quarta-feira, 22 de novembro de 2023

A Lógica do Capital: Introdução à Teoria Econômica Marxista - Deepankar Basu

BASU, Deepankar. The logic of capital: An introduction to marxist economic theory. Cambridge University Press, 2022.

Livro original em inglês disponível aqui.

Sumário

1 Introdução 1

    1.1 Motivação 1

    1.2 Organização do Livro 4

    1.3 O Que é Diferente Neste Livro 11

    1.4 Como Usar Este Livro 14

Parte I - Fundamentos

2 Algumas Questões Metodológicas 19

    2.1 Rota de Marx para a Economia Política 19

    2.2 A Estrutura do Capital 40

3 Geração e Acumulação de Valor Excedente 47

    3.1 A Mercadoria 48

        3.1.1 Valor de Uso, Valor de Troca e Valor

        3.1.2 Aspectos Qualitativos do Valor

        3.1.3 Aspectos Quantitativos do Valor

            Trabalho Complexo

            Trabalho Socialmente Necessário

            Trabalho Social

            Produtividade do Trabalho

            Intensidade do Trabalho

        3.1.4 Teoria do Valor-Trabalho: Resumo e Implementação

        3.1.5 Um Modelo Simples de Produção

            Trabalho Complexo

            Produtividade do Trabalho

            Intensidade do Trabalho

        3.1.6 Comparando o Valor ao Longo do Tempo e entre Países

            Leituras Adicionais

    3.2 Forma Monetária do Valor 77

        3.2.1 Dinheiro como Equivalente Universal

        3.2.2 Funções do Dinheiro

            Meio de Circulação

            Meio de Pagamento

        3.2.3 Formas de Dinheiro

            Dinheiro Mercadoria

            Dinheiro em Papel Inconvertível

            Dinheiro de Crédito

        3.2.4 Expressão Monetária do Valor

            Definição e Medição

            Um Exemplo

        3.2.5 Desvio Preço-Valor

        3.2.6 Comparando Magnitudes Monetárias ao Longo do Tempo e entre Países

        3.2.7 Uma Taxa de Câmbio Marxista para a Troca Internacional

        3.2.8 Fetichismo da Mercadoria

        3.2.9 Método de Análise de Longo Prazo

            Distribuição do Trabalho e Valor de Troca

            Um Exemplo

    3.3 Capital, ou Valor Autovalorizante 100

        3.3.1 Duas Formas de Circulação

        3.3.2 Valor Excedente

            O Circuito do Capital

            Processo de Trabalho

            Processo de Valorização

        3.3.3 Força de Trabalho como uma Mercadoria

            Como a Força de Trabalho é Reproduzida?

            Quais Trabalhos Considerar na Avaliação?

