quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Crescimento e Distribuição - D. Foley, T. Michl e D. Tavani

FOLEY, Duncan K.; MICHL, Thomas R.; TAVANI, Daniele. Growth and distribution. Harvard University Press, 2019.

Sumário

1 Introdução 1

    1.1 Crescimento Econômico em Perspectiva Histórica 1

    1.2 Qualidade e Quantidade 3

    1.3 Relações Humanas 4

    1.4 Teorias Econômicas de Crescimento 5

    1.5 Utilização Deste Livro 9

    1.6 Leituras Sugeridas 10

2 Medindo o Crescimento e a Distribuição 13

    2.1 Medindo a Produção e os Insumos 13

    2.2 Tempo e Produção 17

    2.3 Observações Sobre Unidades 18

    2.4 Tecnologia no Mundo Real 19

    2.5 Os Usos da Produção: Investimento e Consumo 21

    2.6 A Programação da Taxa de Crescimento do Consumo Social 23

    2.7 A Distribuição de Renda: Salários e Lucros 25

    2.8 A Programação da Taxa de Salário Real e Taxa de Lucro 26

    2.9 Participações de Renda 28

    2.10 A Programação de Crescimento-Distribuição 31

    2.11 Mudanças na Produtividade do Trabalho e do Capital 33

    2.12 Comparando Economias 36

    2.13 Liderança Econômica Global 37

    2.14 Crescimento da Produtividade do Trabalho em Economias Reais 39

    2.15 Fatos Estilizados 42

    2.16 Leituras Sugeridas 43

3 Modelos de Produção 45

    3.1 Estruturas Contábeis e Modelos Explicativos 45

    3.2 Um Modelo de Produção 46

    3.3 Agentes e Distribuição 48

    3.4 Matriz de Contabilidade Social 49

    3.5 Escolha de Técnica e Funções de Produção 52

    3.6 Funções de Produção Específicas 57

    3.7 Classificação da Mudança Técnica 64

    3.8 Programações de Crescimento-Distribuição de Dois Setores 67

    3.9 Modelos de Produção e Modelos de Crescimento 72

    3.10 Leituras Sugeridas 72

4 O Mercado de Trabalho 75

    4.1 Modelos de Crescimento Econômico 75

    4.2 Demanda por Trabalho 77

    4.3 O Modelo Clássico Convencional de Salário 78

    4.4 O Modelo Neoclássico de Pleno Emprego 82

    4.5 Rumo a um Modelo de Crescimento Econômico 86

    4.6 Crescimento em Economias Reais 86

    4.7 Leituras Sugeridas 88

5 Modelos de Consumo e Poupança 89

    5.1 Um Modelo de Consumo-Poupança de Dois Períodos 91

    5.2 Um Modelo de Horizonte Infinito 95

    5.3 O Modelo de Taxa de Poupança Constante 99

    5.4 Taxas de Poupança e Taxas de Crescimento 100

    5.5 Leituras Sugeridas 102

6 Modelos Clássicos de Crescimento Econômico 103

    6.1 O Modelo Clássico Convencional de Salário 103

    6.2 Dinâmica Comparativa no Modelo Convencional de Salário 106

    6.3 Mudança Técnica Economizadora de Trabalho no Modelo Clássico 108

    6.4 Escolha de Técnica no Modelo Clássico 113

    6.5 Um Modelo Clássico de Crescimento com Pleno Emprego 115

    6.6 Escolha de Técnica no Modelo Clássico de Pleno Emprego 118

    6.7 Crescimento e Ciclos 120

    6.8 A Abordagem Clássica ao Crescimento 125

    6.9 Leituras Sugeridas 126

7 Mudança Técnica Induzida, Crescimento e Ciclos 127

    7.1 A Hipótese de Invenção Induzida 127

    7.2 Mudança Técnica Induzida no Modelo Clássico de Pleno Emprego 131

    7.3 Ciclos de Crescimento com Mudança Técnica Induzida 132

    7.4 Dinâmica Comparativa 135

    7.5 Conclusões 136

    7.6 Leituras Sugeridas 137

8 Mudança Técnica Viés no Modelo Clássico 139

    8.1 O Modelo Clássico de Salário Convencional com Mudança Técnica Viés140

    8.2 Viabilidade da Mudança Técnica 143

    8.3 Mudança Técnica Viés e a Função de Produção Fóssil 145

    8.4 O Modelo Clássico de Pleno Emprego com Mudança Técnica Viés de Marx 149

    8.5 Mudança Técnica Viés de Marx Reversa 152

    8.6 Uma Visão do Crescimento Econômico 157

    8.7 Leituras Sugeridas 158

9 Mudança Técnica Endógena 159

    9.1 Mudança Técnica em uma Economia Capitalista 159

    9.2 Aprendizado por Fazer 159

    9.3 Investimento em P&D na Mudança Técnica 162

    9.4 Quanto P&D? 165

    9.5 Crescimento de Estado Estável Sem Efeitos Persistentes do P&D 167

    9.6 Crescimento de Estado Estável com Efeitos Persistentes do P&D 168

    9.7 Efeitos Persistentes do P&D com uma Taxa de Salário Convencional 170

    9.8 Leituras Sugeridas 172

10 O Modelo de Crescimento Neoclássico 175

    10.1 O Modelo Solow-Swan 175

    10.2 A Função de Produção Intensiva 176

    10.3 Poupança, População e Crescimento de Estado Estável 177

    10.4 O Modelo Solow-Swan e a Programação de Crescimento-Distribuição 182

    10.5 O Modelo Completo 184

    10.6 Substituição e Distribuição 186

    10.7 Dinâmica Comparativa 188

    10.8 Dinâmica de Transição 190

    10.9 Limitações do Modelo Solow-Swan 192

    10.10 Leituras Sugeridas 193

11 Mudança Técnica no Modelo Neoclássico 195

    11.1 Mudança Técnica e a Função de Produção 195

    11.2 O Modelo Solow-Swan com Mudança Técnica Neutra de Harrod 197

    11.3 Contabilidade do Crescimento 199

    11.4 Interpretações Clássicas e Neoclássicas do Residual 204

    11.5 Dinâmica Comparativa no Modelo Solow-Swan 205

    11.6 Dinâmica de Transição no Modelo Solow-Swan 209

    11.7 Leituras Sugeridas 213

Apêndice: Derivação da Equação de Convergência 213

12 Crescimento Econômico Limitado pela Demanda 215

    12.1 A Crise Global 215

    12.2 Medindo Choques de Demanda 216

    12.3 Poupança, Investimento e Produção 218

    12.4 Um Modelo de Crescimento Limitado pela Demanda 220

    12.5 Equilíbrio no Modelo Limitado pela Demanda 224

    12.6 Dinâmica Comparativa no Modelo Limitado pela Demanda 227

    12.7 Crescimento Liderado por Lucros ou por Salários? 230

    12.8 Longo Prazo ou Curto Prazo? 233

    12.9 A Curva Distributiva 237

    12.10 A Contribuição Keynesiana para a Teoria do Crescimento 239

    12.11 Leituras Sugeridas 240

Apêndice: O Modelo Marglin-Bhaduri 241

13 Crescimento Limitado por Terra 243

    13.1 Recursos Não-Reproduzíveis 243

    13.2 Estado Estacionário de Ricardo 244

    13.3 Produção com Terra 246

    13.4 O Problema de Decisão do Capitalista com Terra 248

    13.5 O Princípio da Arbitragem 250

    13.6 Condições de Equilíbrio 251

    13.7 O Regime de Terra Abundante 253

    13.8 O Regime de Terra Escassa 254

    13.9 Da Abundância à Escassez de Terra 255

    13.10 Lições do Modelo Limitado por Terra 258

    13.11 Leituras Sugeridas 260

14 Recursos Esgotáveis 261

    14.1 Crescimento com um Recurso Esgotável 261

    14.2 Produção com um Recurso Esgotável 262

    14.3 Poupança e Escolha de Portfólio 265

    14.4 O Caminho de Crescimento 266

