sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Padrões Universais na Distribuição de Renda: Uma abordagem econofísica - Anwar Shaikh e Amr Ragab

Shaikh, A., & Ragab, A. (2023). Some universal patterns in income distribution: An econophysics approach. Metroeconomica, 74(1), 248–264. https://doi.org/10.1111/meca.12412

Resumo

A abordagem "dois grupos" da econofísica proporciona uma relação teórica inovadora e empiricamente robusta: A renda per capita $\bar{y}(x)$ de qualquer fração inferior (x) da população é igual a $a(x) * (1-G)\bar{y}$, onde a(x) é um coeficiente de acoplamento, G é o índice de Gini, e $\bar{y}$ é a renda nacional per capita. Para os 70% mais pobres, a(70) = 1, o que resulta no ajuste da desigualdade de Sen para o Índice de Desenvolvimento Humano de 1993 da UNDP, sem depender de funções de bem-estar social. Alternativamente, a(80) = 1.1 resulta na renda per capita dos 80% mais pobres (Renda da Vasta Maioria). Propomos este último como uma nova medida de bem-estar ajustada para a desigualdade.

1 | INTRODUÇÃO

Pareto (1897) demonstrou que a distribuição de renda dos principais ganhadores pode ser caracterizada por uma lei de potência agora conhecida como a distribuição de Pareto. Nas últimas décadas, os trabalhos inovadores de Alvaredo et al. (2013) provocaram um grande ressurgimento de interesse na desigualdade de renda e de gênero (Isaac, 2014; McKnight, 2019; Milanovic, 2016; Neves & Silva, 2014; Ravallion, 2014; Seguino, 2007) e nas diferenças entre as distribuições de renda salarial e de propriedade. Mais recentemente, no espírito da pesquisa original de Pareto, a teoria "dois grupos" de distribuição de renda na econofísica (EPTC), pioneira por Yakovenko e seus coautores (Banerjee & Yakovenko, 2010; Dragulescu & Yakovenko, 2001; Yakovenko & Rosser, 2009), ampliou significativamente a discussão (Ludwig & Yakovenko, 2022; Rosser, 2006)$^1$. Silva e Yakovenko (2004, p. 6) mostraram que a renda proveniente de salários e vencimentos é bem representada por uma distribuição exponencial, enquanto a renda de propriedade proveniente de investimentos e ganhos de capital é bem representada por uma distribuição de Pareto. A curva de Lorenz geral é então composta por uma grande seção correspondente à distribuição exponencial e uma pequena correspondente à distribuição de Pareto. Esse padrão de distribuição bifásica de renda foi demonstrado em muitos países desenvolvidos (Derzsy et al., 2012; Jagielski & Kutner, 2013; Nirei & Souma, 2007; Oancea et al., 2017; Shaikh, 2017; Shaikh et al., 2014; Tao et al., 2019).

[1]: Várias abordagens teóricas foram propostas para explicar as descobertas empíricas. Para rendas salariais (Dragulescu & Yakovenko, 2000, pp. 723–724) propuseram inicialmente um modelo de uma economia fechada com uma quantidade fixa de dinheiro, no qual a interação de dois agentes envolve uma transferência de dinheiro em que a distribuição estacionária maximizadora de entropia é exponencial: isso é uma transposição direta de transferências de energia em um modelo de "colisão de partículas" na física. Yakovenko e Rosser (2009) revisam uma variedade de modelos estatísticos subsequentes para dinheiro, riqueza e distribuições de renda desenvolvidos na literatura de econofísica. Shaikh e Jacobo (2020) e Shaikh (2020) abordam essa questão do ponto de vista econômico: eles mostram que o princípio econômico fundamental da arbitragem turbulenta de taxas salariais e taxas de lucro, modelado como processos de difusão de deriva de reversão à média, pode explicar as distribuições observadas de salários, taxas de retorno sobre ativos e renda de propriedade.

