LAVOIE, Marc. Post-Keynesian Economics: New foundations. Edward Elgar Publishing, 2022.
Sumário
1. Fundamentos da economia heterodoxa e pós-keynesiana 1
2. Teoria da escolha 75
3. Teoria da firma 128
4. Crédito, moeda e bancos centrais 193
5. Demanda efetiva e emprego 296
6. Acumulação e capacidade 370
7. Macroeconomia de economia aberta 497
8. Teoria da inflação 592
9. Considerações finais 630
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Capítulo 01 - Fundamentos da economia heterodoxa e pós-keynesiana 1
1.1 A NECESSIDADE DE UMA ALTERNATIVA
1.1.1 Ventos de Mudança
Há pouco mais de uma dúzia de anos, o mundo ocidental foi atingido pela Crise Financeira Global. Desde então, surgiram diversas iniciativas lideradas por estudantes dedicadas a ampliar o leque de teorias econômicas e abordagens às quais os estudantes de economia poderiam ter acesso. Os estudantes franceses, que já haviam iniciado um movimento de protesto em 2000, entraram em ação novamente com o Peps-économie (2013). Eles ajudaram a lançar um apelo internacional por mais pluralismo no ensino de economia, o apelo ISIPE, a Iniciativa Estudantil Internacional pelo Pluralismo na Economia. Isso foi seguido por outros movimentos estudantis, em particular o Rethinking Economics e o Exploring Economics, que fornecem informações e documentos sobre várias teorias alternativas à economia mainstream. Existem também as atividades e conferências patrocinadas pelo Instituto para uma Nova Economia (INET) e organizadas por meio das Iniciativas de Jovens Acadêmicos (YSI), bem como organizações estudantis já existentes, como a OIKOS International, dedicada à sustentabilidade, que também apoiaram o apelo por mais pluralismo na economia. Tudo isso foi acompanhado por uma explosão de várias escolas de verão com grande participação, que durante alguns dias ou até mesmo uma semana, oferecem instrução a estudantes de pós-graduação em escolas de pensamento alternativas.
A existência desses movimentos é prova de que muitos estudantes de economia desejam ir além do que geralmente lhes é ensinado na maioria dos departamentos de economia e estão se conscientizando de que existem alternativas; no entanto, também demonstra que não houve muitas mudanças na academia, além de adições marginais ao currículo.
Às vezes, as coisas foram mais encorajadoras fora da academia, com desenvolvimentos dentro de bancos centrais ou organizações internacionais. A crise levou à reconsideração de muitos dogmas na teoria macroeconômica e monetária. Talvez, o mais importante, é que levou alguns pesquisadores de grandes organizações internacionais a questionarem sua postura filosófica como um todo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou a iniciativa Novas Abordagens para Desafios Econômicos (NAEC), que dá mais espaço para visões alternativas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi criticado pelo seu Escritório de Avaliação Independente por sua visão estreita e, como consequência, também tentou dar mais espaço para críticas internas. Como exemplo, Ostry et al. (2016) em um jornal do FMI dedicado a um grande público leitor, questionam se as políticas neoliberais foram superestimadas. Eles examinam duas políticas neoliberais padrão destinadas a promover o crescimento de longo prazo: primeiro, a austeridade fiscal, ou seja, a tentativa de reduzir os déficits fiscais e a dívida pública, especialmente reduzindo o tamanho dos gastos do governo (a chamada consolidação fiscal expansionista); e segundo, a remoção de restrições à mobilidade de capital entre países. Seu argumento é que essas duas políticas não aumentaram o crescimento econômico e, além disso, levaram a uma maior desigualdade de renda e riqueza. Ostry et al. (2016, p. 38) concluem que "em vez de promover o crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, comprometendo assim a expansão duradoura". Isso representa uma mudança substancial.
Os banqueiros centrais também modificaram suas opiniões, reconhecendo agora que a meta de inflação não é uma panaceia e que podem ter reivindicado demasiada influência sobre a economia. Alguns bancos centrais, como o Banco de Reserva da Nova Zelândia, que foi o primeiro a adotar a meta de inflação, agora adotaram um mandato duplo ou se movem em direção a uma meta de inflação mais flexível. Além disso, muitos bancos centrais, em particular o Banco da Inglaterra, têm sido críticos em relação à teoria monetária padrão encontrada nos livros didáticos, como a história do multiplicador monetário e a teoria quantitativa do dinheiro, explicando assim o processo de oferta de dinheiro como os pós-keynesianos têm feito nos últimos 50 anos.
