segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Desigualdade e Movimento da Taxa de Câmbio em Macroeconomia Aberta - Carnevali et al.

CARNEVALI, Emilio; RUGGERI, Francesco; VERONESE PASSARELLA, Marco. Inequality and Exchange Rate Movements in an Open-Economy Macroeconomic Model. Review of Political Economy, v. 36, n. 2, p. 722–760, 2024. DOI: 10.1080/09538259.2022.2062961.

SUMÁRIO

1. Introdução  

2. O Contexto: Financeirização  

    2.1. Mudanças na Distribuição de Renda  

    2.2. Financeirização das Empresas  

    2.3. Liberalização Financeira e Consumo Financiado por Dívidas  

    2.4. Liberalização da Taxa de Câmbio e da Conta de Capital  

    2.5. Desenvolvimento Financeiro  

    2.6. Regimes de Crescimento Baseados em Dívidas vs Baseados em Exportações  

3. Revisão da Literatura  

4. O Modelo  

    4.1. O Setor Doméstico  

    4.2. Consumo e Renda Total  

    4.3. O Setor Financeiro  

    4.4. O Mecanismo da Taxa de Câmbio  

5. Apresentação dos Resultados  

    5.1. Crescimento Baseado em Dívidas Privadas e Desigualdade  

    5.2. Consequências Econômicas da (Crescente) Desigualdade  

6. Evidências dos Estados Unidos  

7. Conclusão

RESUMO

Este artigo apresenta um modelo macroeconômico completo (SFC) para estudar a distribuição de renda e riqueza em uma economia aberta. Argumentamos que as taxas de câmbio e o estoque de dívida externa desempenham um papel crucial na determinação da desigualdade entre e dentro dos países. Usando a "hipótese da renda relativa", mostramos que o consumo financiado por dívida de famílias de baixa renda pode afetar tanto a renda total quanto a renda disponível de famílias de alta renda no médio prazo. Além disso, embora uma maior desigualdade seja prejudicial à economia doméstica, ela pode beneficiar os parceiros comerciais.

INTRODUÇÃO

A relação entre finanças e desigualdade tem atraído crescente atenção desde o início da crise financeira dos Estados Unidos em 2007–08. O tema tem sido frequentemente enquadrado no conceito mais amplo de "financeirização".  

A maioria dos estudos foca em países ou regiões isolados. Como resultado, o papel dos fluxos de capital entre países e das taxas de câmbio é geralmente negligenciado. Apresentamos um modelo de economia aberta, denominado IEROE (Inequality and Exchange Rate in the Open Economy), que busca preencher essa lacuna na pesquisa. Sua estrutura básica é derivada do modelo OPENFLEX, desenvolvido por Godley e Lavoie (2007). O modelo de referência foi ampliado com três blocos de equações. As novas características são as seguintes: (1) o setor doméstico de famílias é dividido em dois grupos, com base na renda mediana; (2) as famílias de baixa renda tentam emular os padrões de consumo das famílias de alta renda (hipótese da renda relativa, RIH); e (3) o crédito ao consumo das famílias de baixa renda é financiado por empréstimos bancários.  

O artigo está organizado da seguinte forma. A Seção Dois apresenta o conceito de "financeirização" e fornece evidências de como ele tem sido usado para resumir uma série coerente de "mudanças estruturais socioeconômicas". A Seção Três apresenta uma revisão da literatura sobre as contribuições mais recentes em finanças e desigualdade. A estrutura do modelo é discutida em detalhe na Seção Quatro. Na Seção Cinco, utilizamos o modelo para testar o impacto do comportamento emulativo e de uma mudança na distribuição primária de renda, respectivamente. Mostramos (experimento 1) que o comportamento emulativo das famílias de baixa renda (financiado por empréstimos bancários) tem um impacto negativo no médio prazo sobre a renda total doméstica. Além disso, afeta a renda e a riqueza financeira líquida da classe alta. Uma distribuição mais desigual de renda (experimento 2) é prejudicial para o país como um todo. Contudo, pode beneficiar tanto as famílias domésticas de alta renda quanto os parceiros comerciais. Na Seção Seis, mostramos que os resultados do modelo replicam as séries temporais disponíveis para a economia dos EUA durante a crise de 2007–08. De forma mais geral, nossos experimentos elucidam as principais relações causais entre o aumento da desigualdade de renda e riqueza e a instabilidade financeira em uma economia aberta. Isso também pode ser muito útil na economia da pandemia de Covid-19, já que evidências indicam que o recente choque econômico contribuiu para um aumento adicional no nível de desigualdade entre países (Bottan, Hoffmann e Vera-Cossio, 2020; Nassif-Pires et al., 2020; Qureshi, 2020; Perry, Aronson e Pescosolido, 2021). Planos de recuperação pós-pandemia devem levar essa lição em conta se desejam contribuir para uma economia mais estável e resiliente. Observações finais são apresentadas na Seção Sete.  