Preocupações sobre a distribuição de renda frequentemente se concentram nas médias (ou seja, renda per capita) de um subconjunto da população. Medidas de pobreza geralmente se concentram nas rendas das camadas mais baixas, como nas medidas de taxa de pobreza utilizadas por governos e instituições internacionais de desenvolvimento, ou no conceito de crescimento compartilhado adotado pelo Banco Mundial, que se concentra no crescimento de renda dos 40% mais pobres (Banco Mundial, 2016). No outro extremo, considerável atenção tem sido dada às rendas dos 20%, 10% ou mesmo 1% mais ricos da população (Alvaredo et al., 2013). Neste artigo, utilizamos a formulação "dois grupos" da EPTC para demonstrar que as rendas per capita dos vários subgrupos da população em um país são proporcionais ao produto de apenas duas variáveis: PIB per capita $(\bar{y})$ e $(1-G)$, onde G é o coeficiente de Gini, com uma constante de proporcionalidade que depende apenas do subgrupo em consideração. Por exemplo, no caso da renda per capita dos 80% mais pobres $(\bar{y}[80])$, que chamamos de Renda da Vasta Maioria (VMI), a teoria prevê uma constante de proporcionalidade na faixa de 1,15 a 1,20 para domicílios com 1 e 2 assalariados, respectivamente, enquanto para a renda per capita dos 70% mais pobres $\bar{y}(70)$, o coeficiente previsto estaria na faixa de 0,97 a 1,01, ou seja, essencialmente 1 (Tabela 1). Isso implica que a renda per capita dos 70% mais pobres é simplesmente $\bar{y}(1-G)$. É interessante notar que Sen (1976) usou a teoria tradicional do bem-estar para derivar uma medida de bem-estar social $\bar{y}(1-G)$ como uma medida ajustada para a desigualdade de renda per capita, que foi então usada nos Relatórios de Desenvolvimento Humano de 1991 a 1993 (PNUD, 1991; PNUD, 1993). Do nosso ponto de vista, o uso da medida de Sen é equivalente a avaliar o progresso nacional em termos da renda per capita dos 70% mais pobres. No entanto, chegamos a essa medida e suas propriedades a partir de uma base completamente diferente. A relação anteriormente mencionada $\bar{y}(70) = \bar{y}(1-G)$ também implica que $G = \frac{\bar{y} - \bar{y}(70)}{\bar{y}}$, ou seja, que o coeficiente de Gini é uma medida da distância entre a renda per capita média e a dos 70% mais pobres. Esta é uma interpretação inovadora do coeficiente de Gini. Finalmente, mostramos na seção teórica do artigo que o coeficiente de Gini é uma função linear da participação da renda de propriedade na renda nacional líquida, o que acaba tendo implicações importantes para a interpretação do argumento de Piketty (Shaikh, 2017).

Utilizamos o Banco de Dados Mundial de Desigualdade de Renda para demonstrar que nossos resultados teóricos possuem forte respaldo empírico em todos os países disponíveis e em todos os anos disponíveis. Por exemplo, em todos os países, desde a Noruega até o Níger, e em todos os anos de 1977 a 2014, as rendas per capita dos 80% mais pobres da população (VMI) apresentam coeficientes de acoplamento próximos ao valor teoricamente previsto de 1.1, e as rendas per capita dos 70% mais pobres têm coeficientes de acoplamento muito próximos ao valor teoricamente previsto de 1.0. Finalmente, embora a teoria EPTC não privilegie nenhuma renda per capita em particular, mostramos que a VMI possui propriedades teóricas e empíricas especiais que aumentam sua importância social e política.

2 | ECONOFÍSICA E DESIGUALDADE DE RENDA

A econofísica é uma das vertentes mais antigas da economia analítica, remontando a 1897 (Yakovenko & Rosser, 2009, p. 2). É amplamente reconhecido que "distribuições de renda e riqueza de vários tipos podem ser obtidas como soluções em estado estacionário de processos estocásticos" (Kleiber & Kotz, 2003, p. 14). No entanto, há pouco consenso sobre quais funções de distribuição de probabilidade (pdf) melhor representam os dados disponíveis. Uma abordagem recente dentro da "econofísica" caracteriza a distribuição de renda geral como a união de duas pdfs distintas, com a curva exponencial aplicável aos primeiros 97%–99% da população de assalariados individuais e a Pareto ou alguma outra lei de potência aplicável aos 1%–3% mais ricos (Dragulescu & Yakovenko, 2002, pp. 1–2). Isso leva a uma aproximação da curva de Lorenz geral como uma média ponderada de uma curva exponencial aplicável à grande maioria da população e um termo fixo que entra em vigor no nível mais alto para dar conta do rabo de Pareto (Silva & Yakovenko, 2004, p. 6). Essa formulação resulta em uma forte relação entre renda e desigualdade, que se mostra empiricamente muito robusta em uma grande amostra de dados internacionais.

\[ IR(x)\equiv \frac{\bar{y}(x)}{\bar{y}} = \frac {\sum_{i=1}^{x}\frac{Y_i}{Y}}{\sum_{i=1}^{x}\frac{X_i}{X}} = \frac{\frac{\sum_{i=1}^{x}Y_i}{\sum_{i=1}^{x}X_i}}{\frac{Y}{X}} = \frac{y(x)}{x}\hspace{1cm} (1) \]






