Apêndice 6.3 - Estoques de Capital Brutos e Líquidos
1. Observou-se no capítulo 6, seção I, que a noção de valor de capital é bastante diferente daquela de capital como bens físicos. Essa diferença tem implicações importantes para a medida apropriada do estoque de capital. Considere um computador que custa 2.000 dólares e que dura quatro anos, e suponha que a depreciação anual seja calculada como 700, 505, 432 e 365 dólares ao longo dos quatro anos. Voltarei ao método pelo qual a depreciação foi calculada, mas por ora deve-se observar que os números apresentados foram arredondados a partir de cálculos mais detalhados, de modo que sua soma pode ocasionalmente apresentar pequenas diferenças em relação aos valores listados. Assim, ao longo dos quatro anos, o capital no início de cada ano imobilizado na própria máquina será de 2.000, 1.300, 796 e 365 dólares, enquanto a depreciação acumulada será, respectivamente, de 700, 1.205, 1.635 e 2.000 dólares. Em qualquer momento no tempo, a soma dos fluxos correspondentes dessas duas séries é sempre 2.000 dólares. Do ponto de vista de uma empresa em operação — perspectiva adotada por Marx — o valor de capital inicialmente investido em instalações e equipamentos (2.000 dólares) retorna gradualmente à sua forma monetária à medida que os ativos fixos se depreciam. Esses valores acumulados de depreciação podem ser mantidos na forma de dinheiro, ativos financeiros ou até mesmo reinvestidos. Mas, em qualquer dos casos, eles contam tanto como parte do valor total do capital quanto o valor depreciado das máquinas, pois é a recuperação da soma dessas duas partes que permite a continuidade da empresa. Assim, para cada ano de vida útil da máquina, o valor de capital investido nela é de 2.000 dólares [1].
[1]: A propósito, se parte das provisões de depreciação fosse mantida como ativos que rendem juros, isso não alteraria o fluxo de lucros advindos do uso do computador, embora aumentasse o fluxo de “outras receitas” para os credores e o reduzisse para os devedores. A taxa de lucro não seria alterada por isso, embora parte dela possa assumir a forma de juros líquidos (positivos ou negativos) pagos. As empresas compreendem isso perfeitamente.
2. Nas contas nacionais, esse conceito é conhecido como “estoque bruto de capital”. Ele é independente da forma como são alocadas as provisões para depreciação, o que constitui precisamente sua virtude. Conforme observado no manual da OCDE sobre estimativa de estoque de capital, nesse caso um bem de capital é “avaliado a preços ‘como novos’ — ou seja, aos preços de ativos novos do mesmo tipo” ao longo de toda a sua vida útil. Esses “preços ‘como novos’ são obtidos por meio da revalorização de ativos adquiridos em períodos anteriores utilizando índices de preços para o tipo relevante de ativos”. A medida resultante “possui diversas utilidades analíticas por si só… [uma vez que] é amplamente usada como um indicador geral da capacidade produtiva de um país… é frequentemente comparada ao valor adicionado para calcular razões capital–produto… [e é usada] para gerar medidas de lucratividade de um setor ou da economia” (OCDE 2001, p. 31).
3. O valor depreciado de uma máquina, por outro lado, corresponde ao "estoque líquido de capital". Em geral, tanto o valor adicionado unitário quanto os lucros unitários de uma máquina diminuem com o passar do tempo, devido à perda de eficiência, reparos mais frequentes, entre outros fatores [2]. Suponha que o valor adicionado bruto unitário seja de 1.200, 900, 700 e 500 dólares, e que o lucro unitário seja de 1.000, 700, 550 e 420 dólares, ao longo da vida útil da máquina [3]. Subtraindo-se a depreciação de cada um desses valores, obtêm-se os correspondentes resultados líquidos e lucros líquidos, conforme mostrado na tabela do apêndice 6.3.1. A primeira linha mostra o investimento inicial, que é mantido nos registros contábeis durante toda a vida útil da máquina. Assim, esse é o estoque bruto no início do ano. A segunda linha corresponde à depreciação, cujo cálculo será tratado em breve. A terceira linha é o estoque líquido de capital no início do ano, que no primeiro ano é igual ao estoque bruto, e nos anos seguintes corresponde ao estoque líquido do ano anterior menos a depreciação do ano anterior [4] (os números apresentados foram arredondados, portanto podem não somar exatamente os totais inteiros exibidos). As duas linhas seguintes mostram o valor adicionado bruto (produto menos custo dos materiais) e os lucros brutos, ou seja, os fluxos de caixa (valor adicionado bruto menos os custos com trabalho). As quatro linhas restantes apresentam as razões produto-capital e as taxas de lucro para as medidas com base no estoque bruto e no estoque líquido, respectivamente.
[2]: Valor adicionado unitário = preço unitário – custo unitário dos materiais, e lucro unitário = valor adicionado unitário – custo unitário do trabalho. Assim, se a produção física diminuir mantendo-se constantes os insumos materiais, o aumento do custo unitário dos materiais comprimirá o valor adicionado unitário. O mesmo ocorrerá se o preço unitário de um determinado tipo de máquina cair ao longo do tempo devido a inovações técnicas que reduzem custos e/ou à sua crescente obsolescência diante de novos tipos de máquinas. Os lucros unitários serão comprimidos pela mesma razão. Na medida em que os custos unitários do trabalho também aumentem devido à perda de eficiência, aumento dos reparos, entre outros fatores, os lucros unitários cairão mais rapidamente do que o valor adicionado unitário.