            Duas Definições do Valor da Força de Trabalho

            Valor Excedente e Exploração

        3.3.4 Alguma Terminologia e Três Razões

        3.3.5 Estimativas para o Setor Manufatureiro Organizado da Índia

    3.4 Produção sob o Capitalismo 125

        3.4.1 Valor Excedente Absoluto e Relativo

            Duração do Dia de Trabalho

            Produtividade do Trabalho

            Intensidade do Trabalho

            Exemplos

        3.4.2 Evolução da Produção

        3.4.3 Subsunção Formal e Real

    3.5 Acumulação de Capital 135

        3.5.1 Exército de Reserva de Trabalho

            A Questão Teórica

            Resposta de Ricardo

            Resposta de Marx

            Flutuações no Exército de Reserva de Trabalho

            Componentes do Exército de Reserva de Trabalho

        3.5.2 Exército de Reserva de Trabalho na Economia dos EUA

            Dados

            Medidas Alternativas

            Tendências e Padrões

    3.6 Acumulação Primária de Capital 156

    3.7 Conclusão 158

    3.A Apêndice A: Redução do Trabalho Complexo para o Simples 160

        3.A.1 A Intuição

        3.A.2 Modelo Simples

        3.A.3 Modelo Geral

            Produção de Mercadorias

            Produção de Habilidades

            Resolução de Valores e Coeficientes de Redução

3.A.4 Implicações sobre Renda e Salário

    3.B Apêndice B: Comparação do MEV ao Longo do Tempo e do Espaço 166

    3.C Apêndice C: Trabalho como Substância do Valor 170

        3.C.1 O Argumento Negativo

        3.C.2 Crítica Neoclássica e Resposta

        3.C.3 Crítica Sraffiana e Resposta

        3.C.4 Crítica Marxista Analítica e Resposta

        3.C.5 O Argumento Positivo

            Poder de Classe e Trabalho

            Poder da Classe Capitalista e Valor

4 Realização do Valor Excedente 179

    4.1 Circulação do Capital 180

    4.2 O Problema da Demanda Agregada 192

    4.3 Base de Uso-Valor na Reprodução do Capital 194

    4.4 Conclusão 207

5 Distribuição do Valor Excedente 209

    5.1 Surgimento dos Preços de Produção 211

    5.2 Desvio: Mudança Técnica 220

    5.3 Lucro Comercial 228

    5.4 Trabalho Produtivo e Improdutivo 232

    5.5 Juros e Capital Fictício 241

    5.6 Renda da Terra 248

    5.7 Estimativas do Valor Excedente e Seus Componentes 263

    5.8 Conclusão 267

Parte II Explorações Adicionais em Economia Política

6 Capitalismo e Mudança Técnica 273

    6.1 Mudança Técnica 275

    6.2 Mudança Técnica Progressiva e Capitalismo 281

    6.3 Mudança Técnica e Taxa de Lucro 283

    6.4 Um Limiar Marx-Okishio 285

    6.5 Taxa Constante de Exploração 291

    6.6 Conclusão 294

7 O Problema da Transformação 296

    7.1 Ricardo, Marx e Bortkiewicz 298

    7.2 A Interpretação Padrão 302

    7.3 Crítica Baseada em Sraffa 324

    7.4 Respostas Marxistas à Crítica Baseada em Sraffa 325

    7.5 A Nova Interpretação 326

    7.6 Três Abordagens Menos Atraentes 335

    7.7 Conclusão 341

    7.A Apêndice A: Tratamento Geral 344

    7.B Apêndice B: Código R para Exemplos Discutidos no Texto 363

8 Exploração e Opressão 372

    8.1 Teorias de Exploração 373

    8.2 Uma Crítica ao Teorema de Exploração da Mercadoria 389

    8.3 Múltiplas Explorações? 399

    8.4 Exploração e Justiça Distributiva 401

    8.5 Conclusão 407











Figuras

3.1 Trabalho concreto e abstrato 56

3.2 Representação visual da metáfora de Marx sobre o dia de trabalho dividido entre trabalho necessário e excedente 117

3.3 Representação visual da metáfora de Marx sobre o dia de trabalho expandido para levar explicitamente em conta o componente não mercantil da força de trabalho 119

3.4 Gráficos de séries temporais da taxa de exploração, da OCC e da taxa de lucro para o setor manufatureiro organizado da Índia, de 1981-82 a 2016-17 122

3.5 O mercado de trabalho em uma economia capitalista típica 140

3.6 Quatro medidas do exército de reserva de trabalho na economia dos EUA pós-guerra, de 1948 a 2016 150

3.7 Quatro medidas do exército de reserva de trabalho, como proporção da força de trabalho, na economia dos EUA pós-guerra, de 1948 a 2016 153

3.8 Gráficos de séries temporais da expressão monetária do valor (EMV) para a economia dos EUA, de 1964 a 2018 168

4.1 O circuito do capital 186

5.1 Categorias de atividades sociais 234

5.2 Representação do produto marginal do investimento em capital nas parcelas de terra i-ésima e j-ésima 253

5.3 Renda da terra na agricultura na parcela de terra i-ésima medida em unidades de milho 256

5.4 Renda da terra na agricultura na n-ésima parcela (ou seja, parcela de pior qualidade) medida em unidades de milho 258

5.5 Decomposição da renda da terra na agricultura na parcela de terra i-ésima, medida em unidades de milho, quando o aluguel é especificado como um pagamento monetário único 261

