sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Desenvolvimento Econômico Desigual - Erik S. Reinert et al.




RESUMO

Introdução: Desenvolvimento desigual – abordando causas versus tratando sintomas  

Erik S. Reinert e Ingrid Harvold Kvangraven  

PARTE I – FONTES DE DESENVOLVIMENTO DESIGUAL: ORIGEM NATURAL VERSUS POLÍTICAS PÚBLICAS  

1. Desenvolvimento econômico desigual: identificando os pontos cegos da economia mainstream  

Erik S. Reinert  

2. Geografia, desenvolvimento desigual e densidade populacional: tentando uma abordagem não etnocêntrica para o desenvolvimento  

Erik S. Reinert, Salah Chafik e Xuan Zhao  

3. Redirecionando o crescimento: inclusivo, sustentável e orientado à inovação  

Mariana Mazzucato e Carlota Perez  

PARTE II – SUPOSIÇÕES, ABSTRAÇÕES E ABORDAGENS PARA O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL

4. Estados alterados: sonhos cartesianos e ricardianos  

Erik S. Reinert, Monica Di Fiore, Andrea Saltelli e Jerome R. Ravetz  

5. Gênero e desenvolvimento desigual

Lyn Ossome  

6. Teoria da dependência: forças, fraquezas e sua relevância hoje  

Ingrid Harvold Kvangraven  

7. A necessidade de centralizar o imperialismo nos estudos sobre desenvolvimento desigual  

Ingrid Harvold Kvangraven  

8. Imperialismo: uma nota sobre os tratados desiguais da China e do Japão modernos  

Xuan Zhao  

PARTE III – ENTENDENDO OS MECANISMOS QUE CRIAM E PREVINEM A DESIGUALDADE

9. Fisiocracia, guilhotinas e antissemitismo? A economia imitou o Iluminismo errado?  

Andrea Saltelli e Erik S. Reinert  

10. Retrocesso tecnológico e pobreza persistente  

Sylvi B. Endresen  

PARTE IV – QUANDO NAÇÕES E SISTEMAS ENFRAQUECEM E COLAPSAM

11. Quando nações colapsam: uma nota sobre On the Decline of States de Jacob Bielfeld (1760)  

Erik S. Reinert  

12. Livre comércio com os antigos países do COMECON como troca desigual  

Marta Kuc-Czarnecka, Andrea Saltelli, Magdalena Olczyk e Erik S. Reinert  

13. Escapando da armadilha da pobreza na China: a coevolução da diversidade na propriedade e no desenvolvimento econômico  

Ting Xu  

14. Experiências recentes de políticas econômicas bem-sucedidas: o caso do Uzbequistão  

Vladimir Popov  

PARTE V – FINANÇAS VERSUS A ECONOMIA REAL

15. Desenvolvimento desigual, capitalismo financeiro e subordinação  

Bruno Bonizzi, Annina Kaltenbrunner e Jeff Powell  

16. Crescimento desigual e a moeda única: o paradoxo da política fiscal  

Jan Kregel  

PARTE VI – ECOLOGIA

17. Identificando a troca ecológica desigual no sistema mundial: implicações para o desenvolvimento  

Alf Hornborg  

Conclusão: quais são as lições importantes da história? 

Erik S. Reinert e Ingrid Harvold Kvangraven  

Introdução: desenvolvimento desigual – abordando causas versus tratando sintomas  

Erik S. Reinert e Ingrid Harvold Kvangraven  

Imaginem um ser extraterrestre mítico visitando nosso planeta e tentando entender a mesma questão que este livro busca responder: por que algumas nações e algumas áreas parecem ser tão mais pobres que outras. Imaginemos um ser com uma lógica similar à nossa, mas que ainda não foi influenciado pela profissão econômica terrestre.  

Nosso visitante extraterrestre descobriria que, em alguns países, as pessoas sofrem de desnutrição e fome, enquanto em outros enfrentam problemas de saúde porque comem em excesso. Para entender o motivo, esse ser poderia procurar uma explicação observando as diferenças no que as pessoas fazem para viver em diferentes países. Haveria uma conexão entre o que as pessoas produzem e o bem-estar delas? Em nível individual, havia claramente uma conexão: em todo o planeta, hospitais pagavam melhor os cirurgiões do que as pessoas que limpavam os pisos dos mesmos hospitais.  