Sob a pressão de alguns banqueiros centrais, muitos componentes antigos e obrigatórios da teoria macroeconômica estão sendo questionados: a hipótese das expectativas racionais, a versão forte ou semi-forte da hipótese do mercado eficiente, a hipótese de eficiência não tendenciosa em finanças internacionais, a suposição de substituição perfeita de ativos, o teorema da equivalência ricardiana de Barro, a ideia de contrações fiscais expansionistas baseadas na "fada da confiança", a taxa natural de desemprego e sua versão NAIRU como um atrator único (ou mesmo variável no tempo) da taxa real de desemprego - a curva de Phillips de longo prazo vertical e até mesmo a curva de Phillips de curto prazo descendente (Lavoie, 2018). A Crise Financeira Global minou completamente essas hipóteses ou suposições, porque, como foi relatado por um tempo em uma seção lateral do site do Financial Times, "a crise de crédito destruiu a fé na ideologia do livre mercado que dominou o pensamento econômico ocidental por uma geração".
Além disso, o advento da crise da COVID-19, com os governos se atrevendo a incorrer em grandes déficits para sustentar a atividade econômica ou o poder de compra das famílias, modificou completamente as atitudes em relação aos déficits públicos e à dívida pública, pelo menos por um tempo. Economistas e o público perceberam que o aumento das relações entre dívida e PIB e os grandes déficits fiscais não geraram aumento das taxas de juros. Enquanto antes havia um consenso de que a política monetária era todo-poderosa, enquanto a política fiscal só deveria tentar equilibrar o orçamento, agora há o reconhecimento de que a política fiscal é uma ferramenta poderosa, especialmente quando apoiada pelas autoridades monetárias. Nesse sentido, os esforços incansáveis dos defensores da Teoria Monetária Moderna (MMT) para convencer seus pares e o público em geral de que os governos federais têm uma grande margem financeira para seguir políticas expansionistas certamente ajudaram a descartar a fobia do déficit.
1.1.2 Retratação
Críticos da economia convencional argumentam há muito tempo que as regulamentações e políticas econômicas implementadas com a crescente liberalização da economia foram baseadas em teorias econômicas errôneas e que essas teorias precisam ser abandonadas. Mas, com o advento da Crise Financeira Global e os eventos associados à crise da COVID-19, vários ex-partidários da economia mainstream mudaram de opinião e têm sido bastante críticos em relação à teoria padrão.
Talvez a recantação mais imediata e surpreendente tenha sido a de Richard Posner, um juiz e professor sênior na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago. Posner era um rígido defensor dos mercados livres e da ideologia de Milton Friedman. Em seu livro intitulado "O Fracasso do Capitalismo", Posner (2009a) argumenta que a desregulamentação foi longe demais e que os mercados financeiros precisam ser fortemente regulamentados, porque a banca tem uma importância sistêmica que outras indústrias não têm. Em um artigo subsequente, provocativamente intitulado "Como me tornei um Keynesiano", Posner (2009b) foi além, argumentando que "aprendemos desde setembro de 2008 que a geração atual de economistas não descobriu como a economia funciona". Posner argumentou que a Teoria Geral de Keynes, apesar de sua aparente antiguidade, é o melhor guia para a crise. Robert Skidelsky (2009, p. x), o biógrafo historiador de Keynes, afirmou que, para entender a economia, era melhor não ser um economista profissional, com a vantagem de "não ter sido doutrinado para ver o mundo como a maioria dos economistas o vê!"
A crítica mais contundente à teoria macroeconômica mainstream do lado ortodoxo foi talvez feita por Willem Buiter, ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra e, admitidamente, um crítico precoce da hipótese das expectativas racionais. Em um blog agora famoso, Buiter (2009) escreveu que "o treinamento típico em macroeconomia e economia monetária recebido nas universidades anglo-americanas nos últimos 30 anos pode ter atrasado por décadas investigações sérias sobre o comportamento econômico agregado e a compreensão relevante para a política econômica". Buiter (2009) referiu-se a modelos baseados na Nova Economia Clássica e na Nova Economia Keynesiana como o tipo de modelagem que não oferece pistas sobre "como a economia funciona, muito menos como a economia funciona em tempos de estresse e instabilidade financeira".