    14.5 Recursos Esgotáveis no Mundo Real 269

    14.6 Leituras Sugeridas 270

15 Capitalismo Corporativo 271

    15.1 Contabilidade na Economia Capitalista Corporativa 272

    15.2 Ações e o Problema de Decisão do Capitalista 276

    15.3 Equilíbrio entre Investimento e Poupança 279

    15.4 O Modelo Capitalista Corporativo 281

    15.5 Preços das Ações e o Mercado de Ativos 283

    15.6 Regime Capitalista Rentista 284

    15.7 Regime Capitalista Gerencial 286

    15.8 Regime Capitalista Híbrido 288

    15.9 Poupança Corporativa e o Rendimento do Patrimônio 291

    15.10 Propriedade e Controle 293

    15.11 Uma Aplicação 294

    15.12 Leituras Sugeridas 296

16 Dívida do Governo e Previdência Social: O Modelo de Gerações Sobrepostas 297

    16.1 Finanças do Governo e Acumulação 297

    16.2 Restrições Orçamentárias do Governo e Privadas 298

    16.3 Poupança e Consumo com Famílias Egoístas 301

    16.4 Contabilidade no Modelo de Gerações Sobrepostas 304

    16.5 Um Modelo de Crescimento de Gerações Sobrepostas Clássicas 305

    16.6 Um Modelo de Crescimento de Gerações Sobrepostas Neoclássicas 309

    16.7 Eficiência de Pareto no Modelo de Gerações Sobrepostas 311

    16.8 Análise da Previdência Social e dos Déficits Orçamentários 316

    16.9 Previdência Social no Modelo de Gerações Sobrepostas 318

    16.10 Dívida do Governo no Modelo de Gerações Sobrepostas 325

    16.11 Lições do Modelo de Gerações Sobrepostas 327

    16.12 Leituras Sugeridas 327

17 Modelos de Acumulação de Riqueza de Duas Classes 329

    17.1 Poupança de Trabalhadores e Capitalistas 330

    17.2 Contabilidade nos Modelos de Duas Classes 331

    17.3 Acumulação com Salário Convencional 333

    17.4 Acumulação no Modelo de Pleno Emprego 339

    17.5 Distribuição de Riqueza nos EUA 346

    17.6 Conclusões 348

    17.7 Leituras Sugeridas 349

Apêndice: Estabilidade no Modelo de Pleno Emprego 349

18 Aquecimento Global 351

    18.1 Aquecimento Global e Crescimento Econômico 351

    18.2 Produção com Emissões de Gases de Efeito Estufa 354

    18.3 Poupança e Escolha de Portfólio 357

    18.4 O Caminho de Crescimento com Tecnologia de Combustíveis Fósseis 359

    18.5 O Caminho de Crescimento com Tecnologia Solar 363

    18.6 Crescimento Coordenado com Aquecimento Global 364

    18.7 Caminhos de Crescimento Ótimos e de "Business as Usual" 369

    18.8 Controle Econômico Centralizado e Descentralizado 372

    18.9 Leituras Sugeridas 373

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Introdução

O crescimento econômico é a marca registrada de nossa época histórica. Ele financia e direciona a contínua revolução na tecnologia que constantemente transforma nossas vidas sociais e pessoais. A preeminência política dos Estados-nação e o surgimento de instituições supranacionais têm suas raízes no processo de crescimento econômico. O crescimento sem precedentes e o envelhecimento da população mundial são, em grande parte, resultado do crescimento econômico, assim como o declínio relativo da agricultura e a predominância da produção industrial e pós-industrial centrada nas cidades. O poder político e militar nacional e a influência refletem cada vez mais o desempenho econômico relativo. As práticas econômicas transformaram as relações sociais e as crenças ideológicas. Os grandes desafios que percebemos para o futuro, incluindo a proteção de nosso patrimônio ambiental e a preservação da justiça social em um mundo polarizado entre riqueza e pobreza, surgem dos efeitos do crescimento econômico.

Neste livro, apresentamos teorias que os economistas desenvolveram nos últimos 200 anos para analisar e explicar vários aspectos do crescimento econômico e o movimento das economias ao longo do tempo de forma mais geral. Como pano de fundo para essas teorias, revisamos neste capítulo introdutório parte da história social do crescimento econômico.

1.1 Crescimento Econômico em Perspectiva Histórica

A história humana mostra uma lenta melhoria na tecnologia e produtividade desde os períodos mais antigos dos quais sabemos algo. Essa melhoria parece ter ocorrido em ondas distintas, pontuadas por saltos rápidos, como a adoção da agricultura sedentária, o surgimento de cidades, o estabelecimento do comércio marítimo de longa distância, e assim por diante. A população humana na Terra cresceu muito lentamente, se é que cresceu, nos mil anos antes de 1500 d.C. Por volta do século XV na Europa, vemos uma aceleração notável no ritmo de mudança social e tecnológica, assim como na taxa de crescimento da população. Essa aceleração foi marcada pelo crescimento das vilas e cidades, a disseminação do comércio de bens e dinheiro, a crescente importância da riqueza investida no comércio capitalista e na produção nas cidades em relação à riqueza tradicional da terra, e um foco sistemático na melhoria das tecnologias de produção e transporte. No século XVI, as sociedades europeias mais avançadas se tornaram precursores reconhecíveis dos Estados-nação capitalistas. Durante esse período, as pessoas começaram a ver o comércio e a produção como fontes centrais de influência e poder nacional. O fenômeno do crescimento econômico, com seus problemas e promessas, havia chegado.

No final do século XVIII, esses desenvolvimentos passaram por outra aceleração acentuada com o surgimento, especialmente na Grã-Bretanha, da industrialização. A escala da produção aumentou dramaticamente e se concentrou em grandes cidades. Surgiu um padrão no qual a agricultura tradicional, ainda fortemente baseada nas necessidades de subsistência locais, deu lugar à agricultura voltada para o mercado, deslocando grandes números de pobres rurais, à medida que terras comuns e florestas eram apropriadas por grandes proprietários de terras e convertidas na produção de mercadorias comercializáveis. Os pobres rurais deslocados se mudaram para vilas e cidades, tornando-se tanto a força de trabalho assalariada necessária para operar indústrias em rápido crescimento, quanto a massa dos pobres urbanos. Esses desenvolvimentos econômicos precipitaram grandes migrações de pessoas, não apenas do campo para as cidades, mas de continente para continente. O crescente poder econômico e militar das nações europeias avançadas do século XIX levou à corrida para criar colônias, impérios e esferas de influência em todo o mundo. Dessa forma, o fenômeno do crescimento econômico mais cedo ou mais tarde invadiu todos os cantos da Terra.