Após visitar algumas universidades do nosso planeta, o visitante entenderá que a pessoa frequentemente considerada um grande profeta na compreensão da riqueza e da pobreza neste planeta é um certo Adam Smith (1723–1790), e buscará uma explicação para a distribuição desigual de alimentos em sua obra. Consequentemente, ele será introduzido ao papel desempenhado pela “mão invisível”:  

*"Não adianta o orgulhoso e insensível senhor de terras contemplar seus extensos campos e, sem pensar nas necessidades de seus irmãos, imaginar consumir sozinho toda a colheita que cresce neles. O provérbio caseiro e vulgar de que o olho é maior que o estômago nunca foi tão plenamente verificado como em relação a ele. A capacidade de seu estômago não é proporcional à imensidão de seus desejos... O restante ele é obrigado a distribuir... Os ricos... consomem apenas um pouco mais que os pobres. Eles são conduzidos por uma mão invisível a fazer quase a mesma distribuição dos bens necessários à vida que teria sido feita, se a terra tivesse sido dividida em porções iguais entre seus habitantes."*  

(*Teoria dos Sentimentos Morais*, publicado pela primeira vez em 1759, em Smith 1812: 317–318)  

Tendo também lido a obra mais antiga de Smith, *A História da Astronomia* (escrita antes de 1758; publicada por Black e Hutton em 1795), nosso visitante compreende que uma “mão invisível” pode ter sido uma metáfora razoável para o que mantém os planetas em órbita. Mas, mesmo vinda do economista mais reverenciado do planeta, o princípio de que os ricos têm uma capacidade limitada de consumir, e, portanto, são forçados a compartilhar com os pobres, não o convencerá. Aqui, a metáfora da mão invisível parece ser uma metáfora estranhamente deslocada [1].  

[1]: Para uma discussão sobre essa metáfora, veja Samuels (2011).  

Tendo observado, no exemplo do hospital, o que parece ser um prêmio de habilidade – certas habilidades alcançam rendas mais altas do que outras –, nosso visitante investiga como Adam Smith explica as diferenças salariais em sua *Riqueza das Nações* (Smith 1776 [1976]). No Capítulo X do Livro I, Adam Smith explica o que causa diferenças salariais entre profissões. Em suas palavras: trata-se de quais circunstâncias “realmente, ou pelo menos na imaginação dos homens, compensam um pequeno ganho pecuniário em alguns (empregos) e contrabalançam um grande em outros”.  

Smith lista cinco razões pelas quais algumas pessoas são melhor remuneradas do que outras. A lista é notável porque, em cada ponto levantado, Adam Smith se esforça para explicar por que o conhecimento humano e as habilidades humanas não produzem um padrão de vida mais elevado do que a ignorância, nem para a sociedade, nem para o indivíduo. Abaixo, veremos o papel importante dessas suposições como a base da teoria do comércio internacional de David Ricardo, em 1817. Smith explica que, se pessoas com mais conhecimento e habilidades têm rendas mais altas – algo que também era observável no tempo de Adam Smith –, isso nunca se deve ao fato de que habilidades e conhecimento produzem valor, mas a uma das cinco razões seguintes.  

**Primeiro**, os salários variam com a agradabilidade do trabalho. Por essa razão, "o mais detestável de todos os empregos, o do carrasco público, é, em proporção à quantidade de trabalho realizado, melhor remunerado do que qualquer outro ofício comum" (Smith 1776 [1976]: 113). Sob esse ponto, Adam Smith também discute por que habilidades e talentos humanos são frequentemente muito bem recompensados, tentando explicar o que ele percebe como as "recompensas exorbitantes" de artistas, "cantores de ópera, etc.". Para Smith, as recompensas a esses talentos são um resultado direto do "descrédito que acompanha o emprego deles como meio de subsistência". Para ele, o fato de a sociedade recompensar talentos extraordinários é um reflexo direto de que "desprezamos suas pessoas". "Enquanto fazemos uma coisa (isto é, desprezá-los), devemos necessariamente fazer a outra (isto é, pagar recompensas exorbitantes)." "Caso a opinião pública ou o preconceito em relação a essas ocupações mude, sua remuneração pecuniária diminuirá rapidamente" (ibid.: 120). Smith argumenta que, se parássemos de desprezar nossos atores, artistas e esportistas, suas rendas cairiam ao nível de um trabalhador agrícola. Seu sistema não permite uma recompensa pecuniária associada à admiração: seu sistema "natural" deve vincular "alta recompensa" com "desprezo".  