Além dos economistas heterodoxos, como Servaas Storm (2021a), que acreditam que isso pertence ao Museu de Modelos Econômicos Improváveis, vários ganhadores do Prêmio Nobel foram bastante críticos do principal modelo macroeconômico mainstream, o modelo de Equilíbrio Geral Estocástico Dinâmico (DSGE). Robert Solow, que às vezes é considerado o pai dos modelos DSGE por causa de seu famoso modelo neoclássico de crescimento de 1956, também repudiou os modelos DSGE, afirmando que suas bases eram uma "macroeconomia tola e mais tola" (Solow, 2003) e que adicionar atritos realistas não tornava esses modelos mais plausíveis (Solow, 2008, p. 244). Solow, portanto, não acredita que os esforços recentes dos defensores do DSGE para adicionar refinamentos complexos tornarão esses modelos melhores ou mais realistas. Não surpreendentemente, Joseph Stiglitz (2015, p. 43) também argumentou que a macroeconomia teve um desempenho ruim ao longo dos anos, já que "os modelos/teorias que orientaram a política não foram meros espectadores inocentes na crise que começou em 2008. Eles desempenharam um papel crítico na criação da crise e nas respostas inadequadas a ela". Quanto a Paul Romer (2016, p. 1), ex-economista-chefe do Banco Mundial, ele provocou bastante controvérsia quando escreveu que havia "observado mais de três décadas de retrocesso intelectual" na macroeconomia, acrescentando que ela se transformara em "pseudociência", mirando explicitamente o trabalho de Robert Lucas e dos economistas da Nova Economia Clássica.
1.1.3 A Necessidade de uma Alternativa Pós-Keynesiana
O argumento apresentado aqui é que o perigo para os formuladores de políticas de seguir conselhos ruins foi amplamente aumentado pela hegemonia da economia mainstream. A dissidência é também o que é necessário para um ambiente acadêmico vibrante. É nosso dever social como economistas desenvolver uma perspectiva alternativa do sistema econômico. É nosso dever sustentar e desenvolver as tradições heterodoxas que questionam a eficiência e a estabilidade dos mercados sem restrições, como veremos nas seções seguintes. A dissidência, no entanto, deve ir além da crítica: uma alternativa positiva também deve ser apresentada. Este é o principal propósito do livro: fornecer uma visão alternativa e modelos alternativos.
Derrubar o monopólio da ortodoxia DSGE só será possível se os macroeconomistas continuarem a construir e manter modelos alternativos para informar e incentivar discussões de políticas fora do caminho trilhado pela macroeconomia mainstream. Em tudo isso, no entanto, há um aspecto positivo. O projeto de modelagem DSGE está programado para continuar seguindo o caminho em direção à irrelevância e, sendo incapaz de se corrigir, em algum momento, inevitavelmente, se chocará com essa parede chamada 'realidade econômica'. Isso pode levar décadas, mas uma vez que o choque tenha ocorrido, haverá uma demanda por abordagens alternativas, sensatas e mais humanas. Portanto, é vital manter essas iniciativas no entretanto. (Storm, 2021b, p. 114)
Alguns economistas ecléticos da corrente principal, além de Stiglitz, também reconheceram a necessidade de pontos de vista alternativos. Em uma entrevista na Revista do FMI, Blanchard abriu a porta para pontos de vista alternativos, em particular aqueles endossados por defensores de longa data da economia pós-keynesiana:
Como resultado da crise, cem flores intelectuais estão florescendo. Algumas são flores muito antigas: a hipótese de instabilidade financeira de Hyman Minsky. Modelos kaldorianos de crescimento e desigualdade. Algumas proposições que teriam sido consideradas anátema no passado estão sendo propostas por economistas "sérios": por exemplo, o financiamento monetário do déficit fiscal. Algumas premissas fundamentais estão sendo questionadas, como a separação clara entre ciclos e tendências: a histerese está fazendo um retorno. Tudo isso é para o melhor. (Blanchard, 2015)
Neste livro, desejo destacar a tradição pós-keynesiana na economia. Veremos mais adiante que essa escola de pensamento pode ser subdividida em várias vertentes. Mas, por ora, podemos dizer, como uma primeira aproximação, que essa tradição amplia e generaliza as ideias seminais desenvolvidas pelos seguidores radicais de John Maynard Keynes (daí o nome pós-keynesiana). Esses desenvolvimentos ocorreram inicialmente, em grande parte, na Universidade de Cambridge, onde Keynes estava localizado. A originalidade dessas ideias tornou-se bastante evidente na década de 1950, quando pesquisadores como Nicholas Kaldor e Joan Robinson ganharam destaque. É claro que também havia outros economistas heterodoxos famosos em Cambridge, mais notavelmente Richard Kahn e Piero Sraffa. Essa geração foi seguida por outra, composta por Luigi Pasinetti, Geoffrey Harcourt, Wynne Godley, Robert Rowthorn e Ajit Singh, que trouxeram ideias próprias, embora compatíveis com essa tradição radical de Cambridge. Contribuições de economistas externos também enriqueceram essa tradição, sendo a mais notável, certamente, a de Michał Kalecki, o economista polonês, ao qual podemos acrescentar outros, como Joseph Steindl, Augusto Graziani, Pierangelo Garegnani, Amit Bhaduri e Philip Arestis. A partir do início da década de 1970, vários economistas americanos – como Victoria Chick, Paul Davidson, Alfred Eichner, Jan Kregel, Hyman Minsky, Edward Nell e Sidney Weintraub – contribuíram de maneira singular para essa tradição e ajudaram a institucionalizar a economia pós-keynesiana. Atualmente, embora pouco reste dessa tradição na Faculdade de Economia de Cambridge (Saith, 2022), os colaboradores da economia pós-keynesiana podem ser encontrados em grande número em todo o mundo e, em certos casos, podem estar associados a outras escolas de pensamento, como foi o caso de John Kenneth Galbraith.
