SUMÁRIO
1 | INTRODUÇÃO
2 | A CONFIGURAÇÃO
2.1 | Configuração inicial
2.1.1 | Taxa uniforme de lucro e preços de produção
2.1.2 | Valores do trabalho e taxa de exploração
2.1.3 | Pacote inicial de salário real
2.2 | Mudança técnica CU-LS viável
2.3 | Luta de classes e um novo pacote de salário real
3 | RESULTADOS
4 | DISCUSSÃO
5 | UM EXEMPLO
5.1 | Situação inicial
5.2 | Mudança técnica CU-LS viável
5.3 | Luta de classes e um novo pacote de salário real
6 | CONCLUSÃO
APÊNDICE A: PROVAS DOS TEOREMAS
A.1 | Prova do Teorema 1
A.2 | Prova do Teorema 2
A.3 | Prova do Teorema 3
RESUMO
Pode a mudança técnica que reduz custos levar a uma queda na taxa de lucro de longo prazo, se a luta de classes conseguir manter constante a taxa de exploração? Neste artigo, derivamos três resultados que, juntos, respondem afirmativamente a essa questão. Primeiro, identificamos três propriedades que novos pacotes de salário real devem satisfazer para manter a taxa de exploração constante e levar a uma queda na taxa de lucro. Em segundo lugar, derivamos condições suficientes para a existência de um número infinito de tais pacotes de salário real. Terceiro, mostramos que, se o pacote inicial de salário real for tal que a razão máxima entre o preço e o valor do trabalho for maior que 1 mais a taxa de exploração, então, partindo de qualquer configuração de tecnologia, sempre existe uma mudança técnica viável, poupadora de trabalho e que utiliza capital, que satisfaz as condições suficientes do resultado anterior. Esses resultados corroboram a afirmação de Marx de que, se a taxa de exploração permanecer inalterada, então a mudança técnica nas economias capitalistas pode levar a uma queda na taxa de lucro de longo prazo.
1 | INTRODUÇÃO
Se a taxa de lucro tem uma tendência a declinar com o desenvolvimento capitalista foi um tema de grande interesse para a economia política clássica. Sendo a fonte de renda da classe capitalista, o lucro é tanto a origem quanto o estímulo para a acumulação de capital. Se houvesse uma tendência de queda contínua na taxa de lucro ao longo do tempo, isso naturalmente indicaria alguma contradição profunda no sistema capitalista. Pois, por meio dessa tendência, o sistema parecia se autossabotar de forma endógena (Dobb, 1945, Capítulo IV).
Adam Smith argumentou que a acumulação de capital e a competição entre capitalistas imprimiriam uma tendência de queda à taxa de lucro. David Ricardo, embora discordando da explicação de Smith, ainda sentiu-se compelido a oferecer sua própria resposta. Os retornos decrescentes sobre a terra, argumentou Ricardo, eram a fonte última da tendência de queda da taxa de lucro. Com a acumulação de capital, há um aumento na demanda por trabalho e, portanto, por alimentos. Isso, por sua vez, exige o cultivo de terras inferiores, elevando o preço do trabalho e comprimindo os lucros (Dobb, 1945, Capítulo IV, pp. 86–87). O argumento de Ricardo deslocou o foco da tendência decrescente da taxa de lucro para fora do capitalismo, para as possibilidades ou não de progresso técnico na produção agrícola. Marx trouxe o foco de volta para a dinâmica interna do capitalismo.
Desenvolvendo seu próprio argumento sobre a lei da queda tendencial da taxa de lucro no Volume III de O Capital, Marx argumentou que o progresso técnico na produção capitalista, que provoca um aumento na composição orgânica do capital (a relação entre os custos materiais e de trabalho), manifestar-se-ia como uma “tendência” de queda na taxa de lucro se o grau de exploração do trabalho pelo capital permanecesse constante (Marx, 1993) [1]. É irrelevante se há ou não progresso técnico na agricultura. Enquanto a composição orgânica do capital tiver uma tendência a crescer no nível agregado, o progresso técnico, a própria força do capitalismo, o minará ao imprimir uma tendência de queda na taxa de lucro.
[1]: “Se agora assumirmos, além disso, que essa mudança gradual na composição do capital não caracteriza apenas certos ramos individuais de produção, mas ocorre mais ou menos em todas as esferas, ou pelo menos nas decisivas, e que, portanto, envolve mudanças na composição orgânica média do capital total pertencente a uma determinada sociedade, então esse crescimento gradual do capital constante, em relação ao variável, deve necessariamente resultar em uma queda gradual na taxa geral de lucro, desde que a taxa de mais-valia, ou o nível de exploração do trabalho pelo capital, permaneça o mesmo.” (Marx, 1993, pp. 317–318, ênfase no original).
