bens acabados (isto é, produzidos). Observamos no início deste apêndice que as vendas de bens acabados correspondem à soma dos insumos intermediários adquiridos (A) e das vendas de bens finais (FS). Como a produção concluída aumenta os estoques de bens acabados e as vendas de bens acabados reduzem esses estoques, a variação nesses estoques (ΔINVP) é a diferença entre a produção total de bens acabados (XP) e as vendas totais de bens acabados (A + FS). Essa relação pode ser escrita como:



4. As equações (1.1), (1.2) e (1.6) indicam que a medida padrão de produção iniciada é maior do que a medida clássica de produto acabado pela soma das variações nos estoques de materiais e produtos em processo.

5. Uma comparação semelhante pode ser feita entre os custos de materiais e trabalho da produção total (A + W) e os custos correspondentes do produto acabado. O custo de materiais dos bens acabados (AP) é o custo de materiais dos bens acabados cuja produção foi iniciada no ano corrente (A'P) mais o custo de insumos dos bens acabados cuja produção foi iniciada em anos anteriores (A''P) [3]. Da mesma forma, o custo de trabalho dos bens acabados (WP) é o custo de trabalho dos bens acabados iniciados no ano corrente (W'P) mais o custo de trabalho dos bens acabados iniciados em anos anteriores (W''P). Também é útil observar que a folha salarial total do ano corrente (W) é a soma dos salários gastos na produção iniciada no ano, tanto a concluída (W'P) quanto a não concluída (WWIP).

[3]: Se os preços estiverem variando, os custos atuais dos insumos não serão os mesmos que os custos efetivamente pagos, o que geralmente é tratado por meio de ajustes de valoração de estoques (BEA 2008, 2-8n19).


6. As variações nos estoques de materiais e produtos em processo fornecem os elos que faltam entre as medidas convencional e clássica de custo total. A variação nos estoques de materiais (ΔINVA) é a diferença entre as compras de materiais (A), que aumentam esses estoques, e seu uso na produção iniciada e concluída dentro do ano (A'P) e na produção em processo (AWIP). A variação nos estoques de produtos em processo (ΔINVWIP) decorre da adição de novos produtos em processo, avaliados a custo (AWIP + WWIP), e da subtração dos custos dos bens atuais iniciados em anos anteriores (AWIP + WWIP), que saem desses estoques ao serem concluídos.

7. Agora estamos em posição de demonstrar que as duas medidas de custos de produção diferem exatamente pelo mesmo valor que as medidas correspondentes de produto total [4]. Segue-se imediatamente que a medida de lucro bruto é a mesma em ambos os casos: a medida padrão do excedente operacional bruto (GOS) é igual à medida clássica da forma monetária do excedente bruto de valor (GSV). Portanto, o termo lucro bruto (PG) é usado para ambas.

[4]: A combinação das equações (1.8)–(1.12) resulta em:




8. A medida clássica do excedente bruto também possui um equivalente pelo lado do uso, que é o produto do excedente bruto (GSP). Este é a diferença entre o produto total acabado (XP) e os equivalentes de uso de seus custos (AP + WP). A partir das equações (1.1) e (1.6), a forma de uso do produto total acabado é XP = A + C + If + ΔINVP; AP já está na forma de uso; e, assumindo que o consumo dos trabalhadores é igual aos seus salários, os salários dos trabalhadores utilizados para criar o produto total podem ser escritos como WP = W – (W–WP) = CW – (W–WP), onde CW é o consumo corrente dos trabalhadores. Assim, com uma pequena reorganização dos termos, obtemos:


9. O primeiro termo entre parênteses no lado direito é o consumo dos capitalistas, que é a diferença entre o consumo total e o consumo dos trabalhadores. O segundo termo é a diferença entre os insumos adquiridos no ano corrente e aqueles utilizados na produção do produto final, representando o investimento total em materiais. O terceiro termo é a diferença entre as aquisições atuais de força de trabalho e aquelas realizadas na produção de bens acabados, representando o investimento total em força de trabalho. A soma do investimento em materiais e em força de trabalho constitui o investimento total em capital circulante (Ic) [5]. Como a produção leva tempo, o aumento da produção só pode ser alcançado primeiro pelo aumento dos insumos via investimento circulante. O investimento fixo (If), por outro lado, expande a capacidade. A distinção entre os dois é essencial para a dinâmica clássica (capítulos 12–13). Assim, o produto do excedente bruto é a soma do consumo dos capitalistas (CC), do investimento em capital circulante, do investimento em capital fixo e das variações nos estoques de bens finais. Isso é exatamente o que aparece nos esquemas de reprodução de Marx [6].

[5]: Marx afirma que o capital circulante é composto pelos salários e pelos materiais brutos e auxiliares consumidos na produção de uma mercadoria. O investimento em capital circulante é o aumento desse montante (Marx, 1967b, cap. 12, 231, 236).