**Segundo**, os salários variam com o custo de aprendizado da profissão. Smith deixa muito claro que "o custo do aprendizado explica por que os salários dos fabricantes são mais altos do que os dos trabalhadores rurais" (ibid.: 114). Portanto, não há vantagem na manufatura em relação à agricultura, embora os rendimentos na manufatura "possam ser um pouco maiores, parece evidentemente, no entanto, que não são maiores do que o suficiente para compensar a despesa superior de sua educação". Em outras palavras, a tradição mercantilista de que nações que exportam produtos oriundos de profissões de maior qualificação serão mais ricas do que nações que exportam produtos de baixa qualificação é aqui fortemente refutada. Do ponto de vista tanto da sociedade quanto do indivíduo, adicionar conhecimento ao trabalho, no sistema de Smith, é claramente um jogo de soma zero.  

**Terceiro**, os salários variam com a constância do emprego. Por essa razão, profissionais como pedreiros e ladrilheiros, que "não podem trabalhar durante fortes geadas e mau tempo", e que não têm demanda constante por seus serviços, receberão um salário maior do que pessoas que estão permanentemente empregadas. "Os altos salários desses trabalhadores, portanto, não são tanto a recompensa por sua habilidade, mas a compensação pela inconsistência de seu emprego" (ibid.: 116). Mais uma vez, qualquer papel de habilidade e conhecimento é descartado.  

**Quarto**, os salários variam com a confiança que deve ser depositada. Algumas profissões – Smith menciona ourives, médicos, advogados e procuradores – são melhor remuneradas devido à "grande confiança que deve ser depositada nos trabalhadores" (ibid.: 117). Temos que confiar nessas pessoas, diz Smith, e a razão pela qual as pagamos melhor é que não confiamos em pessoas que não são bem remuneradas. "Tal confiança não poderia ser depositada com segurança em pessoas de uma condição muito baixa ou inferior. Sua recompensa deve ser, portanto, tal que lhes dê o status na sociedade que essa confiança tão importante exige" (ibid.: 118). Para Adam Smith, em outras palavras, não pagamos melhor a advogados e médicos do que a pessoas que lavam pratos porque suas habilidades são mais valiosas, mas porque precisamos confiar nessas pessoas, e não poderíamos imaginar confiar em pessoas das classes mais baixas da sociedade.  

**Quinto**, os salários variam com a probabilidade de sucesso. "Coloque seu filho como aprendiz de sapateiro; há pouca dúvida de que ele aprenderá a fazer um par de sapatos. Mas envie-o para estudar direito, e é pelo menos uma chance em vinte que ele alcance proficiência suficiente para conseguir viver de sua profissão." Por essa razão, Adam Smith vê as profissões qualificadas como sendo semelhantes a uma loteria: "aqueles que ganham os prêmios devem recuperar tudo o que é perdido por aqueles que tiram os bilhetes em branco". Como, segundo Smith, apenas um em 20 advogados "consegue algo em sua profissão, esse único advogado deve receber não apenas a retribuição por sua própria educação tão tediosa e cara, mas também a de mais de vinte outros que provavelmente nunca conseguirão nada com ela" (Smith 1776 [1976]: 118–119). Mais uma vez: o conhecimento é um jogo de soma zero.  

**Ao contrário dos economistas contemporâneos, Adam Smith é consistente em levar sua teoria macroeconômica antimercantilista para o nível micro – o nível familiar.** Poucos economistas hoje recomendariam a seus filhos um emprego lavando pratos em vez de ir à universidade, utilizando o argumento de que a equalização dos preços dos fatores está "logo ali". Em nível privado – mas não no nível nacional – os economistas atuais reconhecem o valor do capital humano. Privadamente, eles aceitam o ponto mais importante do economista estadunidense Daniel Raymond, de 1820 (Raymond 1820; Reinert 2015): diferentes profissões possuem diferentes capacidades de absorver capital (humano ou outro) de forma lucrativa; em outras palavras, diferentes profissões oferecem diferentes "janelas de oportunidade" para criar bem-estar, e este é um fator chave sobre o qual as estratégias econômicas nacionais devem se basear (Skidelsky 2020).  

Não se pode lucrativamente adicionar tanto capital humano ao trabalho de lavar pratos quanto ao de advogado. Por essa razão, os economistas frequentemente recomendam a seus filhos profissões que requerem educação universitária, embora, ao fazerem isso, expressem o que – no nível macro de uma nação africana – descreveriam como "uma preferência mercantilista por uma profissão em detrimento de outra". No nível macro, os mesmos economistas recomendam que as nações se mantenham fiéis à sua vantagem comparativa, qualquer que seja ela. Em comparação com essa inconsistência lógica moderna no aconselhamento entre "meus filhos e os filhos da África", Adam Smith parece muito mais consistente. Ele argumenta que os mecanismos que funcionam no nível macro também operam no nível micro: considerando todos os riscos, é mais seguro deixar seu filho tornar-se aprendiz de sapateiro do que advogado (Adam Smith não teve filhos).  

