quinta-feira, 17 de julho de 2025

Investimento, capital e produtividade nos Estados Unidos, Espanha e Brasil - Juan Pablo Mateo Tomé

MATEO TOMÉ, Juan Pablo. Inversión, capital y productividad en Estados Unidos, España y Brasil. Revista de Economía Mundial, [S.l.], n. 52, p. 65–88, 2019. ISSN 1576-0162. Disponível em: https://www.sem-wes.org/es/REM-52/.

SUMÁRIO

1. Introdução

2. Aspectos teóricos

 2.1. Dinâmica do processo de acumulação

 2.2. Acumulação e desenvolvimento desigual: comparação centro–periferia

  2.2.1. Esfera monetária

  2.2.2. Capital e produtividade

3. Resultados empíricos

 3.1. Evolução do capital e da produtividade

 3.2. Questões monetárias

 3.3. Comparação dos níveis absolutos

4. Conclusões


RESUMO

Este artigo apresenta uma análise comparativa da dinâmica de acumulação em três economias com diferentes níveis de desenvolvimento produtivo — Estados Unidos, Espanha e Brasil — no período de 1995 a 2014, destacando as particularidades das razões do estoque de capital e sua relação com a produtividade do trabalho. Embora a evolução das categorias da acumulação apresente certas semelhanças, a pesquisa revela que essas economias sofrem de certa disparidade na relação entre as razões capital-trabalho e capital-produto, alcançando um progresso mais limitado na produtividade do trabalho. Além disso, não se verifica nenhuma tendência de convergência da Espanha e do Brasil em relação aos Estados Unidos em termos de produtividade do trabalho em dólares.

1. Introdução

Este artigo apresenta uma análise comparativa da dinâmica de acumulação em três economias com níveis heterogêneos de desenvolvimento produtivo — Estados Unidos (EUA), Espanha e Brasil — durante o período de 1995 a 2014, com base em uma abordagem de economia política. Especificamente, estuda-se a relação entre o estoque de capital e a produtividade, com o objetivo de revelar as particularidades de cada economia e identificar se há alguma tendência de convergência em termos de produtividade do trabalho.

Os conceitos teórico-abstratos de centro e (semi)periferia são apropriados por seu caráter ilustrativo e esclarecedor (ver Martínez, 2011), embora não estejam isentos de limitações e suas fronteiras possam ser difusas. Ainda que não se adote completamente o marco teórico estruturalista de raiz cepalina, nem a abordagem circulacionista (Astarita, 2010), as categorias mencionadas são pertinentes para diferenciar — qualitativamente — distintos grupos de países. O critério adotado prioriza a esfera da produção, isto é, o desenvolvimento produtivo e a capacidade de gerar excedente de forma sustentada ao longo do tempo. Quantitativamente, isso se expressa em variáveis como o PIB per capita, a produtividade do trabalho ou o conteúdo tecnológico do estoque de capital, além de aspectos da estrutura econômica e, por extensão, em indicadores de renda, desigualdade e bem-estar.

O desenvolvimento produtivo está relacionado à disponibilidade de ativos de capital (K). Assim, o estoque de capital constitui uma variável central que, em grande medida, condiciona o tipo de evolução macroeconômica ao longo do tempo e explica as diferenças no nível de desenvolvimento produtivo entre os países. Pode-se defini-lo como uma grandeza de valor inserida em um processo de incremento de valor — valorização — e materializada no conjunto de elementos, tangíveis ou não, que fazem parte do processo: capital-dinheiro, capital produtivo e capital-mercadoria. Em outras palavras, trata-se de uma relação social de produção (ver Mateo, 2007) [1]. Por isso, levantam-se as seguintes perguntas:

i) Qual é a correspondência entre o nível dos rácios de capital e a produtividade?

ii) Quais são as particularidades da evolução do capital em relação à produtividade nas fases de crescimento e crise?

iii) Como os aspectos monetários influenciam essa relação?

iv) Pode-se afirmar que existe uma tendência de convergência em termos de produtividade?

[1] Esta definição não coincide com o fundamento teórico das medidas oficiais, pois, por um lado, abrange todos os elementos suscetíveis de possuir valor, independentemente de seu conteúdo material, mas ao mesmo tempo, refere-se apenas ao âmbito capitalista. Sobre isso, ver Câmara (2003), Mateo (2007) e Shaikh (2016).

Neste artigo, o termo “centro” refere-se às áreas mais desenvolvidas, como de fato são classificadas pelos próprios organismos internacionais. A chamada “periferia”, por sua vez, agrupa um conjunto de economias com maior atraso, ou seja, com baixos níveis de produtividade, geralmente dependentes de atividades primárias com baixo conteúdo tecnológico, o que resulta em um PIB per capita menor, mais pobreza e menor índice de desenvolvimento humano. Entre esses dois grupos pode-se situar uma “semiperiferia”, conceito que surge a partir das mudanças na divisão internacional do trabalho nas últimas décadas (Martínez, 2011). Embora sua delimitação não seja simples, esse conceito refere-se às economias que, sem pertencerem ao mundo desenvolvido, possuem níveis de produtividade e estoque de capital superiores aos da periferia, integram algumas cadeias globais de valor ou possuem atividades com certo grau de desenvolvimento produtivo. Exemplos mais significativos seriam México, Brasil, Argentina e Chile na América Latina, além dos demais integrantes do BRIC e de países recentemente industrializados da Ásia [2].

[2] Para essa classificação, ver Martínez (2011), Palazuelos (2016); sobre a problemática relativa à semiperiferia, ver Worth e Moore (2009).

A escolha do período se deve a aspectos relacionados às economias do Brasil e da Espanha. Por um lado, o início em 1995 se explica porque, no Brasil, aplica-se o Plano Real entre 1993 e 1994 para controlar a hiperinflação, que já em 1995 se encontrava em níveis reduzidos; enquanto, na Espanha, havia sido implementado um programa econômico que seguia as diretrizes dos Acordos de Maastricht. Por outro lado, o estudo vai até 2014 devido à disponibilidade de dados estatísticos no Brasil e, além disso, no caso da Espanha, existem séries consolidadas das contas nacionais a partir de 1995 [3].

[3] Deve-se observar que, no caso do Brasil, certos indicadores da primeira metade da década de 1990 apresentam resultados anômalos devido à hiperinflação. Além disso, só há deflator de investimento disponível até 2013.

Essa perspectiva analítica do processo de acumulação é relevante, em primeiro lugar, por constituir a dimensão central que explica o processo de crescimento, impactando, portanto, as esferas da distribuição, monetária-financeira e, assim, o crescimento econômico. Pelo lado da demanda, é a investimento, e não a poupança, a variável fundamental para caracterizar os ciclos de expansão e crise, materializando-se em um determinado volume de capital. Em segundo lugar, pela ausência de estudos empíricos que incluam economias com diferentes níveis de desenvolvimento, os quais, de todo modo, priorizam os fluxos de investimento.

Em terceiro lugar, a pertinência dessa abordagem se justifica também pelas particularidades do contexto histórico e dos casos estudados. EUA, Espanha e Brasil são economias com distintos níveis de desenvolvimento produtivo. A primeira representa a principal potência econômica mundial, enquanto a Espanha, embora seja uma economia desenvolvida e membro da OCDE, está localizada na periferia de uma região avançada como a Zona do Euro (Del Río, 2018), com um PIB per capita que representava entre 59% e 65% do norte-americano no período de 1995 a 2014. Já o Brasil é um exemplo de economia semiperiférica com enclaves industriais e financeiros (Palazuelos, 2015), integrando o grupo das economias emergentes — os BRICs —, e com um PIB per capita equivalente a um quinto do dos EUA (Banco Mundial, 2017). Nesse sentido, as duas décadas analisadas são marcadas pela adoção de políticas econômicas com certo caráter neoliberal na Espanha e no Brasil, nas quais a estabilidade monetária e a apreciação cambial tornaram-se aspectos distintivos [4]. Trata-se, portanto, de um período no qual se corrigem, a priori, certas tendências monetárias polarizadoras que serão discutidas no marco teórico, e que impactam de maneira crucial o modelo de acumulação.

[4] Utiliza-se o termo neoliberalismo porque se constata uma diferença em relação às fases anteriores quanto à lógica que articula as decisões fundamentais de política econômica (ver Mateo, 2016). Naturalmente, isso não implica uma semelhança absoluta com o conteúdo do termo, mas sua pertinência (ainda que com ressalvas) para Brasil e Espanha pode ser verificada em Carcanholo (2011) e Buendía e Molero-Simarro (2018), respectivamente.