1.2 ECONOMIA HETERODOXA
1.2.1 Economia Heterodoxa versus Economia Ortodoxa
Neste ponto, algumas definições são necessárias. A Tabela 1.1 apresenta os nomes alternativos dados às duas amplas tradições existentes na economia. Optei por chamá-las de economia heterodoxa e economia ortodoxa; um economista que não faz parte do grupo heterodoxo, por definição, deve pertencer à ortodoxia. Veremos na próxima seção que essas duas tradições podem ser definidas por características metodológicas e crenças fundamentais. A economia ortodoxa é frequentemente chamada de economia neoclássica, marginalismo, paradigma dominante ou economia mainstream. Nas últimas duas décadas, autores como David Colander (2000) e John Davis (2006) argumentaram que todos esses termos não são sinônimos. Em particular, esses autores sustentam que trabalhos importantes dentro da tradição ortodoxa não utilizam algumas das premissas fundamentais que definem a economia neoclássica e os métodos marginalistas, referindo-se, por exemplo, à teoria dos jogos, economia experimental, economia comportamental, neuroeconomia e economia de complexidade não linear.
Embora isso possa ser verdade, especialmente no campo da microeconomia, apesar de elementos óbvios de continuidade com o arcabouço neoclássico, é evidente que a macroeconomia, com seu uso atual do agente representativo com expectativas racionais (RARE, como John King (2012a) o chama), ainda se encontra totalmente dentro da esfera neoclássica. Portanto, até que evidências contrárias sejam realmente convincentes, não vejo problema algum em assimilar a economia ortodoxa ao paradigma neoclássico.
Ocasionalmente, usei o termo "economia não ortodoxa" ou "economia heterodoxa" em oposição à economia ortodoxa, mas, na versão de 1992 do livro, fiz referência ao "paradigma pós-clássico", em oposição ao paradigma neoclássico, também porque algumas preocupações dos economistas pós-clássicos refletiam as preocupações de economistas clássicos como Ricardo e Marx. O termo "economia política" é frequentemente sugerido, em um esforço para abranger não apenas alternativas à economia mainstream, mas também as contribuições que poderiam surgir de outros campos das ciências sociais (Stilwell, 2019). No entanto, há um risco ao escolher tal termo, pois ele também foi utilizado por autores de direita preocupados com escolha pública, comportamento eleitoral e o crescimento do setor público. Como resultado, para evitar confusões, vários autores adicionaram qualificadores ao termo. Heinrich Bortis (1997) sugeriu o nome "economia política clássico-keynesiana" para representar o que chamei de paradigma pós-clássico. Malcolm Sawyer (1989) propôs o termo "economia política radical" para identificar um pequeno subconjunto de escolas dissidentes. "Economia política institucional" e "economia política heterodoxa" também foram sugeridos por Nicolas Postel e Richard Sobel (em Labrousse e Lamarche, 2009) para descrever uma ampla gama de escolas de pensamento alternativas. Em minha opinião, todas essas denominações são aceitáveis, mas pode ser melhor evitar completamente a expressão "economia política", já que termos como "economia política crítica" ou "economia política pós-crítica" também foram utilizados por alguns marxistas. Para emular o sucesso popular da Teoria Monetária Moderna (Modern Monetary Theory), poderia ser tentador adotar o nome "economia política moderna", mas o termo já foi apropriado por políticos que desejam se apropriar da teoria neoclássica!
Edward Fullbrook (2013) sugeriu o uso de duas expressões: "economia do novo paradigma" e "economia do antigo paradigma", propondo dez características distintivas. Em seus esforços para agrupar todos aqueles frustrados com a economia ortodoxa, e como um desdobramento do movimento de economia pós-autista, Fullbrook criou a *Real-World Economics Review*, a principal publicação da *World Economics Association*. Assim, o oposto da economia ortodoxa também poderia ser chamado de "economia do mundo real".