Desde suas fases iniciais, o fomento, a moldagem e a tributação do crescimento econômico foram preocupações dos politicamente poderosos. O crescimento econômico confere imensas vantagens políticas e militares às nações. A economia política surgiu como uma discussão sobre o impacto das políticas nacionais em relação ao comércio, mercados de trabalho e tributação no crescimento econômico.

Apesar do fato evidente de que o crescimento econômico mundial é um fenômeno unificado, articulado e auto-reforçador, a economia política enfatiza as diferenças nacionais na política e seu impacto nas economias nacionais. Assim, as teorias que examinaremos a seguir partem da economia nacional como ponto de partida e tratam o crescimento econômico de cada nação como uma observação experimental separada.

1.2 Qualidade e Quantidade

Nós experimentamos o crescimento econômico predominantemente como uma mudança qualitativa. O crescimento econômico nos moveu da maioria de nós vivendo em pequenas comunidades rurais onde as pessoas tinham relacionamentos pessoais ao longo da vida e empregavam técnicas simples e indiferenciadas de produção, para grandes aglomerações urbanas onde a maioria das interações é mediada pelo anonimato do mercado e nos especializamos em aspectos minúsculos de uma tecnologia incrivelmente complexa para produzir. O crescimento econômico significa produtos e serviços qualitativamente novos: ferrovias, aviões e automóveis; aparelhos elétricos e eletrônicos; rádio, televisão, telefones e computadores; anestesia, raios-X e ressonâncias magnéticas.

Mas apesar da constante mudança nas mercadorias efetivamente produzidas e nas técnicas através das quais as pessoas as produzem, o crescimento econômico reproduz as mesmas relações sociais básicas em uma escala quantitativa cada vez maior. O crescimento econômico capitalista surge da organização da produção em empresas ou empreendimentos específicos, que reúnem trabalhadores humanos e os meios de produção de que precisam para transformar insumos disponíveis no mercado em produtos comercializáveis. A produção capitalista se baseia no aumento quantitativo do valor monetário do produto por meio do processo de produção, na medida em que o produto comercializado vale mais do que os insumos que foram consumidos para produzi-lo. Esse valor agregado aparece como salários dos trabalhadores que efetivamente transformam os insumos em produtos e os lucros, juros e aluguéis que constituem a renda dos proprietários capitalistas de fábricas e máquinas, dinheiro e recursos naturais, incluindo a terra. O crescimento econômico é financiado pelas decisões dos capitalistas de reinvestir parte de suas rendas para permitir que a produção ocorra em uma escala maior.

No entanto, o reinvestimento dos lucros na expansão da produção capitalista sempre envolve uma mudança qualitativa na técnica de produção e nas mercadorias efetivamente produzidas. A maior escala de produção é realizada com máquinas um tanto diferentes, em locais diferentes, com trabalhadores treinados e organizados de maneira diferente. Em uma escala maior, são possíveis melhorias e adaptações da produção. No processo de crescimento econômico, o aspecto quantitativo da simples expansão da produção através do reinvestimento das receitas de lucro e o aspecto qualitativo da mudança nos produtos e nas vidas dos produtores do produto estão inextricavelmente entrelaçados.

Embora as teorias baseadas em matemática da economia política enfatizem os aspectos quantitativos do crescimento econômico, é importante não perder de vista as profundas mudanças qualitativas que se seguem.

1.3 Relações Humanas

O ciclo auto-reforçador do crescimento econômico capitalista não pode se estabelecer sem mudanças profundas nas maneiras como as pessoas se relacionam umas com as outras. A constante expansão e a mudança ininterrupta da produção capitalista exigem uma força de trabalho flexível que pode ser rapidamente realocada, expandida e reduzida. Antes do surgimento do capitalismo, essas mudanças simplesmente não poderiam ocorrer: os trabalhadores estavam ligados aos seus empregadores como escravos ou à terra que trabalhavam como servos. O crescimento econômico capitalista repousa sobre o trabalhador livre, que pode aceitar ou recusar empregos, mudar de cidade para cidade e de país para país em resposta aos incentivos das diferenças salariais e que assume a responsabilidade final por sua própria sobrevivência e reprodução. A preocupação do trabalhador livre é controlar a imensa insegurança que o trabalho assalariado traz consigo. Assim, na economia mundial capitalista, a grande maioria da população se torna mão de obra livre que trabalha por salário. Como os trabalhadores são livres, e seus salários são regulados apenas pelas oscilações da concorrência, alguns prosperam e outros se encontram à margem da existência. Por outro lado, a organização do trabalho em escala nacional e mundial exige o emprego separadamente flexível de fábricas, máquinas e instalações de transporte. Este é o domínio do capital, enormes concentrações de dinheiro disponíveis para financiar a produção.

Os proprietários e gerentes de capital têm interesses muito diferentes dos trabalhadores. Salários e rendimentos de lucro dividem o valor agregado da produção, de modo que capital e trabalho muitas vezes se encontram em lados opostos de questões de política social que afetam o nível de salários. O capital busca uma força de trabalho flexível e adaptável, um objetivo que vai contra o desejo dos trabalhadores por estabilidade e segurança em seu emprego e condições de vida.

A teoria econômica política que examinamos neste livro se concentra no impacto da distribuição de renda entre trabalhadores e capitalistas nos aspectos quantitativos do crescimento econômico e no impacto do crescimento na distribuição.

1.4 Teorias Econômicas do Crescimento

Adam Smith, cuja obra "Uma Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações" (Smith 1937 [1776]) marca um ponto de virada crucial no desenvolvimento da economia política, estava principalmente preocupado com o crescimento econômico. Na visão de Smith, os aspectos centrais do crescimento econômico eram a divisão do trabalho, a separação dos processos de produção em tarefas menores que podem ser atribuídas a especialistas, e a extensão do mercado, o crescimento da população, renda e das facilidades de transporte e comunicação que permitem que mais produtos sejam vendidos. A divisão do trabalho aumenta a produtividade do trabalho à medida que o trabalho se torna mais especializado em tarefas específicas, e à medida que máquinas podem ser desenvolvidas para assumir os aspectos rotineiros da produção. Smith vê o progresso tecnológico como um aspecto da divisão do trabalho cada vez maior. A crescente divisão do trabalho e a ampliação do mercado são tendências mutuamente reforçadoras na visão de Smith, uma vez que um mercado mais amplo possibilita uma divisão do trabalho mais detalhada, e um maior grau de divisão do trabalho aumenta a produtividade e rendas, incentiva investimentos em transporte e o crescimento populacional, e assim amplia o mercado. Os dois fenômenos estão ligados através de um conjunto de feedbacks positivos em um ciclo instável de desenvolvimento em espiral ascendente. Smith pensava que os governos deveriam tentar fomentar esse processo garantindo a propriedade, fornecendo serviços jurídicos baratos e segurança nacional, e de outra forma se mantendo fora das decisões privadas sobre investimento (a política agora conhecida como laissez-faire). Ele argumenta que o ciclo de crescimento é virtuoso, pois beneficia tanto os trabalhadores quanto os capitalistas (uma versão da economia de gotejamento): os capitalistas estarão livres para buscar a máxima rentabilidade de seus investimentos, mas o crescimento do capital criará uma demanda por mão de obra e tende a elevar os salários dos trabalhadores também. Embora a população cresça junto com o capital no processo de crescimento, Smith pensava que ela atrasaria o suficiente para garantir um longo período de salários mais altos. Na versão de Smith, o crescimento econômico é espontâneo ou endógeno: ele tende a se espalhar como um incêndio a menos que políticas governamentais restritivas o reprimam. Estudaremos uma versão simplificada do modelo de Smith no Capítulo 6.