Para isso, o artigo começa expondo os elementos teóricos do processo de acumulação e as assimetrias presentes em um esquema centro–periferia. Posteriormente, procede-se à análise dos resultados do estudo empírico, primeiramente em relação à evolução das diferentes categorias e, em seguida, realizando-se uma comparação entre Espanha e Brasil em relação aos EUA.

2. Aspectos teóricos

2.1. Dinâmica do processo de acumulação

Em primeiro lugar, situamos o objeto de investigação — a acumulação de capital — em seu marco mais geral. A partir de uma abordagem de economia política (Shaikh, 2016), o crescimento do produto (Y) depende fundamentalmente do investimento (I), que por sua vez responde ao objetivo de maximizar o lucro (B), de modo que a relação causal pode ser descrita como: rentabilidade (r) leva ao investimento (I), que leva ao crescimento do produto (Y). No entanto, essa relação também apresenta uma reciprocidade quanto à influência entre as variáveis [5].

Assim, a rentabilidade (r), que relaciona o objetivo da atividade econômica (o lucro, B) com o valor monetário do conjunto de elementos necessários para obtê-lo — provenientes dos fluxos de investimento —, ou seja, o estoque de capital (K), pode ser expressa em função de três tipos de indicadores (ou razões) do capital:

r = taxa de rentabilidade ou lucro sobre o capital;

B = benefício (lucro);

K = estoque de capital;

π = produtividade do trabalho;

P_y = deflator de preços do produto;

w_L = salário real por trabalhador (w = salário real, L = número de trabalhadores);

P_c = deflator de preços do consumo;

θ = razão capital–trabalho (K/L);

P_k = deflator de preços do capital;

e = razão benefício–salários (B/W);

τ = razão capital–salários (K/W);

β = participação do lucro no produto (B/Y);

δ = razão capital–produto (K/Y), que é o inverso da produtividade do capital.

[5] Portanto, entende-se que a taxa de poupança é uma categoria derivada, pois não se explica por uma decisão livre, mas sim pela necessidade de investir e pela capacidade de gerar excedente.

A taxa de lucro depende positivamente da margem da produtividade do trabalho (π) sobre o salário real por trabalhador (wL), ou seja, da diferença entre π e wL; do índice lucro-salários (e = B dividido por W); e da participação do lucro no produto (β = B dividido por Y). Por outro lado, ela depende negativamente do índice capital-trabalho (θ, a preços constantes), do índice capital-produto (d), que é o inverso da produtividade do capital (Πk), e do índice capital-salários (τ), levando em conta os deflatores de preços do produto (Py), do capital (Pk) e do consumo (Pc). Esses indicadores, associados à tecnologia da produção — ou seja, às dimensões da composição do capital — serão analisados empiricamente na próxima seção e se expressam da seguinte forma.

θ = Razão capital–trabalho (nível de mecanização) = capital por trabalhador ajustado pelo preço do capital;

τ = Razão capital–salários = capital total dividido pela massa salarial;

δ= Razão capital–produto = capital em relação ao produto real ajustado (inverso da produtividade do capital);

K* = Estoque de capital a preços constantes (capital líquido não residencial);

L = Número de trabalhadores (emprego);

θ = Razão capital–trabalho (nível de mecanização) = capital por trabalhador ajustado pelo preço do capital

τ = Razão capital–salários = capital total dividido pela massa salarial

δ = Razão capital–produto = capital em relação ao produto real ajustado (inverso da produtividade do capital);

K* = Estoque de capital a preços constantes (capital líquido não residencial);

L = Número de trabalhadores (emprego);

Pk = Deflator de preços do capital;

W = Massa salarial;

wL = Salário real por trabalhador;

π = Produtividade do trabalho (produto real por trabalhador);

Pky = Relação de preços entre produto e capital (Py/Pk).

Observe-se que o segundo indicador (τ) também depende da esfera da distribuição de renda, ao incorporar o salário. Por isso, neste trabalho, focamos nos indicadores θ e δ. O primeiro possui certa prioridade analítica porque relaciona os dois fatores nos quais o investimento se materializa: o capital fixo e a força de trabalho (L), ainda que essa medida não esteja isenta de controvérsias. Esse indicador representa o nível de mecanização do processo econômico — o volume de ativos de capital por unidade de trabalho — e constitui o fundamento inicial para a melhoria da produtividade do trabalho (π), que é estimada como o total do produto a preços constantes (Y*) por unidade de trabalho (L), de modo que, em termos gerais, pode-se dizer: quanto maior θ, maior π. Portanto, o aumento dos indicadores de capital (θ, τ, δ) tende a pressionar a rentabilidade para baixo e, por consequência, o crescimento econômico. No entanto, ao mesmo tempo, esses aumentos permitem elevar a produtividade. E, se essa produtividade de fato aumenta, os custos de produção diminuem, o que afeta os preços relativos. Por isso, destaca-se a importância da relação entre o preço do produto (Py) e o preço do capital (Pk).

Em consequência, esses dois fatores, a saber:

i) a eficiência produtiva do capital, ou seja, a medida em que o estoque de capital permite melhorar a produtividade do trabalho (θ → π); e

ii) o índice de preços relativos (Py, Pk), ou seja, a medida em que é possível reduzir relativamente o preço dos ativos que contribuem para aumentar a produtividade,

determinarão o perfil do índice capital-produto — ou, alternativamente, sua inversa, chamada de “produtividade do capital”.


Assim, a relação entre a acumulação de capital e a produtividade é relevante na medida em que constitui um determinante fundamental do crescimento econômico, ao influenciar a estrutura de custos (competitividade).

Por outro lado, o artigo faz referência a duas versões do produto:

i) o PIB, conforme aparece na contabilidade nacional; e

ii) aquilo que será denominado “valor novo” ou “produto” (Y), obtido a partir da dedução, do PIB, dos setores financeiro e imobiliário, juntamente com os serviços sociais e as administrações públicas. Essa medida será utilizada nos índices de capital e na produtividade do trabalho, e sua metodologia se justifica pela consideração do trabalho improdutivo (assalariado e mercantil) e pelo objetivo de eliminar qualquer viés decorrente de uma expansão relativamente elevada das finanças, do setor imobiliário ou de atividades não mercantis [7].

[7] Sobre essa questão, ver Mateo (2018b), Mateo e Outro (2018) e Shaikh (2016).

2.2. Acumulação e desenvolvimento desigual: comparação centro–periferia

Ao comparar os processos de acumulação de capital entre países, especialmente aqueles com níveis desiguais de desenvolvimento produtivo, as categorias devem ser medidas em uma mesma moeda — neste caso, uma divisa internacional (dólares), própria das áreas centrais. Por isso, inicialmente abordam-se as assimetrias das variáveis monetárias, já que se entende haver uma integração orgânica entre o real — ou seja, o que é produtivo em termos de valor — e o monetário. Nesta seção, tomamos como exemplo uma economia desenvolvida (A) e uma periférica, subdesenvolvida ou em desenvolvimento (B), o que representa uma simplificação metodológica necessária para revelar as tendências que se espera que operem sobre estas últimas. Em seguida, são discutidas as tendências próprias dos índices de capital e produtividade.

2.2.1. Esfera monetária

A relação entre os valores das moedas, ou seja, o tipo de câmbio (TC), é fundamental na análise comparativa das dinâmicas produtivas, já que o principal fator que condiciona as paridades cambiais é o nível de competitividade dos capitais (Astarita, 2010; Shaikh, 2016). Assim, o ponto de equilíbrio — ou o nível em torno do qual as moedas tendem a flutuar no longo prazo — entre dois países é determinado pelos custos unitários do trabalho real (Martínez-Hernández, 2017). Portanto, o desenvolvimento tecnológico de uma economia tende a conduzir, ou pressionar, à valorização da sua moeda, enquanto o contrário ocorre em economias que perdem competitividade. Isso significa que, em uma economia atrasada, o seu TC pode situar-se acima do correspondente à paridade do poder de compra (PPC), dadas as disparidades entre os diversos índices de preços (Astarita, 2010).