Decidi adotar a denominação "economia heterodoxa". Ao longo dos anos, especialmente desde o final da década de 1990, mas ainda mais desde meados dos anos 2000, o termo "economia heterodoxa" tornou-se cada vez mais popular para designar o conjunto de economistas que se veem como pertencentes a uma comunidade distinta do paradigma dominante (isso pode ser constatado ao verificar o Google Books Ngram Viewer). De fato, existe agora um extenso *Heterodox Economics Directory* (Kapeller e Springholz, 2016), que oferece informações úteis para todos os jovens pesquisadores que buscam uma alternativa à economia dominante. Como resultado, utilizarei o termo "economistas heterodoxos", conforme sugerido, em particular, por Frederic Lee (2009). Embora vários economistas heterodoxos não gostem do nome ou o considerem estranho, como mostram entrevistas, acredito, assim como muitos outros, que ainda é o melhor identificador possível (Mearman et al., 2019; Armstrong, 2020).
É possível resumir, de forma breve, a diferença entre economia ortodoxa e economia heterodoxa? Embora mais detalhes sejam abordados na próxima seção, neste momento podemos nos concentrar na definição de economia como exemplo. A definição mais aceita, presente em todos os manuais ortodoxos, é a de Lionel Robbins (1932, p. 16), que definiu a economia como "uma ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos", resumindo isso ao dizer que a economia é o estudo do "comportamento condicionado pela escassez" (p. xxxi). Quando questionados, alguns de meus alunos definiram a economia neoclássica como o estudo de uma curva de oferta ascendente e uma curva de demanda descendente! Por outro lado, Lee (2013a, p. 108) define a economia heterodoxa como "uma ciência histórica do processo de provisão social". Acho essa definição um tanto ambígua e, pessoalmente, prefiro a definição oferecida por John Weeks (2012), que se opõe à definição padrão de economia baseada na escassez, propondo, em vez disso, que "a economia é o estudo do processo pelo qual a sociedade utiliza seus recursos disponíveis na produção e distribui essa produção entre seus membros".
1.2.2 Escolas de Pensamento Heterodoxas
Quem são esses economistas heterodoxos? Frederic Lee (2009, p. 7), em sua *History of Heterodox Economics*, lista o seguinte: "economia pós-keynesiana-sraffiana, marxista-radical, institucionalista-evolucionária, social, feminista, austríaca e ecológica". A Tabela 1.2 apresenta uma lista semelhante das várias escolas de pensamento que associei à economia heterodoxa no passado. Os pós-keynesianos estão listados em primeiro lugar, não por sua importância numérica, mas porque são o tema deste livro, embora seja importante destacar que os radicais/marxistas provavelmente são os mais numerosos entre os economistas heterodoxos, seguidos pelos institucionalistas.
Como veremos mais adiante, essas várias escolas de pensamento possuem características metodológicas em comum, embora isso nem sempre seja evidente, pois os membros de cada escola geralmente se especializam em diferentes campos ou oferecem diferentes tipos de críticas à economia ortodoxa, o que faz com que os contatos entre as várias escolas sejam relativamente esparsos.
Como mencionado anteriormente, a crise financeira impulsionou todas as escolas de pensamento alternativas, em especial a economia keynesiana heterodoxa. Em particular, trouxe à tona as ideias de um economista pós-keynesiano amplamente conhecido – Hyman P. Minsky – a tal ponto que jornalistas do *Wall Street Journal* e de outros jornais começaram a se referir a um "momento Minsky". Conferências sobre Minsky, organizadas pelo *Levy Economics Institute*, agora atraem até os presidentes de alguns dos bancos do Federal Reserve nos Estados Unidos. Toda essa atenção em torno de Minsky levou à publicação de novas edições de três de seus livros, que, por um período, podiam até ser encontrados em livrarias de aeroportos.
No entanto, o renascimento do pensamento econômico alternativo não se limita a isso. Ele se estende a todas as vertentes da economia heterodoxa (ver Tabela 1.2), em particular ao marxismo e à Escola de Regulação Francesa, cuja credibilidade também foi fortalecida. De fato, nas explicações da crise, há semelhanças substanciais entre os escritos de vários pós-keynesianos, especialmente daqueles preocupados com o estudo de uma economia de produção monetária, e os membros da Escola de Regulação Francesa (como Robert Boyer, Jacques Mazier, Dominique Plihon, Frédéric Lordon), da Escola de Convenções Francesa (notadamente André Orléan e seu notável livro de 1999, que foi bastante presciente), e alguns keynesianos marxistas que possuem laços estreitos com a escola pós-keynesiana (como James Crotty e Gerald Epstein nos EUA, ou Gérard Duménil e Dominique Lévy na França). Uma razão importante pela qual esses autores, provenientes de diferentes origens e tradições, têm uma compreensão comum dos eventos dos últimos 15 anos é que compartilham uma visão semelhante do que é a economia.