Thomas Malthus, cujo "Ensaio sobre o Princípio da População" apareceu pela primeira vez em 1798 (Malthus 1986), tinha uma visão consideravelmente mais sombria que a de Smith. Malthus podia ver que a acumulação de capital é um sistema de feedback auto-reforçador, mas duvidava que isso pudesse fazer algo a longo prazo pelo bem-estar dos trabalhadores. Malthus raciocinou que um aumento no salário real elevaria o padrão de vida dos trabalhadores, incentivando-os a casar mais cedo e a reduzir a mortalidade infantil entre seus descendentes, produzindo assim um aumento na população. A crescente população, por sua vez, superlotaria o mercado de trabalho, fazendo com que os salários reais voltassem a cair ao ponto em que a mortalidade infantil e casamentos mais tardios estabilizassem o crescimento populacional. O salário real neste equilíbrio demográfico constituiria um nível de salário natural em torno do qual os salários reais só poderiam flutuar temporariamente.

David Ricardo, em seus "Princípios de Economia Política e Tributação", publicado em 1817 (Ricardo 1951), retomou as ideias de Malthus sobre população e salário real e as combinou com sua própria teoria de que o aluguel surge da oferta limitada de terra fértil. Na visão de Ricardo, o ciclo virtuoso de Smith estava condenado à extinção, pois a acumulação de capital e o crescimento populacional eventualmente utilizariam toda a terra fértil, os preços dos alimentos subiriam e as taxas de lucro cairiam a zero no que ele chamou de estado estacionário. Os métodos de análise de Ricardo tiveram uma imensa influência no pensamento posterior sobre economia política. Em particular, Ricardo enfatizou as divisões de classe da sociedade capitalista industrial primitiva. Os trabalhadores, com salários deprimidos ao mínimo compatível com a reprodução pelas forças malthusianas, não tinham excedente disponível para poupar. Os proprietários de terras, remanescentes da aristocracia feudal, dissipavam suas rendas no apoio a dependentes e clientes para vantagem política e status social. Os capitalistas, por outro lado, forçados pela concorrência entre si a acumular tanto de suas rendas quanto possível, eram o motor da acumulação de capital e crescimento. No entanto, à medida que as taxas de lucro caíam como resultado do aumento dos aluguéis e salários com o crescimento populacional, Ricardo argumentava que o motor capitalista de crescimento seria sufocado por uma queda na taxa de lucro. Trabalhamos o raciocínio de Ricardo em termos modernos no Capítulo 13.

Karl Marx publicou o primeiro volume de sua obra "O Capital" (Marx 1977) em 1867, após passar sua juventude no desenvolvimento de uma filosofia revolucionária do materialismo histórico. Marx, juntamente com seu parceiro próximo Friedrich Engels, via o segredo da história humana nas formas pelas quais classes específicas controlavam o produto excedente de suas sociedades. Em uma sociedade baseada na escravidão, por exemplo, os proprietários de escravos controlavam todo o produto dos produtores escravos e podiam usar o excedente sobre a manutenção necessária dos escravos para perpetuar o sistema. Senhores feudais obrigavam os servos a trabalhar uma certa proporção de cada semana em seus próprios campos, proporcionando assim um produto excedente (os servos providenciando para suas próprias necessidades cultivando suas próprias terras o resto da semana) que lhes permitia manter exércitos para combater uns aos outros e reprimir os servos. Cada forma de sociedade tem seu próprio nível de desenvolvimento e sua própria estrutura de classe característica, do ponto de vista do materialismo histórico de Marx, e um entendimento claro dessas relações humanas é a chave para entender a sociedade e sua história.

Marx viu na descrição de Ricardo sobre o capitalismo industrial um exemplo perfeito de uma sociedade de classes. Por possuírem os meios de produção (fábricas, terras e assim por diante), os proprietários de terras e os capitalistas estavam em posição de apropriar-se do tempo de trabalho excedente dos trabalhadores na forma de lucros monetários e aluguéis, o que Marx chamava de mais-valia. No entanto, Marx discordava da visão de Ricardo de que os retornos decrescentes ao capital e ao trabalho devido à terra limitada eventualmente levariam a acumulação de capital a uma parada através do aumento dos aluguéis e salários. Marx adotou uma visão mais smithiana, argumentando que o gênio histórico do capitalismo é sua progressividade tecnológica, reforçada pela pressão sobre cada capitalista para encontrar inovações técnicas de redução de custos para se manter à frente de seus concorrentes. Assim, Marx pensava que o capitalismo sempre poderia superar os retornos decrescentes aos recursos limitados de terra encontrando tecnologias mais baratas. O que levaria à queda na taxa de lucro, Marx argumentava, era que essas tecnologias mais baratas usariam cada vez mais capital por trabalhador, reduzindo assim a taxa de lucro. No final, segundo Marx e Engels, o próprio sucesso do capitalismo em aumentar a produtividade do trabalho levaria à sua substituição por uma organização socialista de produção sem classes, na qual a escassez teria sido eliminada. Alguns elementos da teoria de Marx sobre o progresso técnico subjazem à discussão sobre os padrões de crescimento econômico no Capítulo 8. A teoria de Marx sobre a mudança técnica induzida é a inspiração para os modelos do Capítulo 7.

Desviando-se das explosivas questões sociais e políticas que a teoria clássica do crescimento parecia conduzir, economistas marginalistas focaram sua atenção na eficiência estática da alocação econômica e na tendência dos mercados de igualar custos marginais e benefícios marginais através da sociedade. As crises do século XX das duas Guerras Mundiais e a Grande Depressão levantaram novamente as questões sobre a estabilidade e as tendências de longo prazo do crescimento econômico.