Uma primeira ressalva é necessária: a análise comparativa aqui adota os tipos de câmbio de mercado em vez da PPC, como faziam os organismos internacionais até o início da década de 1990. Isso se deve ao fato de que a perspectiva adotada enfatiza o desenvolvimento produtivo comparado das economias, e não o poder de compra de seus habitantes (Freeman, 2004; Saad-Filho, 2014; Mateo, 2020) [8]. Para os fins desta pesquisa, a aquisição dos elementos que permitem o aumento da produtividade — os bens de capital — é realizada em moeda internacional a taxas de mercado, e até mesmo as dívidas associadas são vinculadas a essa mesma paridade.

[8] Vale observar que um dólar medido por paridade do poder de compra é uma unidade de conta fictícia, que não existe em nenhum sentido concreto — nem para realizar pagamentos nem para contabilizar transações. Embora isso não signifique que o conceito careça de valor analítico, ele não é relevante para a análise da acumulação de capital, da capacidade produtiva ou da força econômica que, de forma tendencial (ou subjacente), explicam o desenvolvimento produtivo e o poder geopolítico.

Em princípio, espera-se que as economias mais competitivas apresentem maior estabilidade monetária, refletida em uma inflação média mais baixa. Do mesmo modo, há uma pressão estrutural para a redução relativa do custo do estoque de capital, ou seja, uma tendência ao aumento do índice Pyk, ou pelo menos uma certa sincronização entre os preços do produto (Py) e do capital (Pk), o que se explica pelo papel central que o estoque de capital exerce no desenvolvimento produtivo — área em que as economias periféricas são menos competitivas e precisam importar uma parte considerável dos ativos com maior conteúdo tecnológico (Mateo, 2020).

Essa tendência é coerente com a disparidade entre as medidas a PPC e os tipos de câmbio de mercado entre países desenvolvidos e periféricos. O primeiro índice refere-se ao custo da cesta de consumo, que é substancialmente mais baixo nas regiões não desenvolvidas, enquanto há apenas um mercado internacional para os ativos de capital. Em outras palavras, existe um sistema dual de preços globais: um custo universal para o capital e outro, de caráter local, para a força de trabalho, dado que os salários são definidos em mercados de trabalho diversos (Freeman, 2004). Por isso, espera-se que a esfera monetária amplifique as tendências divergentes que, no entanto, têm origem na capacidade produtiva heterogênea.

2.2.2. Capital e produtividade

Considerando a centralidade do capital para diferenciar o nível de desenvolvimento das economias, é necessário comparar os diversos índices de capital. Em primeiro lugar, é de se esperar que o grau de mecanização seja superior no país desenvolvido, embora este também possa dispor de mecanismos para evitar seu aumento excessivo. Por isso, é possível verificar as diferenças relativas entre a economia central e a periférica quanto aos meios (a mecanização) e aos resultados (a produtividade): a produtividade relativa de ‘b’ em relação a ‘a’ é o índice de produtividades em dólares, (π_ba)^$ = (π_b / π_a)^$, o que deve ser comparado com o índice capital-trabalho relativo (θ_ba)^$ = (θ_b / θ_a)^$, portanto


Se a distância entre os índices θ (capital-trabalho) for menor do que o diferencial de π (produtividade), então pode-se afirmar que o estoque de capital é relativamente ineficiente na economia mais atrasada, e σba > 1; ou seja, o nível de mecanização seria excessivamente elevado em relação ao nível de produtividade que se obtém. Nesse caso, observe-se que essa ineficiência pode vir acompanhada de um encarecimento relativo do capital (Pky), o que ampliaria a diferença nos índices de produtividade relativa do capital. De fato, as economias periféricas podem sofrer ainda mais com a desconexão entre os diversos indicadores de capital, pois δ = (θ dividido por π) multiplicado por Pky, o que faz com que esse índice seja duplamente pressionado para cima — tanto pelo aumento de θ (com menor crescimento de π) quanto pelo aumento de Pky. Assim como foi feito na expressão (6), pode-se aplicar o mesmo raciocínio ao índice capital-produto (ou produtividade do capital), relação que será representada por µ, e compará-lo com σ, para ilustrar a relação relativa entre os indicadores de capital frente à divergência na produtividade do trabalho em relação à economia de referência.


A hipótese de partida é, por um lado, que os índices de capital estão associados à produtividade do trabalho — uma relação geral que, no entanto, é mediada por aspectos concretos do contexto, bem como pela estrutura dos investimentos (capital) em termos de ativos e setores econômicos. Por outro lado, considera-se que existem obstáculos estruturais à convergência e ao equilíbrio, ou seja, afirma-se que a dinâmica de acumulação se caracteriza por um desenvolvimento desigual [9], com fatores estruturais que tendem a reproduzir, e talvez até a ampliar, as divergências produtivas internacionais. Em suma, propõe-se que o subdesenvolvimento produtivo pode se manifestar em um nível relativamente elevado dos seus índices de capital em relação ao seu nível de produtividade. Considerando uma comparação em moeda internacional, isso representa um obstáculo ao seu processo de acumulação, contribuindo para a reprodução das diferenças entre centro e periferia.

[9] O termo "desenvolvimento desigual" implica que não há uma tendência à convergência na economia mundial, e que o processo de acumulação e desenvolvimento não é uniforme entre setores e regiões geográficas. No entanto, isso não exclui a possibilidade de existirem dinâmicas convergentes.





Cap. 16 e 17 - Crescimento, Rentabilidade e Crises Recorrentes - Anwar Shaikh

SHAIKH, Anwar. Capitalism: Competition, Conflict, Crises. Oxford University Press, 2016.

SUMÁRIO

16. CRESCIMENTO, RENTABILIDADE E CRISES RECORRENTES

I. INTRODUÇÃO

    1. As depressões se repetem

    2. As depressões são negadas

    3. Esboço do capítulo

II. LUCRATIVIDADE NO PERÍODO PÓS-GUERRA

    1. Taxas de lucro normal e efetiva

    2. Produtividade e salários reais

    3. Impacto na lucratividade da supressão do crescimento dos salários reais

    4. Taxa de retorno sobre o capital médio versus novos investimentos

    5. O extraordinário percurso da taxa de juros no pós-guerra

    6. A taxa de lucro empresarial e o grande boom após os anos 1980

III. OS EFEITOS GLOBAIS DA CRISE ATUAL

    1. Estados Unidos

    2. Outros países desenvolvidos

    3. Escala global

IV. LIÇÕES E POSSIBILIDADES DE POLÍTICA: AUSTERIDADE VERSUS ESTÍMULO

V. SOBRE O PAPEL DA TEORIA ECONÔMICA


Grandes depressões se repetem. (Kindleberger 1973, p. 20)

I. INTRODUÇÃO

A atual crise econômica que se espalhou pelo mundo em 2007 é a Primeira Grande Depressão do século XXI. Ela foi desencadeada por uma crise financeira nos Estados Unidos, mas essa não foi sua causa. Ao contrário, essa crise é uma parte absolutamente normal de um padrão recorrente e de longa duração na acumulação capitalista, no qual as crises ocorrem após longos períodos de expansão darem lugar a longas fases de declínio. Após essa transição, a saúde da economia começa a se deteriorar, e choques podem desencadear crises gerais, como ocorreu nas décadas de 1820, 1870, 1930 e 1970, e como o colapso do mercado de hipotecas subprime fez em 2007.

Em seu justamente celebrado livro O Grande Crack de 1929, John Kenneth Galbraith observa que, embora a Grande Depressão dos anos 1930 tenha sido precedida por uma especulação financeira desenfreada, foi o estado fundamentalmente frágil e insustentável da economia em 1929 que permitiu que o colapso da bolsa desencadeasse um colapso econômico (Galbraith 1955, caps. 1–2 e pp. 182, 192). Assim como foi naquela época, é agora (Norris 2010). Aqueles que optam por ver cada episódio como um evento singular, como a aparição aleatória de um “cisne negro” em um rebanho até então imaculado (Smith 2007), esqueceram-se da dinâmica da história que buscam explicar. E, claro, também esquecem convenientemente que é a própria lógica do lucro que impulsiona esse padrão recorrente.

[1]: O início oficial da crise é dezembro de 2007, mas “o investimento físico começou uma queda sustentada e que logo se tornaria precipitada pouco antes da metade do ano de 2007” (http://www.forbes.com/sites/johntharvey/2011/10/07/the-great-recession/).