Os leitores podem ter notado que os Institucionalistas e os economistas comportamentais são listados na Tabela 1.2 com o qualificativo adicional "antigo". Isso ocorre porque, como veremos, parte da economia comportamental permanece dentro da tradição neoclássica, enquanto o novo Institucionalismo é uma variante da economia neoclássica. Como resultado, o antigo Institucionalismo e a antiga economia comportamental poderiam igualmente ser chamados de Institucionalismo original e economia comportamental original. Os economistas do trabalho da tradição Institucionalista original ajudaram a criar um novo campo – as relações industriais – que ainda é imune à influência neoclássica (Kaufman, 2010a).
Os neo-austríacos aparecem com um ponto de interrogação, porque, como veremos na próxima seção, embora se considerem economistas heterodoxos, não endossam as características-chave comuns às outras escolas heterodoxas. A inclusão da modelagem baseada em agentes, que possui várias vertentes, nessa lista pode surpreender alguns leitores. Mas, após discussões com alguns desses praticantes, cheguei à conclusão de que vários modeladores baseados em agentes compartilham muitas das críticas que os pós-keynesianos fazem aos economistas neoclássicos, e que as características centrais de seus modelos são genuinamente heterodoxas. De fato, Corrado Di Guilmi (2017) demonstra que pode haver uma rica troca de ideias entre a modelagem baseada em agentes e a economia pós-keynesiana.
Quanto à dinâmica de sistemas, Michael Radzicki (2008, p. 157) argumentou de forma convincente que os dinamistas de sistemas "veem o mundo pela mesma lente" que os Institucionalistas e os economistas pós-keynesianos. Certamente existem vínculos estreitos entre os ciclos de retroalimentação e a análise de estoques e fluxos promovidos pelos dinamistas de sistemas e a análise consistente de estoques e fluxos defendida por alguns pós-keynesianos, como pode ser observado no livro organizado por Cavana et al. (2021). A macroeconomia ecológica, em contraste com a economia ambiental, também adotou a abordagem consistente de estoques e fluxos.
1.2.3 Dissidentes e Economistas Heterodoxos
Um problema na distinção entre economia heterodoxa e ortodoxa é que alguns economistas ortodoxos, em particular os novos keynesianos como Krugman e Stiglitz, são altamente críticos de seus colegas ortodoxos. Algumas de suas críticas não são muito diferentes daquelas apresentadas por autores heterodoxos. Além disso, às vezes, as políticas econômicas que recomendam são bastante semelhantes às defendidas pelos economistas pós-keynesianos, embora com menor visibilidade. Assim, é necessário fazer uma distinção adicional, inspirada nas propostas de Roger Backhouse (2004), cujo artigo se dedica a entender as nuances entre discordância, controvérsias e dissidência na economia.
Além de heterodoxia e ortodoxia, os economistas podem ser divididos em dois grandes grupos: o mainstream e os dissidentes. O mainstream corresponde essencialmente à visão apresentada nos livros didáticos. "Sua existência como um todo intelectual coerente é geralmente mais fortemente expressa em livros didáticos de graduação avançada e de pós-graduação" (Colander et al., 2007–08, p. 306). Os dissidentes, como argumenta Backhouse (2004), são subdivididos em dois grupos adicionais: os dissidentes ortodoxos e os dissidentes heterodoxos. Esses três grupos estão representados na Figura 1.1, com os dissidentes heterodoxos à esquerda, o mainstream à direita e os dissidentes ortodoxos entre os dois grupos. Escolas de pensamento como os pós-keynesianos, os marxistas, os radicais e os institucionalistas antigos são claramente dissidentes heterodoxos. Já os dissidentes ortodoxos incluem autores como o institucionalista Oliver Williamson.