O primeiro passo nessa direção é observar que a renda per capita $\bar{y}(x)$ de qualquer proporção da população reflete tanto a renda per capita média quanto o grau de desigualdade. Se designarmos a população e a renda do i-ésimo fractil (quintil ou decil) por $X_i$ e $Y_i$ respectivamente, então para a economia como um todo, a população total é $X = \sum_{i=1}^{n}X_i$, a renda total é $Y = \sum_{i=1}^{n}Y_i$ e a renda per capita é $\bar{y} = \frac{Y}{X}$. Seja x a porcentagem cumulativa da população à qual corresponde uma população total $X(x) = \sum_{i=1}^{x}X_i$, renda total $Y(x) = \sum_{i=1}^{x}Y_i$ e renda per capita $\bar{y}(x) = \frac{Y(x)}{X(x)}$. Mas a proporção cumulativa da população é em si mesma $x = \sum_{i=1}^{x}\frac{X_i}{X}$ e a proporção de renda cumulativa correspondente é $y(x) = \sum_{i=1}^{x}\frac{Y_i}{Y}$. Consequentemente, a renda per capita dos x por cento mais baixos em relação à média nacional IR(𝑥) é igual à razão da proporção cumulativa de renda dos x por cento mais baixos da população para x em si. Isso significa que podemos calcular a renda per capita dos (digamos) 80% mais baixos da população simplesmente somando as rendas relativas até 80% e dividindo isso por 0.80.









5 | RESUMO E CONCLUSÕES

Neste artigo, começamos delineando a abordagem "dois grupos" (EPTC) da econofísica para distribuição de renda, que postula e testa a hipótese de que a distribuição global de renda é composta por duas funções de distribuição de probabilidade (pdfs): A pdf exponencial que caracteriza a distribuição de salários e vencimentos, e a pdf de Pareto que caracteriza a distribuição de renda de propriedade. A abordagem EPTC derivou uma aproximação simples para a curva de Lorenz geral correspondente, que utilizamos para demonstrar que a renda per capita de qualquer fração inferior (x) da população será proporcional à renda per capita nacional "descontada pela desigualdade" (GDPpc)*(1−Gini), por meio de um coeficiente de proporcionalidade a(x) que é exclusivamente uma função de x.

Testamos este resultado teórico em uma grande amostra de países no banco de dados WIID e mostramos que é extremamente robusto entre países e ao longo do tempo. Essas descobertas originam duas regras universais. A Regra 1.1 afirma que o VMI, a renda per capita dos 80% mais pobres da população de um país, pode ser calculada multiplicando o GDPpc descontado pela desigualdade por 1,1. Isso nos permite estimar o VMI de um país de maneira simples e precisa a partir de duas estatísticas nacionais facilmente disponíveis: o GDP per capita e seu coeficiente de Gini. Para os 70% mais pobres da população, o coeficiente correspondente é 1, o que implica que o GDPpc descontado pela desigualdade é o mesmo que a renda per capita dos 70% mais pobres. Este último resultado fornece uma abordagem alternativa à de Sen (1976) para o GDPpc ajustado à desigualdade como medida de bem-estar social.

Por fim, o uso do VMI em vez do GDPpc gera classificações internacionais diferentes dos países. Por exemplo, o VMI da Finlândia em 2014 foi 22% maior do que o dos EUA, mesmo que seu GDPpc fosse 6% menor.

Investigamos se nossas duas regras podem ser artefatos estatísticos de procedimentos de ajuste de dados e concluímos que não são. Descobrimos que resultados aproximadamente similares podem ser obtidos a partir das funções de distribuição de probabilidade e curvas comumente usadas para ajustar distribuições de renda empíricas e curvas de Lorenz. No entanto, argumentamos que essas funções e curvas são populares precisamente porque aproximam as restrições de formato decorrentes das duas pdfs distintas identificadas pela abordagem EPTC. Detalhes dessas investigações, omitidos por questões de espaço, estarão disponíveis mediante solicitação.

Três implicações principais podem ser tiradas de nossas descobertas. Primeiro, para comparações internacionais, uma medida como o VMI é preferível ao GDP, porque o VMI combina tanto os níveis de renda quanto a desigualdade em uma estatística monetária simples e intuitiva: a renda per capita dos 80% mais pobres da população. Essa medida é social e politicamente relevante da mesma forma que são as medidas de pobreza. Em segundo lugar, mostramos que, enquanto o crescimento nas rendas per capita médias e a redução na desigualdade elevam o VMI, independentemente de seus outros benefícios sociais e políticos, a redução na desigualdade tem um efeito proporcionalmente menor no VMI em países com coeficientes de Gini inferiores a 0,50 - o que, até 2014, é o caso de quase todos os países. Por fim, mostramos que a abordagem EPTC implica que o coeficiente de Gini é uma função simples da participação da renda de propriedade na renda nacional total. Em termos práticos, isso significa que o Gini será sensível a mudanças na distribuição entre renda do trabalho e renda de propriedade, mas insensível a mudanças na distribuição dentro de cada classe. Como as rendas nos 97% mais baixos da população são dominadas pela renda do trabalho, esse resultado é consistente com a conhecida insensibilidade do Gini a mudanças distribucionais na faixa média.


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