[2]: A crise de 1825 é considerada a primeira crise industrial propriamente dita. A crise de 1847 foi tão severa que desencadeou revoluções por toda a Europa (Flamant e Singer-Kerel 1970, pp. 16–23). A nomenclatura “A Longa Depressão de 1873–1893” vem de (Capie e Wood 1997). A Grande Depressão de 1929–1939 dispensa apresentações. A datação da Crise da Estagflação de 1967–1982 é de Shaikh (1987a). O nome definitivo e a periodização da atual crise econômica global ainda estão por se definir.

O próprio Galbraith era ambivalente quanto à possibilidade de recorrência de um evento como a Grande Depressão de 1929. Como formulador de políticas, ele esperava que as lições aprendidas fossem utilizadas para evitar outro episódio. Mas, como historiador, ele estava plenamente consciente de que os “ciclos de euforia e pânico financeiros... coincidem aproximadamente com o tempo que as pessoas levam para esquecer o último desastre” (Galbraith 1975, p. 21). Ele observou que esses ciclos são, por si mesmos, “produto da escolha livre e da decisão de centenas de milhares de indivíduos”; que, apesar da esperança de que a lembrança imunizadora do último evento se mantenha, “as chances de uma nova orgia especulativa são consideráveis”; que, “durante o próximo boom, alguma virtuose recém-redescoberta do sistema de livre iniciativa será citada”; que, entre “os primeiros a aceitar essas racionalizações estarão alguns dos responsáveis por impor os controles... [que então] dirão firmemente que os controles não são necessários”; e que, com o tempo, “os órgãos reguladores... tornam-se, com algumas exceções, ou um braço da indústria que deveriam regular ou senis” (Galbraith 1955, pp. 4–5, 171, 195–196). Seu pessimismo intelectual acabou sendo totalmente justificado pela Grande Estagflação dos anos 1970 e, posteriormente, pela atual Crise Global.

A acumulação capitalista é um processo dinâmico e turbulento. Possui poderosos ritmos internos modulados por fatores conjunturais e por eventos específicos. A análise da história concreta da acumulação deve, portanto, distinguir entre padrões intrínsecos e suas expressões históricas particulares.

Os ciclos econômicos são os elementos mais visíveis da dinâmica capitalista intrínseca. Um ciclo rápido (de três a cinco anos, relacionado a estoques) surge das oscilações constantes da oferta e demanda agregadas; e um ciclo médio (de sete a dez anos, relacionado ao capital fixo) decorre das flutuações mais lentas da capacidade e da oferta agregadas (Shaikh 1987a; van Duijn 1983, caps. 1–2). Por baixo desses ciclos está um ritmo ainda mais lento, composto por fases longas alternadas de aceleração e desaceleração da acumulação (Mandel 1975, pp. 126–127). A história do capitalismo é sempre encenada sobre um palco em movimento.

Após a Grande Depressão da década de 1930, veio a Crise da Estagflação dos anos 1970. Nesse último caso, a crise subjacente foi encoberta por uma inflação desenfreada. Mas isso não impediu grandes perdas de empregos, uma queda acentuada no valor real do índice do mercado de ações e uma onda generalizada de falências de empresas e bancos. Havia, à época, uma considerável ansiedade de que o sistema econômico e financeiro pudesse desmoronar completamente (Shaikh 1987a, p. 123). Para os propósitos atuais, é útil observar que, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, a crise dos anos 1970 levou a ataques contra os trabalhadores e os pobres, bem como a uma inflação elevada que corroeu rapidamente tanto os salários reais quanto o valor real do mercado de ações. A mudança na curva da participação dos salários nos EUA na década de 1980 está diretamente ligada a esses acontecimentos (capítulo 14, figura 14.14). Outros países, como o Japão, mantiveram o desemprego em níveis baixos e recorreram a uma deflação gradual dos ativos, o que prolongou a duração da crise, mas impediu que ela atingisse a profundidade que teve nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Um novo boom começou na década de 1980 em todos os grandes países capitalistas, amplamente impulsionado por uma queda acentuada nas taxas de juros, o que aumentou a taxa líquida de retorno sobre o capital (ou seja, ampliou a diferença líquida entre a taxa de lucro e a taxa de juros). A queda das taxas de juros também facilitou a expansão do capital ao redor do mundo, promoveu um enorme crescimento da dívida do consumidor e alimentou bolhas internacionais nos setores financeiro e imobiliário. A desregulamentação das atividades financeiras em muitos países foi incentivada pelos próprios agentes do setor financeiro e, com exceção de alguns países como o Canadá, essa agenda foi amplamente bem-sucedida. Ao mesmo tempo, em países como os Estados Unidos e o Reino Unido, houve um aumento sem precedentes nos ataques ao trabalho, manifestado na desaceleração dos salários reais em relação à produtividade. Como sempre, o benefício direto foi um grande impulso à taxa líquida de lucro. O efeito colateral normal de uma desaceleração salarial seria a estagnação do consumo real das famílias. Mas com as taxas de juros em queda e o crédito cada vez mais facilitado, o consumo — e os demais gastos — continuaram a crescer, sustentados por uma maré crescente de endividamento. Todos os limites pareciam suspensos, todas as leis de movimento abolidas. E então as taxas de lucro começaram a cair, e todo o edifício veio abaixo. A crise das hipotecas nos Estados Unidos foi apenas o gatilho imediato. O problema subjacente era que a queda global das taxas de juros e o aumento da dívida que impulsionaram o boom haviam chegado ao seu limite (Krugman 2011, pp. 31–31).

A crise atual ainda está em andamento. Quantias massivas de dinheiro foram criadas em todos os principais países avançados e canalizadas para o setor empresarial, com o objetivo de sustentá-lo. Mas esse dinheiro, em grande parte, ficou retido. Os bancos, compreensivelmente, estavam relutantes em ampliar o crédito num ambiente de risco, no qual poderiam não recuperar seu capital com lucro suficiente. Empresas como a indústria automobilística enfrentavam problema semelhante, sobrecarregadas por estoques não vendidos que precisavam ser escoados antes mesmo de pensar em expandir. Portanto, a maior parte da população não recebeu nenhum benefício direto das enormes somas de dinheiro lançadas, e as taxas de desemprego continuaram elevadas por um longo tempo. É notável o quão pouco foi feito para expandir o emprego por meio da criação de postos de trabalho pelo Estado, como fez o governo Roosevelt na década de 1930.

Isso nos leva à questão fundamental: como pode o sistema capitalista — cujas instituições, regulações e estruturas políticas mudaram tanto ao longo de sua evolução — ainda assim apresentar padrões econômicos recorrentes? A resposta está no fato de que esses padrões estão enraizados no princípio do lucro, que continua sendo o regulador central do sistema ao longo de toda sua trajetória. O invólucro do capitalismo muda constantemente, mas seu núcleo permanece o mesmo. No que segue, focarei nos Estados Unidos, porque este ainda é o centro do mundo capitalista avançado e foi onde a crise se originou. Mas o impacto real é global, recaindo sobretudo sobre as mulheres, crianças e desempregados já sofridos deste mundo.

1. As depressões se repetem.

O lucro impulsiona o crescimento, e o crescimento se dá por meio de flutuações, ciclos, ondas longas e crises periódicas (van Duijn 1983, cap. 5). A história do capitalismo ao longo dos séculos revela padrões recorrentes de longos períodos de expansão e colapso. Neste último domínio, os historiadores econômicos falam das crises das décadas de 1820, 1840, 1870 e 1930, da Crise da Estagflação dos anos 1970 e, claro, da atual Crise Global que teve início em 2007.

A hipótese de altos e baixos prolongados na acumulação capitalista está associada à obra de Nikolai Kondratieff (1984, p. 39, gráfico 1), cujos famosos gráficos indicavam a existência de ondas longas nos níveis de preços nacionais. Vimos nas figuras 5.3 e 5.4 do capítulo 5 que essas ondas de preços deixaram de ocorrer após 1939, quando os preços começaram a subir de forma contínua. Um efeito desse novo padrão foi desacreditar a noção de ondas longas. Isso é irônico, pois Kondratieff na verdade apresentava duas formas distintas de níveis de preços em seus dados: uma expressa em moeda nacional, que ele escolheu para exibir graficamente; e outra expressa em termos de ouro, que ele optou por apresentar em tabela no final de seu livro (Kondratieff 1984, pp. 134–135, tabela 1). Até 1925, data em que seus dados terminam, ambos os conjuntos revelam padrões semelhantes (capítulo 5, figuras 5.5 e 5.6). Mas após 1939, apenas a série de preços em ouro continua a apresentar ondas longas. Se Kondratieff tivesse optado por representar graficamente a “onda dourada”, seu argumento poderia ter continuado influente.