5.6 Componentes do valor excedente no setor CB dos EUA, de 1948 a 2018 265

5.7 Componentes do valor excedente no setor NFCB dos EUA, de 1948 a 2018 267

5.8 Componentes do valor excedente no setor manufatureiro organizado da Índia, de 1981-82 a 2016-17 268

6.1 A relação entre mudança técnica progressiva e mudança técnica capitalisticamente viável 282

6.2 Gráfico de dispersão para o setor CB dos EUA entre 1979 e 2019 de (a) a diferença entre a taxa de salário real em anos consecutivos e o limiar Marx-Okishio para esse ano e (b) a mudança na taxa de lucro 290

Tabelas

3.1 Exército de reserva de trabalho na economia dos EUA pós-guerra 152

4.1 Três estágios do circuito 185

4.2 Exemplo de reprodução simples de Marx 196

4.3 Primeiro exemplo de reprodução expandida de Marx 199

5.1 Taxas desiguais de lucro 217

5.2 Taxas igualadas de lucro e preços de produção 218

5.3 Valor adicionado no setor CB dos EUA (bilhões de USD) 264

1. Introdução

1.1 Motivação

A crise econômica global desencadeada pela crise financeira nos Estados Unidos em 2007 reavivou movimentos políticos críticos em relação a muitos aspectos prejudiciais do sistema capitalista, como a desigualdade de renda e riqueza, o peso injusto da dívida estudantil, disparidades no acesso à moradia e cuidados de saúde, opressão racial e discriminação de imigrantes, tratados comerciais e de investimento desiguais, e políticas de austeridade econômica. Paralelamente ao crescimento desses movimentos políticos, houve um interesse crescente - entre ativistas, acadêmicos e o público em geral - em correntes de pensamento social e político crítico que possam dar sentido a tais questões e oferecer alternativas ao sistema capitalista-imperialista injusto e explorador. É nesse contexto que houve um renascimento do interesse pelo marxismo, uma das correntes mais consistentemente radicais do pensamento social crítico, que oferece um quadro coerente e abrangente para entender o mundo social em que vivemos.

O marxismo é uma síntese criativa de três correntes de pensamento europeias do século XIX - a filosofia clássica alemã, a economia política britânica e o socialismo francês. Ele oferece uma teoria da história, denominada concepção materialista da história ou materialismo histórico, que coloca a compreensão das condições materiais de vida no centro da análise histórica. Para entender tanto a estrutura da sociedade em um determinado momento quanto a lógica das mudanças históricas em larga escala, o marxismo nos pede para começar a partir de uma compreensão de como a produção e reprodução da vida material estão organizadas. Ao estudar a produção e reprodução da vida material, o marxismo presta atenção tanto à tecnologia, o que chama de forças produtivas, quanto às relações que as pessoas estabelecem durante o processo de produção, que chama de relações de produção. Partindo das relações de produção, ele explica a estrutura das instituições políticas e legais da sociedade burguesa moderna; e, partindo da contradição entre as forças e relações de produção, expressa por meio dos conflitos das classes sociais fundamentais, ele explica as mudanças históricas em larga escala nos domínios político e social da vida.

Guiado por esta poderosa teoria da história, que ele desenvolveu na primeira fase de seus estudos no meio do século XIX, Marx passou o resto de sua vida desenvolvendo uma análise detalhada da produção e reprodução da vida material nas economias capitalistas. A imagem mais completa e abrangente dos resultados desse estudo ao longo da vida sobre a estrutura e dinâmica do capitalismo está disponível nos escritos econômicos maduros de Marx, especialmente nos três volumes de "O Capital". Nesta obra, concebida e elaborada ao longo de mais de uma década, encontramos uma análise surpreendentemente relevante do capitalismo. Suas páginas oferecem um quadro coerente para entender uma variedade de questões contemporâneas - desde a exploração dos trabalhadores até a globalização da produção, desde a centralidade da mudança tecnológica implacável no capitalismo até a degradação do trabalho e a desumanização dos trabalhadores, desde as brutalidades da acumulação primária de capital até as frenesias especulativas do sistema financeiro, desde o poder dos interesses rentistas até a despoluição da natureza.