Em seu artigo sobre a natureza da economia heterodoxa e da economia neoclássica, Davis (2006, p. 27) não utiliza a terminologia proposta por Backhouse, mas parece ter isso em mente quando afirma que "a economia heterodoxa pós-1980 é uma estrutura complexa, composta de dois tipos amplamente diferentes de trabalho heterodoxo...: a heterodoxia tradicional de esquerda e a 'nova heterodoxia' resultante de importações de outras ciências". Sua "heterodoxia tradicional" corresponde à dissidência heterodoxa de Backhouse, enquanto sua "nova heterodoxia" (mais tarde chamada de "heterodoxia mainstream" em Davis (2008, p. 359)) corresponde à dissidência ortodoxa. De forma semelhante, aqueles que Colander et al. (2007–08, p. 309) chamam de "economistas heterodoxos fora do mainstream" são os dissidentes heterodoxos de Backhouse, enquanto seus "economistas heterodoxos dentro do mainstream" são os dissidentes ortodoxos de Backhouse. Lawson (2009b, pp. 93–114), sem, no entanto, usar os termos dissidência ortodoxa e dissidência heterodoxa, mas obviamente concordando com tal nomenclatura, explica em detalhes por que a nova heterodoxia de Davis não faz parte do programa heterodoxo e por que os dissidentes ortodoxos estão, ao contrário, comprometidos com o projeto metodológico seguido pelos economistas do mainstream.
Frederic Lee (2009, p. 4) também utiliza uma nomenclatura ligeiramente diferente, mais provocativa, pois se assemelha à religião — uma analogia que, no entanto, pode ser bastante adequada para a economia. Ele chama de "hereges" aqueles que Backhouse denomina dissidentes ortodoxos, enquanto os dissidentes heterodoxos são chamados de "blasfemadores". Aqui, Lee usa o termo "hereges" em um sentido diferente daquele empregado por Keynes na *Teoria Geral*. No contexto da economia, os hereges acreditam no mainstream e em sua metodologia, mas defendem modificações na doutrina. Assim, eles não representam uma ameaça real e são tolerados, especialmente se vêm dos escalões superiores da hierarquia. Por outro lado, os blasfemadores são descrentes. Eles rejeitam o núcleo do mainstream, negam sua relevância e verdade, e não têm interesse em aprimorar sua doutrina. Eles têm sua própria agenda, desvinculada do mainstream. São apóstatas, que abandonaram o mainstream completamente. São os dissidentes heterodoxos.
Assim, os economistas heterodoxos são dissidentes na economia. Porém, o conceito de dissidência é muito mais amplo do que o de heterodoxia. Os dissidentes heterodoxos dificilmente se tornarão parte do mainstream, e sua posição na hierarquia tende a permanecer precária. Por outro lado, os dissidentes ortodoxos podem se transformar em dissidentes heterodoxos ou se integrar ao mainstream, seja por vontade própria ou porque a maioria da profissão se moveu em direção às suas proposições. Backhouse oferece alguns exemplos de dissidentes ortodoxos, como a Escola Francesa de Desequilíbrio no final dos anos 1970, com Malinvaud e Bénassy. Milton Friedman foi certamente um dissidente nos anos 1950, mas suas ideias se tornaram mainstream no final da década de 1960. De forma semelhante, o modelo de Novo Consenso, agora mais conhecido como o modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico (*DSGE model*), baseado em uma função de reação do banco central envolvendo a taxa de juros em vez da oferta de moeda, foi inicialmente considerado como dissidência ortodoxa, mas hoje é amplamente adotado pelos pesquisadores dos bancos centrais. O próprio Keynes, com a publicação da *Teoria Geral* em 1936, provavelmente foi percebido como um dissidente ortodoxo. Como Herbert Simon (1997, p. 14) afirma: "sem a aceitação dos métodos de pensamento marginalistas, *A Teoria Geral* não teria tido o enorme e relativamente rápido impacto que teve no pensamento dos economistas do mainstream". Isso, por sinal, levanta um problema mencionado por Wladimir Andreff (1996) e por Earl e Peng (2012, p. 466): e se algumas posições dissidentes heterodoxas se tornassem o paradigma mais aceito? Ainda poderíamos chamá-las de visões heterodoxas? Esta é uma questão um tanto retórica, porque, como mencionado anteriormente, essa possibilidade parece pouco provável atualmente.
Outros exemplos de dissidência ortodoxa podem incluir o trabalho de autores tão diversos quanto Colin Camerer, Harvey Leibenstein, Dani Rodrik, Herbert Simon, Ronald Coase, Wassily Leontief, Amartya Sen, George Akerlof, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Robert Shiller, Richard Thaler, Oliver Williamson ou William Vickrey, sendo que a maioria deles recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Alguns declararam explicitamente que certamente não queriam abalar o mainstream. Por exemplo, Thaler, o economista comportamental, é citado dizendo que não queria "destruir todo o aparato matemático e de ciências exatas que os economistas construíram após a Segunda Guerra Mundial" (Fox, 2009, p. 187). Outros, como Simon e Vickrey, se voltaram para a economia heterodoxa.