A Figura 16.1 mostra os caminhos detrended (sem tendência) dos preços das mercadorias em termos de ouro nos Estados Unidos e no Reino Unido, de 1790 a 2010 [3]. Sobre esse gráfico estão sobrepostos os períodos de diversas crises gerais e Grandes Depressões, que geralmente começam no meio de longos períodos de declínio. O leitor notará que a Grande Depressão de 2007 chegou pontualmente [4]. Cada uma dessas crises gerais teve origem nos países ricos, embora com a expansão da globalização, cada vez mais países em desenvolvimento também tenham sido capturados por essa rede.

[3]: Os caminhos reais foram mostrados anteriormente no capítulo 2, figura 2.10, e no capítulo 5, figuras 5.5 e 5.6, com tendências modestas ao longo do tempo. As trajetórias apresentadas na figura 16.1 são os desvios em relação a uma tendência cúbica ajustada ao tempo.

[4]: Os dados suavizados por HP desde 1897 mostram duas ondas longas bem definidas: 1897–1939 (quarenta e dois anos) e 1939–1983 (quarenta e quatro anos), de vale a vale. As crises gerais irrompem oito a nove anos após cada pico e duram aproximadamente dezoito anos após esse ponto. Em aulas e palestras públicas iniciadas em 2003, usei a onda média em conjunto com o pico visível de 2000 para prever a próxima crise como começando em 2008–2009 e durando até 2018. Veja a figura 17.1 no capítulo 17 para mais detalhes.

Figura 16.1 – Ondas Douradas dos EUA e Reino Unido, 1786–2010 (1930 = 100) Desvios em relação às tendências cúbicas do tempo

Fonte: Tabelas de dados do Apêndice 5.3.


2. As depressões são negadas

A história do capitalismo é também a história de declarações de que cada crise foi um evento isolado, que logo estaria superada e que, de qualquer forma, não se repetiria, pois o problema subjacente teria sido resolvido. David Ricardo, patrono da moderna economia de oferta, afirmou no início da severa crise de 1815 que a economia europeia se recuperaria rapidamente, e reiterou essa afirmação com confiança ano após ano, mantendo-se assim “continuamente errado” (Stigler, citado em Davis 2005, pp. 32–35, 39).

Em 17 de outubro de 1929, menos de duas semanas antes do colapso da bolsa, o renomado teórico monetário de Yale Irving Fisher declarou que esperava “ver o mercado de ações consideravelmente mais alto do que está hoje dentro de alguns meses”; ele também continuou repetindo essa previsão por algum tempo, mesmo com o desenrolar da Grande Depressão (McNally 2011, p. 63).

Em 1969, exatamente no início da Crise da Estagflação dos anos 1970, o influente economista do MIT e laureado com o Prêmio Nobel Paul Samuelson afirmou, de forma célebre, que o ciclo econômico era coisa do passado (Gordon 1986, pp. 1–2) [5].

E em 2003, apenas alguns anos antes da Crise Global de 2007, o também ganhador do Nobel e defensor da Teoria das Expectativas Racionais, Robert Lucas, declarou que o “problema central da prevenção das depressões havia sido resolvido” (Lucas 2003, p. 1).

Em 2004, Ben Bernanke, então membro do Conselho de Governadores do Federal Reserve e que seria seu presidente entre 2006 e 2014, afirmou que a prosperidade seria duradoura, pois o Estado e seu braço bancário central haviam aperfeiçoado a arte de modular o ciclo econômico e suavizar os solavancos naturais do capitalismo de mercado livre (Stockman 2013, pp. xv–xvi).

A ortodoxia econômica permanece obstinada até os dias atuais. Em 2012, cinco anos após o início da crise, Stephen King, economista-chefe do grupo bancário multinacional HSBC, observou que, ao serem questionados sobre quanto tempo em sala de aula havia sido dedicado à crise financeira, a maioria dos recém-formados recrutados pela HSBC admitiu que o tema sequer havia sido abordado (Davies 2012).

[5]: A visão posterior de Samuelson foi de que os ciclos sempre estarão entre nós (Samuelson 1998).

3. Esboço do capítulo

Tenho enfatizado, nos capítulos anteriores, que o crescimento capitalista é impulsionado pela lucratividade líquida (isto é, pelo excedente da taxa de lucro sobre a taxa de juros). Esse foi o ponto-chave nas teorias do crescimento, do desemprego e da inflação discutidas, respectivamente, nos capítulos 14 a 16. Aqui, ampliarei o mesmo princípio para explicar as duas crises do período pós-guerra: a Crise da Estagflação dos anos 1970 e a atual Crise Global, iniciada em 2007.

Como as séries modernas de produção e capital em índices encadeados não retrocedem o suficiente, ainda não é possível gerar dados comparáveis que cubram as décadas anteriores à Grande Depressão. Assim, começarei com uma análise dos padrões e determinantes da taxa geral de lucro no pós-guerra, com base na medição empírica do produto líquido agregado, do lucro, do estoque de capital, da taxa de lucro e da utilização da capacidade, conforme desenvolvido no capítulo 6 e nos apêndices 6.1–6.8.

Em seguida, tratarei da taxa de juros, da taxa líquida de lucro correspondente, do montante total do lucro real das empresas e da participação dos salários. O ataque neoliberal ao trabalho nos anos 1980, que criou uma ruptura estrutural na curva da participação salarial (capítulo 15, seção VI), teve como efeito — e como propósito — reverter a longa tendência de queda da taxa normal de lucro. Ao mesmo tempo, a grande queda da taxa de juros, induzida por políticas públicas, elevou acentuadamente a taxa líquida de lucro e facilitou enormemente o endividamento generalizado para financiar gastos em todas as esferas. O boom resultante foi, portanto, tanto real quanto financeiro, ultrapassando todos os limites sustentáveis até o colapso inevitável.

Tanto o boom quanto o colapso, é importante frisar, foram fenômenos globais. O Apêndice 16.1 descreve as fontes e os métodos utilizados, e o Apêndice 16.2 apresenta as tabelas de dados.

II. LUCRATIVIDADE NO PERÍODO PÓS-GUERRA

Taxas de lucro normal e efetiva

Foi indicado no capítulo 6, seção VIII, equações (6.12) e (6.13), que a taxa de lucro pode ser decomposta em fatores estruturais e cíclicos. A taxa de lucro efetiva pode ser expressa como o produto entre a participação dos lucros e a relação produto–capital, sendo esta última expressa como o produto entre a relação capacidade–capital e a taxa de utilização da capacidade:

r = P / K = (P / Y) · (Y / Yn) · (Yn / K) = σ · Rn · uK,

onde:

σ = P / Y é a participação dos lucros,

Yn é o produto líquido em capacidade normal,

uK = Y / Yn é a taxa de utilização da capacidade,

Rn = Yn / K é a relação capacidade–capital, que é a taxa máxima estrutural de lucro no sentido de Sraffa.

Como uK = 1 quando o produto está em capacidade normal, a taxa de lucro normal pode ser escrita como o produto da participação normal dos lucros σn, calculada como sua tendência filtrada por HP, e a relação capacidade–capital:

rn = σn · Rn.

Todas essas medidas foram desenvolvidas anteriormente no capítulo 6 e nos apêndices 6.1–6.8.