Neste livro, apresento uma exposição e extensão do argumento desenvolvido por Marx nos três volumes de "O Capital". Ao apresentar a exposição do argumento de Marx, desejo atingir simultaneamente dois objetivos. Em primeiro lugar, quero prestar atenção cuidadosa ao texto - os três volumes de "O Capital" - para apresentar as linhas gerais do argumento de Marx. Mas, no meu envolvimento com o texto de "O Capital", o principal objetivo é extrair o núcleo analítico dos argumentos de Marx. Portanto, enquanto sigo o texto de perto e forneço citações relevantes dos três volumes, este livro inclina-se muito mais para a análise do que para a exegese. No final, minha motivação, ao me envolver com o texto de Marx, é a necessidade de reconstruir a lógica do argumento de Marx, para que ele se torne uma ferramenta para a análise do capitalismo contemporâneo. Portanto, este livro não é uma contribuição para a história do pensamento econômico, mas deve ser lido como uma contribuição para a análise político-econômica contemporânea a partir de uma perspectiva marxista.

Meu segundo objetivo é aproveitar o trabalho de estudiosos marxistas posteriores para estender, aprofundar e enriquecer a economia política de Marx. Ao desenvolver o argumento dos três volumes de "O Capital", em vários pontos, vou me envolver com o trabalho de estudiosos marxistas posteriores para iluminar algumas questões importantes que Marx não discutiu ou discutiu apenas parcialmente. Três áreas de trabalho que geraram uma literatura enorme na teoria econômica marxista ao longo das últimas décadas serão discutidas em grande detalhe: a relação entre valor e preço, conhecida como o chamado problema da transformação; a relação entre mudança técnica e lucratividade, conhecida como o teorema de Okishio; e a teoria da exploração. Também vou pausar em diferentes pontos e indicar ao leitor algumas maneiras frutíferas de se envolver com debates e discussões contemporâneas dentro do quadro da economia política marxista. Aqui está uma visão geral rápida de alguns desses pontos.

• No argumento de Marx no Volume I sobre mais-valia e capital, um lugar importante é ocupado pela compreensão do valor da mercadoria única chamada força de trabalho. Uma maneira muito proveitosa de se envolver com o feminismo e entender a opressão das mulheres é explorar a literatura marxista-feminista sobre força de trabalho e reprodução social. Apresento uma discussão sobre força de trabalho na seção 3.3.3.

• O argumento de Marx no Volume I sobre o efeito das relações sociais capitalistas na organização e tecnologia da produção oferece um ponto de entrada interessante para discussões sobre uma variedade de questões contemporâneas: alienação do trabalho, degradação do trabalho e desqualificação dos trabalhadores; as raízes da crise ecológica contemporânea; e a mercantilização do conhecimento e da informação. Uma discussão das características da produção sob o capitalismo é apresentada na seção 3.4.

• A discussão de Marx sobre a acumulação primitiva de capital no final do Volume I encontra ressonância nos debates contemporâneos sobre acumulação primitiva e acumulação por expropriação sob o capitalismo neoliberal. Essa discussão é especialmente relevante para as lutas populares contra a expropriação na periferia do sistema capitalista global. Para uma introdução à discussão da acumulação primitiva de capital, consulte a seção 3.6.

• A discussão de Marx sobre a circulação de capital no Volume II tem o potencial de se tornar um quadro para a análise dos problemas de dinâmica macroeconômica das economias capitalistas - um quadro diferente tanto dos frameworks neoclássicos quanto dos keynesianos. Discuto algumas dessas questões no Capítulo 4.

• O argumento de Marx sobre o desenvolvimento das finanças e do capital fictício no Volume III oferece um quadro útil para pensar sobre o crescimento do setor financeiro e os problemas associados de instabilidade financeira e crise no capitalismo contemporâneo. Uma introdução às ideias de Marx sobre renda de juros e capital fictício pode ser encontrada na seção 5.5.

• A discussão de Marx sobre a renda da terra no Volume III pode ser um ponto de entrada muito bom para o estudo do aluguel no capitalismo contemporâneo e pode ser aplicada ao estudo dos setores de petróleo e gás natural, preços imobiliários e dinâmica do mercado imobiliário. Também pode lançar luz sobre discussões sobre 'aluguel' no setor do conhecimento. Para uma introdução a uma apresentação inovadora da teoria de Marx sobre renda da terra, consulte a seção 5.6.