1.3 PRESSUPOSTOS DOS PARADIGMAS HETERODOXO E ORTODOXO
Até agora, afirmei que existem duas comunidades de economistas, heterodoxos e ortodoxos. Os filósofos da ciência chamariam esses programas de pesquisa (Imre Lakatos) de "tradições de pesquisa" (Laudan) ou "paradigmas" (Kuhn). Ambos os programas de pesquisa se estendem por todos os campos e domínios da economia; dentro de cada campo, abrangem várias teorias ou escolas de pensamento; cada teoria, por sua vez, inclui diversos modelos. Nossa tarefa nesta seção é identificar os elementos essenciais de cada um dos dois amplos programas de pesquisa, o que Leijonhufvud chamou de pressupostos de uma tradição de pesquisa, ou seja, o conjunto de crenças metafísicas compartilhadas, que não podem ser formalizadas e que são anteriores à constituição dos pressupostos que regem modelos específicos. Esses são os elementos essenciais do programa de pesquisa ou seus "meta-axiomas". São "generalidades grandiosas, algo na natureza de crenças cosmológicas" (Leijonhufvud, 1976, p. 72). Tony Lawson (2006) expressa isso ao dizer que economistas ortodoxos e heterodoxos não compartilham a mesma "ontologia": discordam sobre suas concepções prévias sobre a natureza e a estrutura da realidade.
Embora marxistas, institucionalistas, estruturalistas, evolucionistas, socioeconomistas, as escolas Francesa do Circuito e da Regulação, sraffianos e pós-keynesianos possam ter opiniões substancialmente diferentes sobre vários tópicos, como a teoria do valor ou a relevância da análise de longo prazo, acredito que compartilham as mesmas crenças metafísicas, anteriores aos elementos que constituem o núcleo duro de suas respectivas teorias. De maneira semelhante, Lawson (2009b, p. 123) argumenta que essas diversas escolas heterodoxas têm uma concepção implícita comum dos fenômenos sociais e que, em grande medida, podem ser identificadas principalmente pelo tipo de perguntas que fazem, de modo que "podemos ver as tradições separadas como divisões de trabalho". Assim, esses economistas heterodoxos estão ligados por algo além de sua aversão à economia neoclássica. Se rejeitam a teoria econômica ortodoxa, é precisamente porque ela exala pressupostos contrários às crenças metafísicas desses economistas. É por isso que se tornaram economistas heterodoxos.
Demonstrar que os economistas heterodoxos possuem pressupostos diferentes daqueles adotados pelo mainstream ajudará a responder à principal objeção à concepção de uma alternativa à economia neoclássica. Economistas do mainstream raramente compreendem por que alguém escolheria trabalhar fora do arcabouço da economia neoclássica. Muitas vezes, acredita-se que a teoria neoclássica oferece a única abordagem viável para os problemas econômicos. Aqueles que não pertencem à ortodoxia são frequentemente considerados marginalizados na ciência. O que se argumenta aqui é que existem duas tradições de pesquisa na economia, cada uma com seus próprios pressupostos, e que uma não pode ser considerada mais científica do que a outra, embora o programa de pesquisa ortodoxo seja muito mais admirado pela formalização.
Vários economistas tentaram identificar o que torna a economia heterodoxa distinta da economia ortodoxa ou neoclássica. Isso não é uma tarefa fácil, como lembra Andrew Mearman (2012a). Nos últimos 30 anos, tenho argumentado que heterodoxia e ortodoxia podem ser diferenciadas por quatro pares de pressupostos, aos quais recentemente adicionei um quinto; todos esses estão na Tabela 1.3. Esses cinco pares resultam de minha compreensão dos dois programas de pesquisa, bem como de minhas leituras de colegas economistas interessados em metodologia, alguns dos quais, como Malcolm Sawyer (1989, pp. 18–21) e Mauro Baranzini e Roberto Scazzieri (1986, pp. 30–47), sugeriram os mesmos elementos essenciais. Mais recentemente, Mark Setterfield (2003) endossou esses mesmos pressupostos. Não estou afirmando que a Tabela 1.3 representa a verdade absoluta, ou que os pares não poderiam ser reorganizados ou que novos pares não poderiam ser propostos. Estou apenas alegando que é uma maneira conveniente de descrever duas amplas visões da economia. De fato, ao tentar, *a posteriori*, verificar se esses pressupostos também se aplicavam à economia feminista e à economia ecológica, dois campos sobre os quais eu sabia pouco, descobri que esses cinco pressupostos descrevem bem essas duas tradições (Lavoie, 2003a; 2009a).
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