A partir de Okishio (1961), uma extensa literatura argumentou que o argumento de Marx é falho. Se os capitalistas adotarem novas técnicas de produção que reduzem o custo de produção aos preços vigentes, o que parece razoável, então a taxa geral de lucro tenderá a subir, e não a cair. Para ser mais preciso, se os produtores capitalistas optarem por adotar uma nova técnica de produção apenas se ela reduzir custos aos preços atuais e a taxa de salário real permanecer inalterada, então a taxa de lucro de longo prazo na economia aumentará (Bowles, 1981; Dietzenbacher, 1989; Okishio, 1961; Roemer, 1977, 1981; Samuelson, 1974). Esse resultado é hoje conhecido como Teorema de Okishio (TO).
O TO baseia-se na suposição de que a taxa de salário real não muda. Essa é uma suposição extremamente restritiva, dado que a análise trata de preços e taxas de lucro de longo prazo. Afinal, o TO compara dois equilíbrios de longo prazo, um antes e outro depois da mudança técnica. Não há razão teórica ou empírica para acreditar que a taxa de salário real permaneça constante ao longo da mudança técnica, isto é, da adoção de uma nova técnica de produção por um capitalista inovador e sua subsequente difusão pelo restante da economia [2]. Na realidade, a mudança técnica interage com forças sociais e econômicas mais amplas, incluindo aquelas relevantes para os resultados do mercado de trabalho, e não é inconcebível que a taxa de salário real possa mudar - de uma forma ou de outra - ao longo da mudança técnica.
[2]: O próprio Okishio (2000) admite que a suposição de uma taxa de salário real constante é irrealista. “A suposição de uma taxa de salário real constante implica ou uma economia não monetária ou a adaptação instantânea da taxa de salário monetário aos preços dos bens de consumo. Ambas são irrealistas. Uma economia capitalista é uma economia de produção monetária. Os trabalhadores recebem um salário em dinheiro. A taxa de salário monetário e os preços dos bens de consumo mudam devido à concorrência no mercado de bens de consumo e no mercado de trabalho. A suposição de uma taxa de salário real constante não pode ser mantida.” (Okishio, 2000, p. 493).
Parece plausível que a taxa de salário real seja resultado da luta de classes ou de negociação entre trabalhadores e capitalistas. Portanto, não está claro por que a luta de classes não poderia alterar a taxa de salário real ao longo da mudança técnica. No mínimo, parece plausível argumentar que, como a mudança técnica aumenta a produtividade do trabalho, os trabalhadores tentarão negociar por uma parte dos ganhos da mudança técnica, especialmente em um contexto de restrições de trabalho (Dobb, 1945, pp. 113–114). Assim, é perfeitamente possível que a taxa de salário real aumente com a mudança técnica, em vez de permanecer inalterada, em economias capitalistas avançadas marcadas por restrições de trabalho. Um achado importante da literatura marxista sobre mudança técnica e lucratividade é que o TO não se sustentará se permitirmos que o salário real mude ao longo da mudança técnica (Basu, 2021; Dietzenbacher, 1989; Foley, 1986; Laibman, 1982, 1992; Liang, 2021; Michl, 1988; Roemer, 1978). Embora esse resultado geral seja bem conhecido, ainda é uma questão em aberto se a afirmação de Marx sobre a tendência de queda da taxa de lucro em equilíbrio pode ser estabelecida. Existem duas abordagens amplas para lidar com essa questão, ambas formalizando a afirmação de que a taxa de salário real muda ao longo da mudança técnica.
A primeira abordagem trabalha com uma razão constante de lucro-salário em nível setorial como uma descrição plausível de como a taxa de salário real pode se comportar ao longo da mudança técnica. A intuição subjacente é que a negociação entre trabalhadores e capitalistas mantém constante a participação dos salários em relação aos lucros em nível setorial (Roemer, 1978, pp. 156) [3]. Em um modelo de dois setores, Roemer (1978, 1981) mostra que a taxa de lucro cai (ou permanece inalterada) se houver mudança técnica poupadora de trabalho e que usa capital (CU-LS) no setor de bens de capital (ou de bens de consumo). Este resultado foi generalizado para o caso de um modelo de n-mercadorias – sem distinguir entre indústrias de bens de capital e de consumo – em Chen (2019), que mostra que, quando há uma mudança técnica CU-LS que reduz custos em qualquer setor, com as razões lucro-salário setoriais permanecendo constantes, a taxa de lucro em equilíbrio cai. Uma desvantagem dessa abordagem é que o salário real deve ser permitido variar entre os setores. Assim, precisamos assumir implicitamente mercados de trabalho não competitivos [4].
[3]: “A teoria que adotaremos é que a negociação entre trabalhadores e capitalistas opera de tal forma a manter uma razão constante entre lucros e salários, antes e depois da mudança técnica. A história simplificada é a seguinte: após a adoção de uma inovação que reduz custos, ... os trabalhadores ou seus sindicatos então avaliam o que aconteceu com sua participação relativa e, se esta diminuiu, lutam por meio de greves, etc., para restabelecer a antiga proporção. Do outro lado, se a participação relativa dos trabalhadores foi aumentada pela mudança técnica, então os sindicatos não serão particularmente vigilantes enquanto os capitalistas diminuem gradualmente o salário real até que a antiga proporção relativa seja restabelecida.” Roemer (1978, pp. 156).