1.2 Organização do Livro

Este livro está dividido em duas partes. A primeira parte, chamada Fundamentos, apresenta o principal argumento desenvolvido por Marx nos Volumes I, II e III de O Capital; ela consiste em quatro capítulos, do Capítulo 2 ao 6. A segunda parte, chamada Explorações Adicionais em Economia Política, aprofunda-se em três debates importantes e de longa data na economia política marxista: capitalismo e mudança técnica, valor e preços, e exploração e opressão. A segunda parte é composta por três capítulos, do Capítulo 7 ao 9.

1.2.1 Parte I do Livro

O Capítulo 2 é o capítulo introdutório na primeira parte do livro. Ele familiariza os leitores com algumas questões metodológicas por meio de uma discussão sobre a trajetória de Marx na economia política e a estrutura de sua obra madura, O Capital. Após concluir seu doutorado em Filosofia em 1841 e incapaz de obter uma posição acadêmica devido ao seu ativismo político, Marx voltou-se para o jornalismo. Como colaborador e mais tarde editor do jornal radical-democrático Rheinische Zeitung, Marx foi confrontado com questões de 'interesse material'. Seu treinamento anterior em literatura, jurisprudência e filosofia não o havia preparado suficientemente para lidar com tais questões. Foi uma consciência aguda dessa lacuna que o impulsionou para um engajamento ao longo da vida com a economia política.

Podemos dividir a vida acadêmica de Marx em duas fases: a primeira abrangendo o início da década de 1840 e a segunda, iniciada no início da década de 1850 até o fim de sua vida em 1883. Na primeira fase de seu envolvimento inicial com a economia política, Marx desenvolveu duas ideias metodológicas importantes: o método dialético e a concepção materialista da história. Na segunda fase de sua vida acadêmica, que foi focada principalmente em estudos econômicos, essas ideias metodológicas continuaram a guiar sua pesquisa e seu pensamento. A importância dessas ideias metodológicas reside em seu papel em identificar tanto o objeto quanto o método de estudo para o Marx maduro. A concepção materialista da história sugeriu o objeto de estudo: a estrutura e dinâmica do capitalismo. A dialética sugeriu o método de estudo: desdobrar a contradição entre capital e trabalho. Mas o objeto e o método não sugeriram automaticamente a melhor maneira de apresentar os resultados de sua pesquisa ao público em geral.

Marx foi claro que a apresentação de sua análise não seguiria necessariamente o surgimento de formas e relações da vida econômica na história. Pelo contrário, a apresentação correta exigiria que ele descobrisse as relações da vida econômica à medida que se apresentavam nas sociedades capitalistas contemporâneas. Suas pesquisas metodológicas sugeriram que a melhor maneira de apresentar sua pesquisa seria prestar atenção a diferentes níveis de abstração. Esse método de apresentação é regularmente usado por cientistas, onde características de uma entidade complexa são abstraídas, ou seja, ignoradas como uma primeira aproximação, para descobrir o que o pesquisador considera como os processos fundamentais em funcionamento. Nessa forma abstraída, a lógica fundamental da entidade complexa é explicada. Como segunda etapa, as características que foram abstraídas são reintroduzidas na análise, e então tentamos entender como a lógica fundamental funciona, ou é modificada, pela presença dessas características.

A apresentação de Marx segue esse método. É por isso que sua obra econômica madura, O Capital, passou a ser organizada em dois níveis de abstração: (a) um alto nível de abstração chamado 'capital em geral', onde a competição entre capitais e relações de crédito é abstraída - este é o nível em que os Volumes I e II estão localizados e (b) um nível mais concreto designado como 'muitos capitais', que considera explicitamente a competição e o crédito - este é o nível em que a análise no Volume III reside. Dentro dessa estrutura em camadas e usando a mais-valia como o conceito central, podemos ver que os Volumes I, II e III lidam, respectivamente, com a geração, realização e distribuição de mais-valia. Juntos, os três volumes de O Capital apresentam um argumento integrado e abrangente sobre a estrutura e dinâmica do capitalismo.