[3]: Para fins de ilustração, supõe-se que exista um fluxo identificável de valor adicionado e lucro com uma única máquina. Mas, como esse tipo de separação raramente pode ser feito na prática, é mais apropriado pensar na “máquina” como um conjunto de máquinas ou mesmo uma planta inteira.
[4]: De forma equivalente, o estoque líquido atual é o estoque bruto atual menos a depreciação acumulada (OCDE 2001, p. 35).
4. A tabela ilustra um caso em que as medidas baseadas no estoque bruto — da razão produto-capital e da taxa de lucro — caem à medida que a máquina envelhece. No entanto, as medidas correspondentes baseadas no estoque líquido mostram uma razão produto-capital crescente e uma taxa de lucro exatamente constante (15%), porque neste exemplo a regra usada para calcular a depreciação resulta em um valor líquido para as máquinas que diminui na mesma proporção que a massa de lucro. Esta é precisamente a forma como o capital fixo é tratado tanto na teoria neoclássica quanto na teoria sraffiana. Disso se conclui que, ao longo da vida útil de um único bem de capital, a razão produto-capital e a taxa de lucro com base no estoque líquido tendem, em geral, a ser superestimadas em relação às suas equivalentes com base no estoque bruto.
5. A justificativa neoclássica para calcular um estoque líquido de capital cujos movimentos estão atrelados aos lucros repousa na afirmação de que, sob "as suposições de equilíbrio, concorrência perfeita e previsão perfeita" (Harper 1982, p. 38), o preço de qualquer bem de capital é igual ao valor presente de seu fluxo de receitas futuras [5]. Dado um fluxo de lucros específico, a vida útil da máquina é determinada pelo ponto em que seu lucro chega a zero. A correspondente taxa interna de retorno sobre o bem de capital é definida como aquela taxa de desconto constante que tornaria o valor presente do fluxo de lucros igual ao preço de produção da máquina [6]. Assim, na tabela 6.3.1, o investimento inicial (2.000 dólares) e o fluxo de lucros brutos (em caixa) definem a taxa interna de retorno como aquela constante que faz com que o valor presente desse fluxo de caixa seja igual ao investimento inicial. Deve-se observar que não há absolutamente nenhuma razão para se assumir uma taxa de retorno constante. Se, em vez disso, adotássemos um padrão específico de depreciação ao longo da vida útil do ativo (por exemplo, uma fração constante do investimento inicial, como frequentemente se assume na contabilidade empresarial), então, em conjunto com o fluxo de lucros brutos dado, isso definirá os lucros líquidos e uma taxa de retorno anual geralmente variável. Pode-se argumentar que o padrão de depreciação apropriado é aquele que revela a viabilidade decrescente do ativo à medida que envelhece, e não aquele que a encobre. Em todo caso, neste exemplo, a suposta taxa interna de retorno constante é de 15%. Com isso em mãos, pode-se calcular o valor presente líquido dos fluxos de lucros em cada ano, o que equivale ao valor líquido depreciado da máquina (ou seja, o estoque líquido de capital). O estoque líquido do primeiro ano calculado dessa forma é de 2.000 dólares, simplesmente porque a taxa interna de retorno de 15% foi, ela própria, derivada de modo a fazer com que o valor presente do primeiro ano fosse igual ao investimento inicial (o estoque bruto inicial de 2.000 dólares). Por fim, a depreciação é definida como a diferença entre o estoque líquido de capital no início do primeiro ano (2.000 dólares) e o estoque líquido no fim do primeiro ano, que é o mesmo do início do segundo ano (1.300 dólares), e assim por diante. Observe que a depreciação aqui é endógena, surgindo como diferença entre os valores presentes sucessivos. Nesta ilustração, as taxas máximas e efetivas de lucro (razão entre produto líquido e capital bruto, e taxa de lucro líquida) caem à medida que a máquina envelhece. Ainda assim, com base no cálculo do estoque líquido, essa mesma máquina aparentará ter uma razão produto-capital líquida crescente à medida que envelhece, bem como uma taxa de lucro perfeitamente constante (a taxa interna de retorno), até o exato momento de sua obsolescência.
[5]: “Se um ativo é oferecido à venda por um preço que não parece provável gerar uma taxa de retorno satisfatória, não haverá mercado para esse ativo. Se um ativo for oferecido a um preço que pareça gerar uma taxa de retorno muito alta, a demanda por esse ativo aumentará e elevará seu preço até que a taxa de retorno caia a um nível 'normal'. Na prática, os próprios fabricantes de bens de capital calcularão as taxas de retorno que os ativos provavelmente gerarão e não produzirão ativos que provavelmente não gerem taxas de retorno suficientemente altas para garantir que haverá mercado para eles... [A determinação dos preços dos ativos como o valor presente descontado dos fluxos de lucro futuros] pode, portanto, ser vista como uma explicação bastante plausível de como os preços dos ativos são determinados em uma economia de mercado” (OCDE 2001, p. 17).
[6]: O valor presente de um fluxo de lucros brutos (fluxo de caixa) Pt com vida útil L é dado pelo valor presente
. Dado um investimento inicial K1, a taxa interna de retorno (r) é calculada como aquela taxa — assumida como constante — que faz com que PV seja igual a K1 para a nova máquina. Em cada ano subsequente, o valor presente é calculado com essa taxa r e os fluxos de lucros restantes.
Apêndice - Tabela 6.3.1: Estoques Brutos, Estoques Líquidos e Lucratividade

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