Roy Harrod (Harrod 1939) argumentou que o processo de crescimento econômico era inerentemente problemático por duas razões. Primeiro, a taxa de crescimento necessária para absorver a poupança da sociedade em projetos de investimento (que Harrod chamou de taxa de crescimento garantida) só por acaso igualaria a taxa subjacente de crescimento da população ajustada pela taxa de aumento da produtividade do trabalho (que Harrod chamou de taxa de crescimento natural). Este é o problema da existência de Harrod. Segundo, se a taxa de crescimento real excedesse a taxa garantida, a escassez crônica de mão de obra, aumentos salariais e inflação perturbariam o processo de crescimento, mas se a taxa de crescimento real fosse inferior à taxa garantida, a economia entraria em um ciclo de desemprego crescente, estagnação e deflação. Este é o problema da estabilidade de Harrod. Nós examinamos uma extensão modernizada do modelo de Harrod no Capítulo 12.

O problema da existência de Harrod foi abordado pelo modelo de crescimento neoclássico seminal de Robert Solow. Solow argumentou que a possibilidade de substituição de capital por trabalho ao longo da isoquanta de uma função de produção agregada poderia ajustar a taxa garantida para qualquer nível da taxa de crescimento natural. Nós detalhamos o modelo de Solow nos Capítulos 10 e 11.

Enquanto os economistas neoclássicos geralmente aceitavam os argumentos e métodos de Solow como resolvendo as questões básicas da análise do crescimento econômico, economistas trabalhando nas tradições Keynesiana, Marxista e Ricardiana, liderados por Joan Robinson, criticaram fortemente o modelo neoclássico. O ponto central da controvérsia era a suposição de Solow de que existia uma função de produção agregada bem-comportada que poderia resumir as possibilidades de substituição de capital por trabalho na economia como um todo. Os críticos argumentaram que o capital era apenas a avaliação de mercado de uma enorme gama de diferentes bens de capital: conforme a taxa de salários muda, os preços de todos esses bens podem sofrer qualquer padrão de mudança, dependendo da estrutura exata de seus custos de produção. No final, não há garantia, segundo os críticos, de que uma taxa de salário mais baixa levará a um menor valor de capital por trabalhador ou mais emprego para um dado estoque de valor de capital acumulado, como prevê a análise da função de produção neoclássica. Uma vez que Solow e seu apoiador neste debate, Paul Samuelson, lecionavam no M.I.T. em Cambridge, Massachusetts, e Joan Robinson e muitos de seus apoiadores lecionavam ou eram estudantes na Universidade de Cambridge na Inglaterra, este debate é conhecido como a controvérsia do capital de Cambridge. Embora os neoclássicos tenham concedido a possibilidade teórica dos efeitos das mudanças salariais nos valores de capital apontados por seus críticos, eles argumentaram que essas possibilidades eram relativamente improváveis ​​nas economias reais e continuaram a assumir que uma função de produção agregada daria uma boa aproximação ao comportamento das economias reais.

As controvérsias das teorias contemporâneas de crescimento e capital criam um dilema para nós ao escrever este livro. Qual abordagem básica devemos usar ao estabelecer e desenvolver teorias de crescimento? Escolhemos resolver esse dilema apresentando a estrutura básica da teoria de produção e capital nos Capítulos 2 e 3 em termos da programação de crescimento-distribuição, um ponto de partida flexível que é consistente tanto com modelos neoclássicos quanto não neoclássicos, e que nos permite explicar o que está em questão na controvérsia do capital. Ao longo da maior parte deste livro, usamos modelos de produção com apenas um único bem produzido que pode servir tanto como um bem de consumo quanto ser acumulado como capital. Sob essa suposição particular, não pode haver divergência entre as conclusões dos modelos neoclássicos e não neoclássicos na área da teoria do capital, e focamos a atenção em diferentes teorias de oferta de trabalho, poupança, disponibilidade de recursos, geração de demanda e mudança técnica.

Nosso objetivo ao apresentar a teoria do crescimento através da perspectiva da programação de crescimento-distribuição é destacar as percepções que tanto as teorias clássicas quanto neoclássicas de crescimento econômico alcançaram e introduzir o leitor à fascinante variedade de questões econômicas e conceitos que a teoria do crescimento levanta.

1.5 Usando Este Livro

Para instrutores que estão planejando um curso baseado neste livro (ou leitores planejando navegá-lo), temos algumas sugestões que podem ajudar. As ferramentas e conceitos centrais usados ao longo do livro são apresentados nos Capítulos 2–5, que fornecem um ponto de partida lógico. O Capítulo 5 explica a escolha de consumo e poupança intertemporal de um agente usando o método Lagrangiano. Alguns podem achar o nível de matemática aqui desafiador e optar por tratar este capítulo como leitura opcional sem perder a capacidade de acompanhar o resto do livro. Como usamos uma função de utilidade logarítmica, a solução para o problema de consumo sempre tem uma forma simples e intuitiva: os agentes consomem uma fração constante de sua riqueza. Continuamos com a utilidade logarítmica e essa função de consumo transparente ao longo do livro para que os leitores possam seguir o argumento sem dominar o método Lagrangiano.

Os Capítulos 6, 10 e 12 apresentam versões básicas dos modelos de crescimento Clássico, neoclássico e Keynesiano, com ênfase nas escolhas de modelagem alternativas discutidas acima. Os leitores deverão ser capazes de discernir como visões diferentes do processo de crescimento levam a ênfases contrastantes nas relações causais-chave nessas três escolas de pensamento, além de formar sua própria opinião preliminar sobre os méritos relativos dos modelos concorrentes.

Os capítulos restantes podem ser agrupados em quatro categorias principais. Primeiro, nos Capítulos 7, 8, 9 e 11 exploramos o papel que a mudança técnica desempenha nos modelos de crescimento Clássico e neoclássico. Segundo, nos Capítulos 13, 14 e 15 exploramos a distinção entre capital e riqueza (que também inclui ativos como terras, recursos naturais ou instrumentos financeiros). Terceiro, nos Capítulos 16 e 17, introduzimos a poupança ao longo do ciclo de vida do trabalhador e exploramos a distribuição de riqueza entre trabalhadores ativos, aposentados e famílias capitalistas. Quarto, abordamos o problema do aquecimento global no Capítulo 18, usando algumas das percepções sobre o papel econômico dos recursos escassos desenvolvidos nos Capítulos 13 e 14. O Capítulo 18 explica o problema de coordenação social que subjaz ao fenômeno das mudanças climáticas globais, e o uso do método Lagrangiano neste capítulo apenas adiciona a uma apreciação mais profunda de sua lógica econômica.

Na maior parte, evitamos discussões explícitas sobre as implicações políticas das teorias de crescimento, escolhendo deixar isso para os leitores. Há vários pontos onde as questões de economia política surgem perto da superfície. Nos Capítulos 7 e 9 sobre mudança técnica induzida e endógena, uma questão natural é se políticas econômicas podem ser elaboradas que incentivem o progresso tecnológico favorecendo gastos em P&D, criando uma forte demanda agregada que permite retornos à escala smithianos, ou aumentando salários para incentivar mudanças de economia de trabalho nas técnicas de produção. O Capítulo 12 levanta a possibilidade de que, sob as circunstâncias certas, uma maior igualdade de renda pode estimular um crescimento mais rápido porque os trabalhadores tendem a consumir uma fração maior de suas rendas do que os capitalistas. O Capítulo 16 fornece as ferramentas básicas para entender a economia da dívida nacional e programas fiscais como a previdência social que são fontes perenes de controvérsia. Finalmente, o Capítulo 18 delineia o argumento central para um imposto sobre carbono ou política similar projetada para direcionar o processo de acumulação em direção à tecnologia verde e longe de uma catástrofe ecológica global.