Com base no exposto, Adam Smith – novamente com certa lógica – reforça os argumentos acima, descartando habilidade e conhecimento como fatores econômicos com base em duas suposições. **Primeiro**, ele presume que a força de trabalho vem do mesmo grupo de pessoas: “Se, na mesma vizinhança, houvesse qualquer ocupação mais ou menos vantajosa que as demais, tantas pessoas migrariam para ela em um caso, e tantas a abandonariam no outro, que suas vantagens logo retornariam ao nível das demais ocupações.” Assim, se a diferença salarial entre o cirurgião e a faxineira se tornar muito grande, todos se tornarão cirurgiões e não haverá mais ninguém para lavar os pisos.  

**Segundo**, ele presume que habilidades podem ser aprendidas extremamente rápido. Investir em máquinas e instrumentos pode levar tempo, diz Smith:  

*"mas, quando ambos forem devidamente inventados e bem compreendidos, explicar a qualquer jovem, de maneira completa, como aplicar os instrumentos e como construir as máquinas, não pode exigir mais do que algumas semanas de lições: talvez alguns dias sejam suficientes. Nos ofícios mecânicos comuns, certamente alguns dias seriam suficientes."*  

A discussão de Adam Smith sobre o que causa diferenças de remuneração entre profissões culmina em uma crítica severa aos estatutos ingleses de aprendizagem e à sua oposição às patentes. Esses estatutos, datados do reinado de Elizabeth I – da época renascentista de valorização do conhecimento per se – previam períodos de aprendizado de até sete anos. Adam Smith via esses aprendizados como um desperdício extremo, já que acreditava que tudo poderia ser aprendido "em poucos dias". Diferentemente de economistas posteriores, como Alfred Marshall, Adam Smith não era um homem prático: ele "parecia o mais improvável dos guias para o mundo prático", nas palavras do professor da Harvard Business School, Thomas McCraw (1992: 364). O desprezo de Adam Smith pelo papel do conhecimento humano tornou-se uma base necessária para a teoria do comércio internacional de David Ricardo, de 1817. Essa teoria – que a maioria dos economistas conhece no início de sua formação – baseia-se na troca internacional de horas de trabalho completamente desprovidas de qualquer qualificação. Se a discussão de Adam Smith sobre a irrelevância do conhecimento e das habilidades fosse uma introdução obrigatória à teoria do comércio internacional de Ricardo e sua vantagem comparativa, ela seria menos convincente para os estudantes. Mas, quando os estudantes encontram o mesmo argumento como uma suposição implícita em uma argumentação "científica" como a de Ricardo, é fácil aceitá-lo como uma verdade sagrada. A economia moderna está repleta de teorias tão ilógicas quanto esta, mas, como são expressas em matemática em vez de em inglês, elas ainda assim parecem "científicas".  

Podemos mencionar que, em um livro publicado um ano após *A Riqueza das Nações*, de Adam Smith, uma forma alternativa de entender o mundo foi apresentada por outro escocês, William Robertson. Em sua *História da América*, Robertson (1777) afirmou que "em qualquer investigação sobre as operações dos homens unidos em sociedade, o primeiro objeto de atenção deve ser seu modo de subsistência. Conforme esse varia, suas leis e políticas também devem ser diferentes". Se as ideias de Robertson tivessem prevalecido nas instituições de Washington – o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial – em vez das de Adam Smith e David Ricardo, essas instituições teriam visto uma ligação entre o modo de produção da África e a pobreza do continente. Robertson foi um reitor (principal) muito respeitado da Universidade de Edimburgo.  

Em seu livro *A Retórica da Reação: Perversidade, Futilidade, Risco*, Albert Hirschman (1991) discute os argumentos que, desde o tempo de Adam Smith, têm sido usados contra qualquer forma de política econômica ativa e intervencionista. Hirschman divide os argumentos contra qualquer estratégia ativa por parte do estado em três categorias e encontra, para sua surpresa, que tanto a "direita" tradicional quanto a "esquerda" tradicional gradualmente começaram a fazer o mesmo tipo de argumentos:  

1. **Perversidade.** Qualquer tentativa de melhorar a ordem econômica ou social terá o efeito oposto ao pretendido. Esse argumento está claramente presente nas obras tardias de Adam Smith.  

2. **Futilidade.** Qualquer tentativa de mudar a ordem social ou econômica está fadada ao fracasso.  

3. **Risco.** Qualquer tentativa de mudar a ordem social ou econômica trará custos tão altos que colocará em risco o que já foi alcançado.  


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