O Capítulo 3 deste livro desenvolve o principal argumento do Volume I de O Capital. Colocado no nível de abstração de 'capital em geral', Marx investiga três grandes questões no Volume I: (a) Qual é a origem da mais-valia? (b) Qual é o uso da mais-valia? (c) Qual é a lógica do surgimento de um sistema de produção social que se baseia na geração e acumulação de mais-valia? Para entender a geração de mais-valia, precisamos primeiro entender o valor; e para entender o valor, precisamos entender a mercadoria. É por isso que Marx começa o Volume I de O Capital com uma investigação sobre a mercadoria - a forma básica de riqueza em uma economia capitalista. A mercadoria apresenta dois aspectos: valor de uso e valor de troca. A análise desses dois aspectos leva ao conceito de valor e ao desenvolvimento da teoria do valor-trabalho, que, por sua vez, dá origem ao conceito de dinheiro. Com uma compreensão do dinheiro, Marx é então capaz de colocar a questão do capital - que é apenas outra maneira de colocar a questão da geração de mais-valia. Um dos argumentos-chave desenvolvidos por Marx no Volume I é que a mais-valia é a expressão monetária do trabalho não remunerado dos trabalhadores - assim, o capitalismo repousa na exploração da classe trabalhadora. Uma vez que entendemos como a mais-valia é gerada, somos levados à pergunta: O que a classe capitalista faz com a mais-valia? A resposta: reinveste a mais-valia na geração de mais mais-valia, um processo referido por Marx como a acumulação de capital. A análise da acumulação de capital leva Marx a desenvolver o importante conceito de exército de reserva de trabalho, ou o que ele chama de população relativa excedente, e destaca os efeitos degradantes das condições capitalistas de produção sobre os trabalhadores. Uma vez que entendemos a geração e acumulação de mais-valia, podemos então colocar a pergunta que Marx investiga no final do Volume I: Como um sistema governado pelo intercâmbio incessante entre a geração e acumulação de capital surge em primeiro lugar? Marx oferece o conceito de 'acumulação primitiva de capital' para responder a essa pergunta. No cerne desse processo, argumenta Marx, está a separação forçada dos produtores primários (camponeses) de seus meios de produção (terra) - um processo que vemos sendo replicado na periferia do sistema capitalista global contemporâneo.

O Capítulo 3 possui três apêndices que lidam com algumas questões importantes na teoria do valor-trabalho. No Apêndice 3.A, discuto a questão da redução do trabalho complexo ao trabalho simples. Isso é conceitualmente importante porque, sem um procedimento consistente para comparar o trabalho qualificado e o não qualificado, um pesquisador não conseguirá calcular magnitudes de valor agregado. No Apêndice 3.B, apresento uma discussão detalhada de um conceito importante desenvolvido no capítulo principal: a expressão monetária do valor. Este é um conceito importante que Marx implicitamente assumiu em sua análise econômica, e são apenas estudiosos posteriores, como Duncan Foley, que destacaram sua importância na economia marxista. No Apêndice 3.C, volto a uma discussão detalhada da pergunta: por que Marx destacou o trabalho e o utilizou como base para a teoria do valor? Apresento argumentos negativos e positivos em apoio à afirmação de que o trabalho deve ser usado como a substância (social) do valor. Também apresento críticas comuns à teoria do valor-trabalho e ofereço respostas marxistas a essas críticas.