Figura 16.2 apresenta os valores efetivos e normais para a taxa máxima de lucro (R), a participação dos lucros (σ) e a taxa média de lucro (r). Todos os dados estão em escala logarítmica, de modo que a inclinação de cada curva representa sua taxa de crescimento. É imediatamente evidente que a taxa máxima de lucro normal cai de forma contínua ao longo do período pós-guerra; ou seja, a mudança técnica é consistentemente enviesada para o capital (capítulo 7, seção VII). A participação normal dos lucros é outra questão: ela se mantém essencialmente estável durante a "era de ouro" do trabalho nos EUA, de 1947 a 1968, cai durante a crise da estagflação de 1969–1982, sobe consideravelmente durante a era neoliberal iniciada nos anos 1980 e então mantém seu nível elevado durante a crise global que começa em 2007. Isso é consistente com a evidência empírica sobre o deslocamento descendente da curva de Phillips da participação salarial e com o movimento descendente contínuo ao longo dessa nova curva mostrado no capítulo 14, figura 14.14: a combinação de uma participação salarial em queda contínua e grandes déficits fiscais eleva dramaticamente a participação dos lucros mesmo durante a crise. O resultado final é que a taxa de lucro normal cai durante a era de ouro, cai mais rapidamente durante a crise da estagflação e então começa a se estabilizar durante a era neoliberal, atravessando até a crise atual. A Tabela 16.1 resume as taxas de crescimento dos níveis normais de cada uma das variáveis. Fica claro que a mudança técnica corrói constantemente o nível da taxa de lucro normal nos três períodos, e que é apenas na era neoliberal que uma participação dos lucros normal crescente (com uma participação salarial normal em queda constante) consegue neutralizar o efeito da queda contínua da taxa máxima de lucro normal e reverter a tendência de queda da taxa de lucro normal.

Figura 16.2 – Taxas de lucro e participações dos lucros efetivas e normais



Tabela 16.1 – Taxas de crescimento das taxas de lucro corporativas normais e da participação dos lucros





SUMÁRIO

17. RESUMO E CONCLUSÕES

I. INTRODUÇÃO

    1. Perfeição e imperfeição

    2. Críticas internas

II. IMPLICAÇÕES E APLICAÇÕES DA CONCORRÊNCIA CLÁSSICA

    1. Padrões regulares apesar de comportamentos heterogêneos

    2. Tendências de equalização como base para distribuições estáveis de salários e taxas de lucro

    3. Das distribuições de salários e taxas de lucro à distribuição geral da renda

    4. Crescente desigualdade e a distribuição de renda entre as classes

III. SALÁRIOS, IMPOSTOS E O SALÁRIO SOCIAL LÍQUIDO

IV. PIKETTY

V. DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO


quarta-feira, 16 de julho de 2025

A Produtividade do Capital e a Composição Materializada - Juan Pablo Mateo Tomé

MATEO TOMÉ, Juan Pablo. La tasa de ganancia en México, 1970–2003: análisis de la crisis de rentabilidad a partir de la composición del capital y la distribución del ingreso. 2006. Tesis (Doctorado en Economía Aplicada) – Facultad de Ciencias Económicas y Empresariales, Universidad Complutense de Madrid, Madrid, 2006.

13.3. A PRODUTIVIDADE DO CAPITAL E A COMPOSIÇÃO MATERIALIZADA

13.3.1. Aspectos conceituais

A composição materializada do capital (CMC) é equivalente à razão capital-produto (K/Q), expressando a relação entre o estoque de capital e o valor novo criado (VN) [37].

[37]: Na denominação de composição materializada seguimos Shaikh (1978a; 1987c).

CMC = composição materializada do capital;
K/Q = razão capital-produto (razão entre o estoque de capital e o valor novo criado);
K = estoque de capital;
v = capital variável;
pv = mais-valor;
VN = valor novo (VN = v + pv) (VN = Q);

É uma medida que não é afetada pelas modificações na distribuição primária da renda, pois engloba a totalidade do trabalho vivo, constituindo, portanto, um indicador muito útil para a análise e comparação com a CVC. A CMC pode ainda ser expressa em função da CVC e da taxa de mais-valia:

CMC = composição materializada do capital;

K = estoque de capital;

v = capital variável;

pv = mais-valor;

pv' = taxa de mais-valor;

CVC = composição de valor do capital.

Assim definida, a CMC varia de forma proporcional à CVC e inversamente à taxa de mais-valia. A importância dessa categoria se revela em dois aspectos inter-relacionados: i) conforme destacam González & Mariña (1992: 13), essa relação constitui “um determinante básico dos custos unitários em capital fixo, pois o volume de capital utilizado na produção determina, por sua vez, a magnitude do consumo de capital fixo e, portanto, da depreciação”; ii) na análise da LTDTG, como expusemos anteriormente na apresentação dos fundamentos teóricos, “a variável central, nesse caso, é a composição materializada do capital estoque/fluxo C/l [l = v + pv], já que qualquer elevação sustentada em C/l pode demonstrar que leva a uma efetiva queda na taxa de lucro, independentemente da rapidez com que aumente a taxa de mais-valia.” (Shaikh, 1987c: 308)

Por outro lado, a CMC possui um vínculo com a produtividade do capital. No entanto, se a teoria do valor-trabalho afirma que a fonte do valor reside no trabalho, devemos antes de tudo nos perguntar: existe legitimidade no uso do termo produtividade do capital? A resposta depende do conceito e da perspectiva a partir da qual se caracteriza o próprio capital [38]. Na exposição de Marx, o capital constitui a potência básica da produção capitalista que domina todos os processos econômicos. Não é um ente passivo, como uma mera agregação de elementos do capital constante e da força de trabalho. O capital é um “ser” social ativo, em constante movimento, que passa continuamente pela metamorfose de suas formas de existência em seu processo de valorização, que é sua própria auto-reprodução: capital-mercadoria, capital-produtivo e capital-dinheiro. Em sua circulação, é o capital que constitui a força de trabalho como força produtiva, pois somente o trabalho disposto na fase do capital-produtivo possui essa qualidade.

[38]: Agradeço a Sergio Cámara pelas contribuições para a adequada compreensão dessa questão.

A questão de saber se o capital é ou não produtivo é absurda. O próprio trabalho só é produtivo ao se incorporar ao capital, com o que o capital constitui o fundamento da produção, e o capitalista é, portanto, o dirigente da produção. A produtividade do trabalho converte-se, dessa forma, também em força produtiva do capital, tal como o valor de troca geral das mercadorias se fixa no dinheiro. (Marx, Grundrisse, I: 249)

Esse aspecto apontado por Marx é vital. A força de trabalho, no processo de produção, é capital, conformando uma fração dele de caráter variável, em virtude de sua produtividade social.

Uma vez iniciado o processo de trabalho, o trabalho vivo – mediante a troca entre capital e trabalho – incorpora-se ao capital como uma atividade que lhe pertence; [é natural, então, que] todas as forças produtivas do trabalho social se manifestem como forças produtivas do capital (...). Dessa forma, a força produtiva do trabalho social e as formas específicas que ela assume apresentam-se agora como forças produtivas e formas do capital, do trabalho materializado, das condições materiais do trabalho que, na forma substantivada do trabalho vivo, se enfrentam a este personificadas no capitalista. (Marx, Teorias da Mais-Valia, I: 362)

Portanto, deve-se considerar que o trabalho se incorpora ao capital, passa a lhe pertencer no circuito de reprodução, e sua produtividade manifesta-se assim como força produtiva do capital. Este último, enquanto fração de caráter constante, carece de força produtiva [39], limitando-se, indiretamente, a contribuir para que a força de trabalho tenha a capacidade de ampliar sua produção de valores de uso [40]. Sob essa consideração, o capital constante não pode possuir produtividade em termos de valor. Marx explica a perspectiva analítica a partir da qual se deve considerar o conceito de produtividade do capital.

[39]: “Desde o momento em que o valor do capital reaparece no produto, não se pode chamar o capital de fonte de riqueza. Aqui, ele apenas acrescenta seu próprio valor ao produto enquanto trabalho acumulado, enquanto uma determinada quantidade de trabalho materializado.” (Marx, Teorias da Mais-Valia, I: 83)

[40]: O que é expresso por Guerrero (2000a: 22-23), ao afirmar que “uma vez que se concebe o lado material do capital como uma simples acumulação de trabalho passado – que se contrapõe ao trabalho presente dos operários como capital constante –, é evidente que esse capital constante não pode ter qualquer produtividade em termos de valor, por mais que os meios de produção contribuam (e de forma decisiva, segundo a TLV) para a produtividade física do trabalho humano (aumentando a quantidade de valores de uso que é possível alcançar por unidade de trabalho).”