1.6 Leituras Sugeridas

Para explorar a história da teoria econômica, um bom ponto de partida é a pesquisa fornecida por Foley (2006). Veja também o tratamento magistral da história do pensamento por Dobb (1973) e o influente artigo de Kaldor (1956), que é dedicado especificamente às teorias de crescimento e distribuição. Gram e Walsh (1980), uma exposição didática da abordagem Clássica versus a neoclássica, combina uma clara exposição formal com passagens textuais bem escolhidas de obras seminais.

O desenvolvimento inicial da teoria do crescimento é examinado no nível profissional por Hahn e Matthews (1964); para um tratamento didático acessível, experimente Jones (1976). Muitas das contribuições seminais para a teoria inicial do crescimento estão contidas em Stiglitz e Uzawa (1969). As contribuições recentes chamadas de Nova Teoria do Crescimento Endógeno estão alinhadas de certa forma com a abordagem neoclássica, como sua devoção à suposição de pleno emprego, mas diferem em sua visão da mudança técnica. A Nova Teoria do Crescimento e a teoria neoclássica são descritas em livros didáticos avançados como Acemoglu (2009), Aghion e Howitt (1998), Barro e Sala-i-Martin (2011) e Romer (2012), bem como nos textos de graduação por Jones e Vollrath (2013) e Aghion e Howitt (2009).

Três obras que influenciaram profundamente o texto atual através de sua abordagem comparativa perspicaz às teorias Keynesiana, Clássica e neoclássica de crescimento e distribuição são Harris (1978), Marglin (1984) e Taylor (2004).

2 Medindo Crescimento e Distribuição

Crescimento econômico é um aumento na produção de bens e serviços de um país. A produção é igual ao número de trabalhadores empregados na produção, o trabalho, multiplicado pela produção realizada por cada trabalhador, a produtividade do trabalho. A produtividade do trabalho depende da tecnologia, que também determina as quantidades de outros insumos para a produção — matérias-primas previamente produzidas, ferramentas, equipamentos e edifícios, bens de capital e recursos naturais, terras — requeridos por cada trabalhador. O número de trabalhadores empregados na produção, dada a tecnologia, é assim limitado pelo estoque acumulado de capital e pela terra disponível.

A taxa de crescimento econômico de um país depende, em última instância, do crescimento de sua população produtiva, de sua acumulação de estoques de bens de capital e da mudança tecnológica. Nosso objetivo neste livro é examinar cada uma dessas fontes de crescimento econômico em detalhe e explicar como sua interação resulta nos padrões que observamos nos dados empíricos.

Antes de discutirmos explicações para o crescimento econômico, precisamos ser capazes de medir e contabilizar os produtos e insumos de uma economia. Neste capítulo, apresentamos um sistema contábil que será a base para uma série de modelos que tentam explicar e analisar os vários aspectos do processo de crescimento econômico.

sábado, 7 de outubro de 2023

Economia Pós-Keynesiana - Marc Lavoie

LAVOIE, Marc. Post-Keynesian Economics: New foundations. Edward Elgar Publishing, 2022.

Sumário

1. Fundamentos da economia heterodoxa e pós-keynesiana 1

2. Teoria da escolha 75

3. Teoria da firma 128

4. Crédito, moeda e bancos centrais 193

5. Demanda efetiva e emprego 296

6. Acumulação e capacidade 370

7. Macroeconomia de economia aberta 497

8. Teoria da inflação 592

9. Considerações finais 630

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Capítulo 01 - Fundamentos da economia heterodoxa e pós-keynesiana 1

1.1 A NECESSIDADE DE UMA ALTERNATIVA

1.1.1 Ventos de Mudança

Há pouco mais de uma dúzia de anos, o mundo ocidental foi atingido pela Crise Financeira Global. Desde então, surgiram diversas iniciativas lideradas por estudantes dedicadas a ampliar o leque de teorias econômicas e abordagens às quais os estudantes de economia poderiam ter acesso. Os estudantes franceses, que já haviam iniciado um movimento de protesto em 2000, entraram em ação novamente com o Peps-économie (2013). Eles ajudaram a lançar um apelo internacional por mais pluralismo no ensino de economia, o apelo ISIPE, a Iniciativa Estudantil Internacional pelo Pluralismo na Economia. Isso foi seguido por outros movimentos estudantis, em particular o Rethinking Economics e o Exploring Economics, que fornecem informações e documentos sobre várias teorias alternativas à economia mainstream. Existem também as atividades e conferências patrocinadas pelo Instituto para uma Nova Economia (INET) e organizadas por meio das Iniciativas de Jovens Acadêmicos (YSI), bem como organizações estudantis já existentes, como a OIKOS International, dedicada à sustentabilidade, que também apoiaram o apelo por mais pluralismo na economia. Tudo isso foi acompanhado por uma explosão de várias escolas de verão com grande participação, que durante alguns dias ou até mesmo uma semana, oferecem instrução a estudantes de pós-graduação em escolas de pensamento alternativas.

A existência desses movimentos é prova de que muitos estudantes de economia desejam ir além do que geralmente lhes é ensinado na maioria dos departamentos de economia e estão se conscientizando de que existem alternativas; no entanto, também demonstra que não houve muitas mudanças na academia, além de adições marginais ao currículo.

Às vezes, as coisas foram mais encorajadoras fora da academia, com desenvolvimentos dentro de bancos centrais ou organizações internacionais. A crise levou à reconsideração de muitos dogmas na teoria macroeconômica e monetária. Talvez, o mais importante, é que levou alguns pesquisadores de grandes organizações internacionais a questionarem sua postura filosófica como um todo. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) criou a iniciativa Novas Abordagens para Desafios Econômicos (NAEC), que dá mais espaço para visões alternativas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi criticado pelo seu Escritório de Avaliação Independente por sua visão estreita e, como consequência, também tentou dar mais espaço para críticas internas. Como exemplo, Ostry et al. (2016) em um jornal do FMI dedicado a um grande público leitor, questionam se as políticas neoliberais foram superestimadas. Eles examinam duas políticas neoliberais padrão destinadas a promover o crescimento de longo prazo: primeiro, a austeridade fiscal, ou seja, a tentativa de reduzir os déficits fiscais e a dívida pública, especialmente reduzindo o tamanho dos gastos do governo (a chamada consolidação fiscal expansionista); e segundo, a remoção de restrições à mobilidade de capital entre países. Seu argumento é que essas duas políticas não aumentaram o crescimento econômico e, além disso, levaram a uma maior desigualdade de renda e riqueza. Ostry et al. (2016, p. 38) concluem que "em vez de promover o crescimento, algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, comprometendo assim a expansão duradoura". Isso representa uma mudança substancial.