2. O Contexto: Financeirização

O termo "financeirização" é frequentemente usado para marcar o período desde o final da década de 1970 até o surgimento da crise de 2007–08. Muitos autores têm empregado o termo para explorar diversos aspectos das economias avançadas desde então, mas, como observa Krippner (2005, p. 181), "a literatura sobre financeirização é, no momento, um campo um tanto livre, carecendo de uma visão coesa sobre o que deve ser explicado". De fato, mais de 15 anos depois, ainda falta uma interpretação única desse conceito na literatura econômica.  

De acordo com Epstein (2019, p. 380), a financeirização "refere-se à crescente importância dos mercados financeiros, dos motivos financeiros, das instituições financeiras e das elites financeiras no funcionamento da economia e de suas instituições governantes, tanto no nível nacional quanto internacional". Essa definição é suficientemente geral para incluir uma variedade de mudanças estruturais que ocorreram na maioria das economias avançadas. Nas próximas subseções, discutimos brevemente algumas das mudanças mais relevantes.  

2.1. Mudanças na Distribuição de Renda

Durante a era da financeirização, a distribuição de renda favoreceu o capital em detrimento do trabalho (ver Hein e Dodig, 2015, para uma análise de longo prazo desse fenômeno). A Figura 1 mostra a evolução da distribuição funcional da renda em economias selecionadas. A Figura 2 foca na participação da renda do 1% mais rico.  

Todos os países registraram uma redução na participação salarial desde o final da década de 1970. A maior parte dessa "redistribuição" ocorreu durante os anos 1980. Ao mesmo tempo, os rendimentos do 1% mais rico registraram um crescimento substancial. Essa redistribuição de renda de baixo para cima começou no início dos anos 1980 nos EUA e no Reino Unido, onde Ronald Reagan e Margaret Thatcher lideraram a "revolução conservadora" no mundo ocidental. Na Espanha, Alemanha, Suécia e França, esse processo de redistribuição começou apenas em meados da década de 1990 ou até mesmo no início dos anos 2000 (Hein, 2015).  

Figura 1 - Participação do trabalho na renda nacional (%). Países selecionados da OCDE.

Nota: Nossa elaboração com base nos dados da *World Inequality Database*, 2021.  


Figura 2 - Renda nacional antes de impostos, participação do 1% mais rico. Países selecionados da OCDE.

Nota: Nossa elaboração com base nos dados da World Inequality Database, 2021.  


A distribuição mais desigual da renda entre salários e lucros (incluindo dividendos, pagamentos de juros e lucros retidos) foi acompanhada por uma distribuição mais desigual da renda pessoal entre os assalariados (isto é, entre trabalhadores de baixa renda e altos executivos, estrelas do esporte e do entretenimento, e empregados do setor financeiro). A queda no poder de barganha dos sindicatos e a mudança na estrutura da economia contribuíram para a estagnação dos salários reais nas indústrias manufatureiras tradicionais.

2.2. Financeirização das Empresas

As empresas não financeiras aumentaram seus investimentos em portfólios nos mercados de ações e abriram novas subsidiárias financeiras em vez de adquirir novas máquinas e instalações produtivas (Dodig e Hein, 2015). A parcela de receitas financeiras das empresas tem crescido desde o início da década de 1980. A Figura 3 mostra o nível de ativos financeiros como porcentagem dos ativos tangíveis para corporações não financeiras nos EUA. O nível de ativos financeiros mantidos por essas corporações aumentou constantemente em comparação aos ativos tangíveis. A Figura 4 apresenta o nível de "renda financeira" recebida por corporações não financeiras como porcentagem dos recursos internos mantidos pelas empresas. Essas figuras resumem bem a mudança em direção à "gestão financeira" adotada pelas empresas não financeiras desde o final da década de 1970.  

Figura 3 - Ativos financeiros como porcentagem do total de ativos, corporações não financeiras. Estados Unidos.  

Nota: Elaboração própria com base em dados do FRED, 2021.  