O capital só é produtivo de valor quando considerado como uma relação, ao impor-se de forma coativa sobre o trabalho assalariado, obrigando-o a fornecer mais-trabalho ou estimulando a produtividade do trabalho para gerar mais-valia relativa. Tanto em um caso como no outro, o capital só produz valor enquanto poder das próprias condições objetivas alienadas do trabalho que se impõem a ele, pura e exclusivamente como uma das formas do próprio trabalho assalariado, como condição de sua existência. Mas, no sentido usual em que os economistas utilizam essa palavra — como trabalho acumulado existente em dinheiro ou em mercadorias — o capital exerce uma ação produtiva no processo de trabalho, assim como todas as condições de trabalho, incluindo as forças naturais gratuitas; no entanto, nunca é fonte de valor. Só pode adicionar valor quando ele mesmo se transforma em tempo de trabalho materializado, de modo que a fonte de seu valor é o trabalho. (Marx, Teorias da Mais-Valia, I: 83–84)

Se analisarmos o capital em seu movimento constante no marco do processo de acumulação, que nada mais é do que a capitalização da mais-valia, e esta significa trabalho (não remunerado), em última instância o capital não é senão trabalho acumulado. Nesse sentido, podemos defender a ideia de uma produtividade laboral do capital [41]. Como afirma Marx (TPV, I: 364), “a produtividade do capital consiste antes de tudo (...) na coação para obter mais-trabalho, para trabalhar mais do que o estritamente necessário.” O capital se apropria e personifica a força produtiva do trabalho social e até a capacidade produtiva da sociedade, como a ciência (Marx, TPV, I: 365).

[41]: Ver Guerrero, loc. cit.

Consequentemente, a dimensão do conceito de produtividade do capital só pode ser compreendida se considerarmos o capital como uma relação social que abrange elementos materiais e força de trabalho [42], e além disso, “só se pode falar de produtividade do capital quando ele é concebido como representação de uma determinada relação social de produção.” (Marx, TPV, III: 236) A força produtiva do capital é, portanto, apenas a quantidade de força produtiva da qual o capitalista pode dispor por meio de seu capital desembolsado. Nesse sentido, há em Marx uma “teoria da produtividade expropriatória, ou laboral, do capital.” (Guerrero, 2000a: 19)

[42]: Assim, Marx critica economistas como Sismondi ou Ricardo, que sustentam que apenas o trabalho é produtivo, e não o capital. Ao fazê-lo, “deixam de considerar o capital em sua determinação formal específica, como uma relação de produção,” (G, I: 249–250) e pensam apenas em sua substância material. No entanto, não são os elementos materiais que o tornam capital.

Diante dessa perspectiva defendida por Marx, no exame do conceito de produtividade surgem dois tipos de erro: i) explicar o lucro capitalista — resultado de determinada força produtiva — com base na função técnica dos meios de produção, ou seja, atribuindo uma qualidade da forma social ao conteúdo; e ii) ao contrário, explicar a capacidade técnica dos meios de produção de aumentar a produtividade do trabalho por seu caráter capitalista, ou seja, atribuindo nesse caso uma qualidade material à sua forma social específica adotada. Nas palavras de Rubin (1923: 77), “esses dois tipos de erro, que à primeira vista parecem contraditórios, podem, na verdade, ser reduzidos ao mesmo defeito metodológico básico: a identificação do processo material da produção com sua forma social e a identificação das funções técnicas das coisas com suas funções sociais.”

Em conclusão, na medida em que se adote essa análise “laboral” do capital, parece-nos legítimo fazer referência à ideia de produtividade do mesmo, no sentido explicitado por Marx no apêndice XII do primeiro volume das Teorias da Mais-Valia. Portanto, a medida da produtividade do capital constitui um índice que reflete a habilidade ou a capacidade do capital para proporcionar lucros (Duménil & Lévy, 1993: 21). Uma vez justificado o conceito marxista de produtividade do capital (Пk), passamos a representar sua formulação matemática.


Πk = produtividade do capital;

CMC = composição materializada do capital;

VN = valor novo (VN = v + pv) (VN = Q);

K = estoque de capital;

Q = produto;

pv' = taxa de mais-valor;

CVC = composição de valor do capital.

Como expressa a fórmula, a produtividade do capital é o inverso da CMC e quantifica o produto gerado por unidade de capital. Essa razão representa a taxa máxima de lucro que o capital pode obter, o que ocorre se o fluxo de salários for zero (v = 0) e todo o produto for mais-valia. Nesse sentido, ela depende positivamente da taxa de mais-valia e de forma negativa da CVC.

13.3.2. Série estimada

A seguir, apresentamos as séries estimadas da CMC e da produtividade do capital. No quadro 13.5 são expostos os resultados obtidos, os índices e as correspondentes taxas de variação anual (TVA).

Assim como as outras dimensões da composição do capital, a CMC se caracteriza por um aumento global ao longo dos 34 anos analisados. De um nível de 1,39, passa para 2,34, ou seja, de 100 para 169, com um incremento acumulado de 69%. Nos três primeiros anos, cai levemente de 1,39 para 1,31, mas nos treze anos seguintes, de 1973 a 1986, duplica, alcançando o nível de 2,61, com um aumento de 98%. Após esse ano, a CMC não retorna a esse patamar, apresentando diversas flutuações. É interessante realizar uma comparação entre a CMC e a CVC, como se faz no gráfico 13.8, levando em conta que, em princípio, a primeira deve reduzir a variabilidade da segunda, originada na dinâmica da distribuição da renda.

A CMC possui os mesmos quatro anos-chave da composição em valor, nos quais seus incrementos anuais são excepcionalmente elevados em relação ao restante da série. Mas, diferentemente da CVC, esses saltos são mais moderados, com exceção de 1986, quando ambas as taxas de variação coincidem. Como esperado, a CMC suaviza as oscilações, embora não no grau que se poderia imaginar, ao passo que, entre 1973 e 1981, registra aumentos ligeiramente superiores. Isso significa que a influência da distribuição da renda exerceu uma pressão que conteve a expansão da CVC. A elevação dos salários conteve seu aumento, mas, ao mesmo tempo, não impediu a alta da razão capital-produto.

Quadro 13.5 – A composição materializada (CMC) e a produtividade do capital (π do K)


O aspecto relevante que observamos reside na profunda reestruturação do padrão de distribuição da renda, em particular na regressão salarial que permite que a CVC se eleve acima da CMC. Assim, a partir de 1983, a dinâmica da distribuição em favor do capital gera uma discrepância na trajetória de ambas as variáveis, pois, nesse ano, a CVC atinge um índice de 187, enquanto a CMC se limita a 173.

Gráfico 13.8 – Evolução das composições em valor (CVC) e materializada (CMC) do capital (Séries em índices base 100 em 1970)


O aumento extraordinário da CVC em relação à CMC a partir de 1983 é, em certa medida, resultado da modificação na repartição da renda nacional entre capital e trabalho, em detrimento deste último. Quanto ao perfil, nos anos posteriores, ainda que existam algumas diferenças (inclusive em certos anos com variação em sentido oposto dessas magnitudes), ambas as variáveis exibem um comportamento paralelo.

13.3.3. Determinantes da produtividade do capital

Conforme mencionamos, a análise da CMC ilustra a evolução do inverso da produtividade do capital, a qual podemos observar no gráfico 13.9. Após um leve aumento inicial de 5% entre 1970 e 1973, a produtividade do capital cai pela metade, com uma queda de 47% até 1986. Embora no sexênio seguinte haja uma recuperação, alcançando 71% do nível de 1970, sua tendência é nitidamente decrescente, com flutuações, mas encerrando o período ligeiramente acima do mínimo histórico de 1986. Portanto, essa sequência nos indica que, com o tempo, é necessário um volume progressivamente maior de desembolso de capital para obter uma unidade de produto ou, dito de outra forma, que para manter o nível de produção devem ser investidas quantias crescentes de capital.

Gráfico 13.9 – A produtividade do capital


A expressão da produtividade do capital pode ser decomposta em seus determinantes fundamentais: a produtividade do trabalho (π) e a CTC, assim como a razão entre os deflatores de preços, do produto (dPQ) e do estoque de capital (dPK) [43].

[43]: Utilizando a inversa da fórmula apresentada por Moseley (1991: 68).

Πk = produtividade do capital;

VNk = valor novo por trabalhador produtivo;

Np = número de trabalhadores produtivos;

Kk = estoque de capital fixo do setor privado não residencial;

π = produtividade do trabalho (VNₖ / Nₚ);

CTC = composição técnica do capital;

dP_Q e dP_K = deflatores dos preços do produto e do capital.