Os banqueiros centrais também modificaram suas opiniões, reconhecendo agora que a meta de inflação não é uma panaceia e que podem ter reivindicado demasiada influência sobre a economia. Alguns bancos centrais, como o Banco de Reserva da Nova Zelândia, que foi o primeiro a adotar a meta de inflação, agora adotaram um mandato duplo ou se movem em direção a uma meta de inflação mais flexível. Além disso, muitos bancos centrais, em particular o Banco da Inglaterra, têm sido críticos em relação à teoria monetária padrão encontrada nos livros didáticos, como a história do multiplicador monetário e a teoria quantitativa do dinheiro, explicando assim o processo de oferta de dinheiro como os pós-keynesianos têm feito nos últimos 50 anos.

Sob a pressão de alguns banqueiros centrais, muitos componentes antigos e obrigatórios da teoria macroeconômica estão sendo questionados: a hipótese das expectativas racionais, a versão forte ou semi-forte da hipótese do mercado eficiente, a hipótese de eficiência não tendenciosa em finanças internacionais, a suposição de substituição perfeita de ativos, o teorema da equivalência ricardiana de Barro, a ideia de contrações fiscais expansionistas baseadas na "fada da confiança", a taxa natural de desemprego e sua versão NAIRU como um atrator único (ou mesmo variável no tempo) da taxa real de desemprego - a curva de Phillips de longo prazo vertical e até mesmo a curva de Phillips de curto prazo descendente (Lavoie, 2018). A Crise Financeira Global minou completamente essas hipóteses ou suposições, porque, como foi relatado por um tempo em uma seção lateral do site do Financial Times, "a crise de crédito destruiu a fé na ideologia do livre mercado que dominou o pensamento econômico ocidental por uma geração".

Além disso, o advento da crise da COVID-19, com os governos se atrevendo a incorrer em grandes déficits para sustentar a atividade econômica ou o poder de compra das famílias, modificou completamente as atitudes em relação aos déficits públicos e à dívida pública, pelo menos por um tempo. Economistas e o público perceberam que o aumento das relações entre dívida e PIB e os grandes déficits fiscais não geraram aumento das taxas de juros. Enquanto antes havia um consenso de que a política monetária era todo-poderosa, enquanto a política fiscal só deveria tentar equilibrar o orçamento, agora há o reconhecimento de que a política fiscal é uma ferramenta poderosa, especialmente quando apoiada pelas autoridades monetárias. Nesse sentido, os esforços incansáveis dos defensores da Teoria Monetária Moderna (MMT) para convencer seus pares e o público em geral de que os governos federais têm uma grande margem financeira para seguir políticas expansionistas certamente ajudaram a descartar a fobia do déficit.

1.1.2 Retratação

Críticos da economia convencional argumentam há muito tempo que as regulamentações e políticas econômicas implementadas com a crescente liberalização da economia foram baseadas em teorias econômicas errôneas e que essas teorias precisam ser abandonadas. Mas, com o advento da Crise Financeira Global e os eventos associados à crise da COVID-19, vários ex-partidários da economia mainstream mudaram de opinião e têm sido bastante críticos em relação à teoria padrão.

Talvez a recantação mais imediata e surpreendente tenha sido a de Richard Posner, um juiz e professor sênior na Faculdade de Direito da Universidade de Chicago. Posner era um rígido defensor dos mercados livres e da ideologia de Milton Friedman. Em seu livro intitulado "O Fracasso do Capitalismo", Posner (2009a) argumenta que a desregulamentação foi longe demais e que os mercados financeiros precisam ser fortemente regulamentados, porque a banca tem uma importância sistêmica que outras indústrias não têm. Em um artigo subsequente, provocativamente intitulado "Como me tornei um Keynesiano", Posner (2009b) foi além, argumentando que "aprendemos desde setembro de 2008 que a geração atual de economistas não descobriu como a economia funciona". Posner argumentou que a Teoria Geral de Keynes, apesar de sua aparente antiguidade, é o melhor guia para a crise. Robert Skidelsky (2009, p. x), o biógrafo historiador de Keynes, afirmou que, para entender a economia, era melhor não ser um economista profissional, com a vantagem de "não ter sido doutrinado para ver o mundo como a maioria dos economistas o vê!"

A crítica mais contundente à teoria macroeconômica mainstream do lado ortodoxo foi talvez feita por Willem Buiter, ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra e, admitidamente, um crítico precoce da hipótese das expectativas racionais. Em um blog agora famoso, Buiter (2009) escreveu que "o treinamento típico em macroeconomia e economia monetária recebido nas universidades anglo-americanas nos últimos 30 anos pode ter atrasado por décadas investigações sérias sobre o comportamento econômico agregado e a compreensão relevante para a política econômica". Buiter (2009) referiu-se a modelos baseados na Nova Economia Clássica e na Nova Economia Keynesiana como o tipo de modelagem que não oferece pistas sobre "como a economia funciona, muito menos como a economia funciona em tempos de estresse e instabilidade financeira".

Além dos economistas heterodoxos, como Servaas Storm (2021a), que acreditam que isso pertence ao Museu de Modelos Econômicos Improváveis, vários ganhadores do Prêmio Nobel foram bastante críticos do principal modelo macroeconômico mainstream, o modelo de Equilíbrio Geral Estocástico Dinâmico (DSGE). Robert Solow, que às vezes é considerado o pai dos modelos DSGE por causa de seu famoso modelo neoclássico de crescimento de 1956, também repudiou os modelos DSGE, afirmando que suas bases eram uma "macroeconomia tola e mais tola" (Solow, 2003) e que adicionar atritos realistas não tornava esses modelos mais plausíveis (Solow, 2008, p. 244). Solow, portanto, não acredita que os esforços recentes dos defensores do DSGE para adicionar refinamentos complexos tornarão esses modelos melhores ou mais realistas. Não surpreendentemente, Joseph Stiglitz (2015, p. 43) também argumentou que a macroeconomia teve um desempenho ruim ao longo dos anos, já que "os modelos/teorias que orientaram a política não foram meros espectadores inocentes na crise que começou em 2008. Eles desempenharam um papel crítico na criação da crise e nas respostas inadequadas a ela". Quanto a Paul Romer (2016, p. 1), ex-economista-chefe do Banco Mundial, ele provocou bastante controvérsia quando escreveu que havia "observado mais de três décadas de retrocesso intelectual" na macroeconomia, acrescentando que ela se transformara em "pseudociência", mirando explicitamente o trabalho de Robert Lucas e dos economistas da Nova Economia Clássica.

1.1.3 A Necessidade de uma Alternativa Pós-Keynesiana

O argumento apresentado aqui é que o perigo para os formuladores de políticas de seguir conselhos ruins foi amplamente aumentado pela hegemonia da economia mainstream. A dissidência é também o que é necessário para um ambiente acadêmico vibrante. É nosso dever social como economistas desenvolver uma perspectiva alternativa do sistema econômico. É nosso dever sustentar e desenvolver as tradições heterodoxas que questionam a eficiência e a estabilidade dos mercados sem restrições, como veremos nas seções seguintes. A dissidência, no entanto, deve ir além da crítica: uma alternativa positiva também deve ser apresentada. Este é o principal propósito do livro: fornecer uma visão alternativa e modelos alternativos.