2.3. Liberalização Financeira e Consumo Financiado por Dívidas

A crescente disponibilidade de crédito ao consumidor durante a era da financeirização criou condições para o consumo financiado por dívidas. Ao mesmo tempo, o aumento da desigualdade de renda estimulou o consumo por efeito de "gotejamento". De fato, a concentração de renda e riqueza incentivou consumidores de baixa renda a imitar os padrões de consumo dos mais ricos. Essa hipótese da renda relativa (*Relative Income Hypothesis*, RIH) remonta ao trabalho seminal de Duesenberry (1949), que, por sua vez, ecoa a abordagem institucionalista de Veblen (1899). A RIH destaca a importância da formação de hábitos e do comportamento emulativo nos padrões de consumo de diferentes grupos sociais ("manter-se à altura dos vizinhos"). Baseando-se em Duesenberry (1949), Frank, Levine e Dijk (2014) propuseram a chamada hipótese das cascatas de gastos (*expenditure cascades*). Essa hipótese busca explicar a queda na taxa de poupança observada nos EUA durante o período de financeirização por meio de um mecanismo de cascata: gastos mais altos das famílias no quintil (ou decil) superior de renda levam os quintis subsequentes a aumentarem seus gastos. Essa imitação, por sua vez, eleva o consumo das famílias no terceiro quintil mais alto, e assim por diante.  

Figura 4 - Razão entre dividendos e lucros não distribuídos (%), corporações não financeiras. Estados Unidos.  

Nota: Elaboração própria com base em dados do *US Bureau of Economic Analysis* (BEA), 2021.  

Em alguns casos, o boom de consumo financiado por dívidas privadas compensou o impacto contracionista da redistribuição de renda em favor da parcela mais rica da população, bem como o efeito depressivo da queda no investimento líquido das empresas de produção.  

Além disso, novas normas financeiras, instrumentos financeiros e práticas financeiras reduziram os padrões de avaliação de crédito. Essas mudanças — geralmente chamadas de "liberalização financeira" — também incentivaram o aumento do crédito ao setor doméstico. Esse aspecto específico da financeirização é analisado no primeiro experimento da Seção Quatro.  

**2.5. Desenvolvimento Financeiro**  


A distinção entre liberalização financeira e desenvolvimento financeiro foi proposta pela primeira vez por Abiad, Oomes e Ueda (2008). O último inclui tanto a ampliação dos serviços financeiros para novos usuários (margem extensiva) quanto a melhoria da qualidade dos serviços financeiros para usuários antigos (margem intensiva). O desenvolvimento financeiro é frequentemente medido pela relação entre o crédito total (para o setor privado) e o PIB. A Figura 5 mostra o aumento dramático do desenvolvimento financeiro em nível internacional durante a era da financeirização, com períodos de aceleração abrupta em alguns países (no Reino Unido em meados da década de 1980 e na Suécia no final da década de 1990).  


**2.6. Regimes de Crescimento Baseados em Dívidas vs Baseados em Exportações**  


A combinação dos pontos apresentados nas Seções 2.3 (consumo financiado por dívidas) e 2.4 (liberalização da conta de capital) gerou um padrão típico de crescimento frequentemente descrito como regime de boom de demanda privada baseado em dívidas. Em particular, os EUA têm dependido cada vez mais do consumo para sustentar a demanda doméstica. No entanto, isso gerou uma maior demanda por bens estrangeiros, fomentando regimes de crescimento complementares baseados em exportações (como os da Alemanha, Japão e Suécia). Por sua vez, os superávits externos das economias baseadas em exportações foram investidos na dívida dos Estados Unidos e de outros países deficitários, graças à liberalização da conta de capital.  

Figura 5 - Crédito doméstico ao setor privado (% do PIB). Países selecionados da OCDE.  

Nota: Elaboração própria com base em dados do Banco Mundial, 2021.  

Um regime baseado em exportações também pode se originar de dinâmicas fracas de alguns componentes autônomos da demanda agregada, como os gastos governamentais, em vez de ser impulsionado pelo aumento da desigualdade ou do poder crescente das finanças. Ainda assim, os desequilíbrios gerados por esses padrões de crescimento desiguais só podem ser sustentados na presença de algum grau de liberalização financeira e desenvolvimento financeiro, como a história recente da Zona do Euro tem demonstrado.  

No entanto, a relação entre esses diferentes regimes de crescimento é mais complexa do que geralmente se reconhece. Na Seção Quatro, mostramos que, por mais contraintuitivo que possa parecer, o fim de um regime de crescimento baseado em dívidas em um país não tem o mesmo efeito negativo (de longo prazo) sobre seus parceiros comerciais.  




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