Essa expressão evidencia que a produtividade do capital está diretamente vinculada à produtividade do trabalho e, de forma inversa, à composição técnica, à parte da correção introduzida pela razão entre os índices de preços. Com essa relação, é possível analisar a influência que o fator tecnológico exerce sobre o comportamento da produtividade do trabalho [44]. Na medida em que os avanços de produtividade compensarem a progressiva mecanização, será possível evitar o declínio da produtividade do capital e, por extensão, da taxa de lucro, tendo em vista a inter-relação entre essas variáveis, a saber: “o produto anual aumenta por efeito de uma maior produtividade do trabalho. Todos os meios empregados para incrementar essa produtividade (a menos que respondam a contingências naturais, como estações favoráveis etc.) requerem o aumento do capital.” (Marx, TPV, I: 153)

[44]: O progresso técnico assume, no capitalismo, a forma de uma crescente intensidade da mecanização por unidade de trabalho, o que nos permite conhecer em que medida essa substituição da força de trabalho repercute em melhorias da produtividade do trabalho.

Gráfico 13.10 – Evolução comparada da produtividade do capital (eixo direito) e de seus determinantes (eixo esquerdo): a razão entre os deflatores de preços, a composição técnica do capital (CTC) e a produtividade do trabalho (Séries em índices com base 100 em 1970)


A produtividade do trabalho apresenta uma trajetória sistematicamente inferior à da composição técnica do capital (CTC). Dado o papel extremamente limitado desempenhado pela razão entre os deflatores de preços, já se evidencia a tendência descendente da produtividade do capital. Somente até 1974 ambas crescem de forma parecida, o que permite à produtividade do capital se manter ou até aumentar ligeiramente. À medida que a série avança, a diferença entre ambas se aprofunda. Portanto, para alcançar um determinado incremento da produtividade do trabalho, a exigência de mecanização torna-se cada vez maior.

Esse desempenho insuficiente da produtividade do trabalho não conseguiu compensar a expansão da composição técnica, o que empurrou a produtividade do capital em uma trajetória descendente. Essa questão pode ser expressa de outro modo: a expansão da mecanização, fundamento da posterior elevação dos níveis de produtividade, não resultou na referida melhora da eficiência. Por isso, a ruptura desse vínculo constitui um dos problemas fundamentais que afetam a economia mexicana nesse período, como veremos mais adiante.

Ao longo da série, nas fases em que a CTC apresenta níveis significativos de crescimento, a produtividade do capital inevitavelmente decresce, exceto em 1990 e 2000, quando o aumento da produtividade do trabalho permite que ambas variáveis cresçam simultaneamente. O perfil da evolução da produtividade do capital é dominado pela influência negativa da mecanização, diante da qual a produtividade do trabalho apenas consegue suavizar a trajetória — seja de forma positiva, seja negativa. Assim, sua incidência se limita a oscilações pontuais, não à tendência geral. Por outro lado, embora a razão entre os deflatores exerça certa pressão para que a produtividade do capital aumente em meados dos anos 1980, esse não é um fator decisivo, já que, precisamente nesse momento, a produtividade do capital sofre sua maior queda [45]. A recuperação da produtividade do capital entre 1986 e 1992 deve-se a uma desaceleração no ritmo de avanço da mecanização e a um certo aumento da produtividade do trabalho, acompanhado de uma influência positiva da razão entre os preços relativos. No entanto, trata-se de um resultado efêmero, pois a nova expansão da CTC que ocorre posteriormente compromete irremediavelmente essa tímida recuperação.

A correlação entre a produtividade do capital e a CTC — ou melhor, a dependência essencial da primeira em relação à segunda — evidencia-se no gráfico 13.11. As discrepâncias da produtividade do capital que resultam em aumentos relativos frente à CTC se explicam pela produtividade do trabalho, cujo alcance limitado torna-se mais do que evidente [46], especialmente na década de 1980. Coloca-se, portanto, a questão da relação entre mecanização e produtividade do trabalho, uma vez que a primeira constitui o fundamento da possibilidade de impulsionar a segunda.

[46]: Obviamente, a razão entre os deflatores de preços também exerce influência, mas, dado seu alcance ainda mais limitado, deixamos de considerá-la neste ponto.

Até 1973, os aumentos da CTC resultavam em expansões da produtividade do trabalho de mesma magnitude. A partir desse ano, no entanto, as trajetórias das duas séries passam a apresentar elevações relativas cada vez mais distintas. A CTC se eleva de forma acentuada, enquanto a produtividade do trabalho mantém taxas anuais modestas. A evolução comparada de ambas as taxas anuais de variação pode ser visualizada com maior clareza no gráfico 13.12, onde a área colorida representa a superioridade dos incrementos percentuais da CTC em relação à produtividade.

Gráfico 13.11 – A produtividade do capital e o inverso da composição técnica do capital (1/CTC)

Séries em índices com base 100 em 1970


Gráfico 13.12 – A composição técnica do capital (CTC) e a produtividade do trabalho. Evolução e taxas de variação anual (TVA)

Séries em índices com base 100 em 1970 e em percentuais


Evidencia-se que, na maior parte do período, os aumentos da mecanização são superiores, pois a linha de discrepância percentual é geralmente positiva. Em certos anos, como nas crises de 1982–1983 e 1994–1995, pode-se observar no gráfico anterior a simultaneidade entre aumentos da CTC e quedas da produtividade do trabalho. Essa particularidade não se deve a uma utilização menos eficiente do estoque de capital, mas representa momentos de crise nos quais o processo de reestruturação produtiva e o consequente desligamento de trabalhadores resultam em um aumento do índice capital-trabalho. De fato, ocorre uma queda na taxa de utilização da capacidade instalada, seguida posteriormente por um processo inverso: um aparente aumento da produtividade do trabalho que não é acompanhado por um crescimento da CTC — do que também não se pode concluir uma súbita utilização mais eficiente do capital existente pelos operários. Esse processo é perfeitamente visualizado no gráfico 13.13, no movimento em forma de “tesoura” que ocorre especialmente a partir de 1983.

Gráfico 13.13 – Diferenças nas taxas anuais de variação (TVA) da composição técnica do capital (CTC) em relação à produtividade do trabalho


A elevação extraordinária da composição do capital e a amplitude da crise de rentabilidade no México tornam-se evidentes na trajetória e na base que fundamenta a evolução da produtividade do capital. Em primeiro lugar, há um problema real relacionado ao comportamento da produtividade do trabalho, que não consegue compensar o aumento no grau de mecanização, na medida em que não reflete a amplitude desse incremento. Podemos afirmar que estamos diante de um problema fundamental da economia mexicana: a expansão do grau de mecanização não resultou positivamente em um aumento paralelo da produtividade do trabalho [47]. Em outras palavras, o aumento do capital por trabalhador não representa, em toda a sua extensão, o crescimento da produtividade laboral, como apontava Marx.

[47]: Essa questão exigiria, por si só, uma investigação específica, razão pela qual seu estudo em profundidade escapa aos objetivos da presente tese. Em todo caso, limitamo-nos a destacar um autor que mencionou essa anomalia na economia mexicana. Valenzuela (1986), reconhecendo o aumento do que denomina “densidade de capital”, opina que “mais do que um problema de dotação inadequada, é provável que exista um problema de eficiência no manejo das tecnologias e dos processos de produção disponíveis. E, se isso for verdade, a conclusão apontaria para um ‘déficit’ de qualificação dos recursos humanos,” (Ibidem: 106–107), ainda que ele não fundamente empiricamente essa afirmação.

Esse aspecto que evidencia a relação entre a CTC e a produtividade nos conduz a outra questão equivalente: o aumento do estoque de capital não se materializou em uma expansão correspondente do produto, como expressa o crescimento da CMC. Portanto, a evolução descendente da produtividade do capital está decisivamente condicionada pelo aumento da CTC. Além disso, seus momentos de expansão coincidem com as fases de recuperação após períodos de crise, como os de 1982–1983, 1986 e 1995. Nesses momentos, o impacto da crise sobre o emprego e a utilização do estoque de capital disponível pressiona para baixo a produtividade do capital, de modo que sua posterior recuperação não é sintoma nem reflexo de uma recomposição das condições de valorização do capital. Pelo contrário, trata-se meramente de uma recuperação circunstancial, ou seja, de um aumento aparente da produtividade do trabalho baseado no estancamento do estoque de capital investido, devido à utilização da capacidade instalada ociosa — processo característico, por sua vez, dos momentos de crise econômica.