[4]: “[S]erá impossível manter participações relativas constantes em cada setor antes e depois da mudança técnica, e o mesmo salário real em ambos os setores.” (Roemer, 1978, p. 157).
A segunda abordagem usa uma taxa de exploração constante (a razão entre o tempo de trabalho não pago e o tempo de trabalho pago) como uma descrição de como o salário real pode variar ao longo da mudança técnica [5]. A ideia de que a taxa de exploração pode permanecer constante antes e depois da mudança técnica remonta, como vimos acima, a Marx (1993). A intuição subjacente dessa abordagem é que a luta de classes entre trabalhadores e capitalistas consegue manter constante a taxa de mais-valia, ou o grau de exploração do trabalho pelo capital (a razão entre o trabalho pago e não pago) [6]. Laibman (1982, 1992) incorporou essa suposição em um modelo de dois setores e analisou o efeito da mudança técnica sobre a taxa de lucro. A principal descoberta de Laibman (1982) foi que é possível que a taxa de lucro caia após uma mudança técnica que reduz custos se a taxa de exploração permanecer constante. Embora Michl (1988) e Basu (2021, Capítulo 6) apresentem resultados semelhantes em um modelo de um setor, Liang (2021) generalizou o resultado de Laibman para um modelo de dois departamentos com m setores e capital fixo.
[5]: Como a mudança técnica implicará um aumento na produtividade do trabalho, uma taxa de exploração constante implicará algum aumento na taxa de salário real.
[6]: “É a taxa de exploração – a razão entre o tempo de trabalho não pago e o tempo de trabalho pago – que expressa o equilíbrio das forças de classe em um determinado momento. É quando os salários acompanham a produtividade que o equilíbrio das forças de classe não muda; esse é, então, o quadro neutro no qual se pode analisar a mudança técnica.” (Laibman, 1992, p. 122).
A principal contribuição deste artigo é estender os resultados de Laibman (1982), Michl (1988), Basu (2021, Capítulo 6) e Liang (2021). Primeiro, estendemos a análise de Laibman (1982), Michl (1988) e Basu (2021, Capítulo 6) para um modelo geral de capital circulante de n setores em uma economia capitalista com uma tecnologia de produção linear, sem distinguir entre setores de bens de capital e de consumo. Segundo, estendemos a análise em Liang (2021) permitindo uma mudança geral no pacote de salário real. Enquanto Liang (2021) permite apenas mudanças proporcionais no vetor do pacote de salário real, nós permitimos que o pacote de salário real mude de maneira arbitrária ao longo da mudança técnica. Nesse cenário geral, demonstramos que, sob certas condições plausíveis, a taxa de lucro de longo prazo em equilíbrio pode cair após uma mudança técnica que reduz custos se a taxa de exploração permanecer constante (ou até aumentar de forma limitada). Assim, demonstramos que a afirmação de Marx sobre a tendência de queda da taxa de lucro pode ser sustentada em um modelo bastante geral.
O restante do artigo está organizado da seguinte forma. Na Seção 2, descrevemos a configuração básica e definimos mudança técnica CU-LS viável. Na Seção 3, identificamos três propriedades de um novo pacote de salário real que podem manter constante a taxa de exploração e levar a uma queda na taxa de lucro em equilíbrio (Teorema 1); em seguida, derivamos condições suficientes para a existência de um número infinito de tais pacotes de salário real (Teorema 2); finalmente, mostramos que, se impusermos uma restrição menor ao conjunto permitido de pacotes de salário real antes da mudança técnica, então, partindo de qualquer configuração de tecnologia, sempre haverá mudanças técnicas CU-LS viáveis que satisfarão as condições suficientes do Teorema 2 (Teorema 3). Na Seção 4, oferecemos uma intuição e discussão sobre nossos resultados. Na Seção 5, apresentamos um exemplo de um modelo de 3 setores para ilustrar nosso argumento; finalmente, concluímos o artigo na Seção 6. As demonstrações das proposições estão reunidas no Apêndice A.
2 | A CONFIGURAÇÃO
2.1 | Configuração inicial
Para a análise deste artigo, utilizamos um modelo de Leontief/Sraffa, onde a economia é composta por n setores de produção. A tecnologia é dada pela matriz de insumo-produto n × n, não negativa, A ≧ 0, e pelo vetor 1 × n de insumos diretos de trabalho, L ≫ 0. O pacote de salário real, que representa a distribuição, é dado pelo vetor n × 1, b ≧ 0 [7]. Cada setor produz uma mercadoria com uma única técnica de produção, e não há capital fixo [8].
[7]: Para vetores e matrizes, usaremos a seguinte notação: x ≧ 0, se para i = 1, 2, …, n, xi ≥ 0 e x ≠ 0; x ≫ 0, se para i = 1, 2, …, n, xi > 0.
[8]: Na tradição clássica marxista, este é um modelo comumente utilizado para estudar o efeito da mudança técnica na lucratividade; veja, por exemplo, Roemer (1979, Seção 2, pp. 381–383).
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