O Capítulo 4 deste livro apresenta o argumento principal do Volume II de O Capital. Ao analisar a geração e acumulação de mais-valia no Volume I de O Capital, Marx havia abstraído da questão da demanda agregada, ou seja, em que condições a mercadoria produzida pelo sistema capitalista pode ser vendida por um preço que realiza seu valor total (e mais-valia)? Marx retorna a essa questão sobre a realização de valor no Volume II de O Capital. Como as mercadorias realizam seu valor por meio da venda, Marx inicia sua análise no Volume II de O Capital com um tratamento geral da circulação de capital, ou seja, venda e compra de mercadorias como um meio de realizar mais-valia. O tratamento geral da circulação permite a Marx investigar duas questões importantes - o padrão temporal do fluxo de valor e as proporcionalidades agregadas entre diferentes ramos de produção necessários para facilitar a reprodução suave de todo o sistema capitalista. Ao investigar a primeira questão, Marx desenvolve a análise do circuito de capital; ao abordar a segunda questão, Marx desenvolve os esquemas de reprodução. Neste capítulo, discuto os esquemas de reprodução em detalhes. Esses esquemas representam uma elaboração de ideias sobre ligações setoriais que foram primeiramente desenvolvidas pelos fisiocratas na França do século XVIII. Eles destacam as relações proporcionais que precisam ser mantidas entre ramos que produzem meios de produção e meios de consumo para garantir a reprodução suave do sistema agregado. As análises tanto do circuito de capital quanto dos esquemas de reprodução têm sido pontos de entrada frutíferos para análises de tendências de crise nas economias capitalistas. No Capítulo 4, forneço um tratamento algébrico dos esquemas de reprodução de Marx e mostro como os problemas numéricos nos exemplos que Marx usou para estudar a reprodução expandida, ou seja, uma economia capitalista em expansão, podem ser facilmente corrigidos.

O Capítulo 5 deste livro apresenta o argumento principal do Volume III de O Capital, que trata da distribuição da mais-valia. O argumento de Marx sobre a distribuição e redistribuição da mais-valia é desenvolvido em dois passos. No primeiro passo, Marx explica como a mais-valia total gerada na produção e realizada através da venda é distribuída entre os setores da economia envolvidos na produção capitalista de mercadorias pela emergência de uma taxa de lucro uniforme e preços de produção. O mecanismo subjacente a esse primeiro passo na distribuição da mais-valia é a concorrência entre os capitais, manifestada como a mobilidade de capital entre setores em busca de taxas de lucro mais altas. O argumento sobre a emergência dos preços de produção, por sua vez, passa por dois níveis de abstração. No nível mais alto de abstração, abstraímos do capital comercial, ou seja, capital apenas envolvido no comércio, mas não na produção (entendido de forma ampla). Após desenvolver o argumento nesta configuração simplificada, retornamos ao argumento e incorporamos o capital comercial à análise para ver que o processo competitivo leva à divisão da mais-valia total entre capital industrial e comercial na forma de lucro industrial e lucro comercial, respectivamente. No segundo passo do argumento sobre a distribuição da mais-valia, Marx mostra que a mais-valia realizada como lucro industrial ou comercial é redistribuída em duas correntes de renda. Uma parte do lucro industrial (ou comercial) é apropriada pelos capitalistas monetários como juros, sendo a parte da mais-valia restante com o capital industrial conhecida como lucro empresarial. Outra parte é apropriada pelos proprietários de recursos não reproduzíveis, como terra, na forma de renda da terra. Em ambos os casos, o mecanismo-chave que facilita essas últimas apropriações de mais-valia pelos capitalistas monetários (como juros) ou proprietários de recursos (como renda da terra) é o processo de negociação entre diferentes facções da classe dominante.

Ao final da Parte I deste livro, o leitor estará familiarizado com os detalhes do argumento de Marx nos três volumes de O Capital. O leitor será capaz de perceber que o capitalismo é um sistema explorador, assim como as sociedades anteriores divididas em classes foram, no sentido preciso que Marx desejava que entendêssemos. A exploração no capitalismo surge do excedente, na forma de mais-valia, sendo apropriada por uma pequena parte da sociedade, a classe capitalista, que então decide sobre sua disposição. O leitor será capaz de entender como o exército de reserva de mão de obra não é uma anomalia do capitalismo, mas sim uma característica necessária do sistema. O leitor será capaz de ver não apenas como o capitalismo pode resolver problemas de demanda agregada mantendo a correta proporcionalidade entre os ramos da produção, mas também que tais soluções são temporárias, de modo que as tendências de crise sempre pairam no horizonte. E, finalmente, o leitor será capaz de distinguir a mais-valia das diferentes formas que ela assume, o que ajudará a reforçar a ideia de que, não importa qual forma a renda das facções da classe dominante assuma, lucro, juros ou aluguel, sua fonte última é a mais-valia, ou seja, o trabalho não remunerado dos trabalhadores.



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