[6]: Nos esquemas de reprodução de Marx, no caso apenas de capital circulante, em sua notação, a forma de uso do valor excedente total é S = Sc + Sac + Sav, onde S = valor excedente líquido, Sc = consumo dos capitalistas, Sac = ΔC = investimento em capital circulante, e Sav = ΔV = investimento em capital variável (Sweezy 1942, 162–163). A reprodução simples ocorre quando não há crescimento, de modo que ΔC = ΔV, caso em que todo o valor excedente é destinado ao consumo dos capitalistas (S = Sc).


10. Agora podemos comparar as medidas padrão e clássica de valor adicionado bruto [7]. Como ambas incorporam a mesma medida de lucro bruto (GOS = GSV = PG), a diferença só pode surgir das diferenças na medida de salários. E, como observamos anteriormente, essa diferença (W – WP) é simplesmente o investimento em força de trabalho. Esse é exatamente o ponto levantado por Tsuru (1942, 371–373) [8], embora sua derivação se refira ao caso especial de capital puramente circulante com um período de produção uniforme (veja capítulo 4, nota 15).

[7]: Uma notação ligeiramente diferente para o valor adicionado bruto clássico foi usada em Shaikh e Tonak (1994, cap. 3).

[8]: Tsuru também argumenta que a variação na folha salarial aparece duas vezes na medida convencional de produto interno bruto. Isso é melhor entendido agrupando sua medida em três itens: VA-NIPA = (Sc) + (V + Sav) + (Sac + Sav). O primeiro item é o consumo dos capitalistas. O segundo é o consumo dos trabalhadores: como toda produção leva um ano, o custo do trabalho de bens acabados (V) é a folha salarial do ano anterior, V + Sav = V + ΔV = a folha salarial do ano atual, e esta última é igual ao consumo atual dos trabalhadores, dada a suposição de Tsuru e Marx de que toda renda salarial é consumida no mesmo período. O terceiro item é o investimento total em capital circulante, ou seja, o acréscimo líquido aos estoques de produtos em processo, medido pelo custo dos materiais adicionais (Sac = ΔC) e do trabalho adicional (Sav = ΔV). Assim, VA-NIPA = Consumo Total + Investimento Total. De fato, um aumento na folha salarial aparece tanto no consumo atual dos trabalhadores quanto como parte do acréscimo atual aos estoques de produtos em processo.


11. Por fim, pode-se demonstrar que é possível identificar explicitamente o investimento em capital circulante mesmo dentro das medidas de produto bruto e produto interno bruto (PIB) das NIPA. O produto bruto é a soma das compras de materiais (A) e do produto interno bruto, sendo este último a soma do consumo (C), dos bens de investimento fixo (If) e das variações de estoques (ΔINV). Este último item corresponde à variação nos estoques de bens finais (ΔINVP) mais a soma da variação nos estoques de materiais e suprimentos e produtos em processo (ΔINVA + ΔINVWIP). Contudo, pela equação (1.13), essa última soma é simplesmente o investimento em capital circulante.


12. Segue-se que, a partir das equações (1.2), (1.5) e (1.20), podemos expressar o produto interno bruto (PIB) das NIPA como:


13. O investimento em capital circulante está presente o tempo todo, escondido à vista de todos.


Siglas:

A = insumos intermediários adquiridos (custos materiais)

AP = custo de materiais dos bens acabados (AP = A'P + A''P)

(A’P) = custo de materiais dos bens acabados cuja produção foi iniciada no ano corrente 

(A’’P) = custo de insumos dos bens acabados cuja produção foi iniciada em anos anteriores 

(AWIP) = custo de materiais na produção em processo

C = bens de consumo

CC = consumo dos capitalistas

F = bens finais;

FS = vendas finais

GVA = valor adicionado bruto (convencional)

GVAP = Valor Adicionado Bruto Clássico

GOS = medida padrão do excedente operacional bruto

GSP = produto excedente bruto

GSV = medida clássica da forma monetária do excedente bruto de valor

If = bens de investimento fixo

Ic = investimento em capital circulante

NIPA = contas padrão de renda e produto nacional

P = produtos acabados (ou seja, produzidos)

PG = lucro bruto

PIB = produto interno bruto

W = custos salariais

WP = custo de trabalho dos bens acabados (WP = W'P + W''P)

(W’P) = custo salarial dos bens acabados iniciados no ano corrente

(W’’P) = custo salarial dos bens acabados iniciados em anos anteriores

(WWIP) = salários gastos na produção iniciada no ano e não concluída 

X = produto bruto (produção iniciada = produtos acabados + semiacabados)

XP = produção total de bens acabados (produção concluída)

XS = vendas de bens finais

(ΔINV) = variação de estoques

(ΔINVA) = variações nos estoques de materiais e suprimentos

(ΔINVWIP) = variações nos estoques de produtos em processo 

(ΔINVP) = variações nos estoques de produtos acabados e bens mantidos para revenda

Nenhum comentário:

Postar um comentário