Derrubar o monopólio da ortodoxia DSGE só será possível se os macroeconomistas continuarem a construir e manter modelos alternativos para informar e incentivar discussões de políticas fora do caminho trilhado pela macroeconomia mainstream. Em tudo isso, no entanto, há um aspecto positivo. O projeto de modelagem DSGE está programado para continuar seguindo o caminho em direção à irrelevância e, sendo incapaz de se corrigir, em algum momento, inevitavelmente, se chocará com essa parede chamada 'realidade econômica'. Isso pode levar décadas, mas uma vez que o choque tenha ocorrido, haverá uma demanda por abordagens alternativas, sensatas e mais humanas. Portanto, é vital manter essas iniciativas no entretanto. (Storm, 2021b, p. 114)

Alguns economistas ecléticos da corrente principal, além de Stiglitz, também reconheceram a necessidade de pontos de vista alternativos. Em uma entrevista na Revista do FMI, Blanchard abriu a porta para pontos de vista alternativos, em particular aqueles endossados por defensores de longa data da economia pós-keynesiana:

Como resultado da crise, cem flores intelectuais estão florescendo. Algumas são flores muito antigas: a hipótese de instabilidade financeira de Hyman Minsky. Modelos kaldorianos de crescimento e desigualdade. Algumas proposições que teriam sido consideradas anátema no passado estão sendo propostas por economistas "sérios": por exemplo, o financiamento monetário do déficit fiscal. Algumas premissas fundamentais estão sendo questionadas, como a separação clara entre ciclos e tendências: a histerese está fazendo um retorno. Tudo isso é para o melhor. (Blanchard, 2015)

Neste livro, desejo destacar a tradição pós-keynesiana na economia. Veremos mais adiante que essa escola de pensamento pode ser subdividida em várias vertentes. Mas, por ora, podemos dizer, como uma primeira aproximação, que essa tradição amplia e generaliza as ideias seminais desenvolvidas pelos seguidores radicais de John Maynard Keynes (daí o nome pós-keynesiana). Esses desenvolvimentos ocorreram inicialmente, em grande parte, na Universidade de Cambridge, onde Keynes estava localizado. A originalidade dessas ideias tornou-se bastante evidente na década de 1950, quando pesquisadores como Nicholas Kaldor e Joan Robinson ganharam destaque. É claro que também havia outros economistas heterodoxos famosos em Cambridge, mais notavelmente Richard Kahn e Piero Sraffa. Essa geração foi seguida por outra, composta por Luigi Pasinetti, Geoffrey Harcourt, Wynne Godley, Robert Rowthorn e Ajit Singh, que trouxeram ideias próprias, embora compatíveis com essa tradição radical de Cambridge. Contribuições de economistas externos também enriqueceram essa tradição, sendo a mais notável, certamente, a de Michał Kalecki, o economista polonês, ao qual podemos acrescentar outros, como Joseph Steindl, Augusto Graziani, Pierangelo Garegnani, Amit Bhaduri e Philip Arestis. A partir do início da década de 1970, vários economistas americanos – como Victoria Chick, Paul Davidson, Alfred Eichner, Jan Kregel, Hyman Minsky, Edward Nell e Sidney Weintraub – contribuíram de maneira singular para essa tradição e ajudaram a institucionalizar a economia pós-keynesiana. Atualmente, embora pouco reste dessa tradição na Faculdade de Economia de Cambridge (Saith, 2022), os colaboradores da economia pós-keynesiana podem ser encontrados em grande número em todo o mundo e, em certos casos, podem estar associados a outras escolas de pensamento, como foi o caso de John Kenneth Galbraith.

1.2 ECONOMIA HETERODOXA

1.2.1 Economia Heterodoxa versus Economia Ortodoxa

Neste ponto, algumas definições são necessárias. A Tabela 1.1 apresenta os nomes alternativos dados às duas amplas tradições existentes na economia. Optei por chamá-las de economia heterodoxa e economia ortodoxa; um economista que não faz parte do grupo heterodoxo, por definição, deve pertencer à ortodoxia. Veremos na próxima seção que essas duas tradições podem ser definidas por características metodológicas e crenças fundamentais. A economia ortodoxa é frequentemente chamada de economia neoclássica, marginalismo, paradigma dominante ou economia mainstream. Nas últimas duas décadas, autores como David Colander (2000) e John Davis (2006) argumentaram que todos esses termos não são sinônimos. Em particular, esses autores sustentam que trabalhos importantes dentro da tradição ortodoxa não utilizam algumas das premissas fundamentais que definem a economia neoclássica e os métodos marginalistas, referindo-se, por exemplo, à teoria dos jogos, economia experimental, economia comportamental, neuroeconomia e economia de complexidade não linear. 

Embora isso possa ser verdade, especialmente no campo da microeconomia, apesar de elementos óbvios de continuidade com o arcabouço neoclássico, é evidente que a macroeconomia, com seu uso atual do agente representativo com expectativas racionais (RARE, como John King (2012a) o chama), ainda se encontra totalmente dentro da esfera neoclássica. Portanto, até que evidências contrárias sejam realmente convincentes, não vejo problema algum em assimilar a economia ortodoxa ao paradigma neoclássico.

Ocasionalmente, usei o termo "economia não ortodoxa" ou "economia heterodoxa" em oposição à economia ortodoxa, mas, na versão de 1992 do livro, fiz referência ao "paradigma pós-clássico", em oposição ao paradigma neoclássico, também porque algumas preocupações dos economistas pós-clássicos refletiam as preocupações de economistas clássicos como Ricardo e Marx. O termo "economia política" é frequentemente sugerido, em um esforço para abranger não apenas alternativas à economia mainstream, mas também as contribuições que poderiam surgir de outros campos das ciências sociais (Stilwell, 2019). No entanto, há um risco ao escolher tal termo, pois ele também foi utilizado por autores de direita preocupados com escolha pública, comportamento eleitoral e o crescimento do setor público. Como resultado, para evitar confusões, vários autores adicionaram qualificadores ao termo. Heinrich Bortis (1997) sugeriu o nome "economia política clássico-keynesiana" para representar o que chamei de paradigma pós-clássico. Malcolm Sawyer (1989) propôs o termo "economia política radical" para identificar um pequeno subconjunto de escolas dissidentes. "Economia política institucional" e "economia política heterodoxa" também foram sugeridos por Nicolas Postel e Richard Sobel (em Labrousse e Lamarche, 2009) para descrever uma ampla gama de escolas de pensamento alternativas. Em minha opinião, todas essas denominações são aceitáveis, mas pode ser melhor evitar completamente a expressão "economia política", já que termos como "economia política crítica" ou "economia política pós-crítica" também foram utilizados por alguns marxistas. Para emular o sucesso popular da Teoria Monetária Moderna (Modern Monetary Theory), poderia ser tentador adotar o nome "economia política moderna", mas o termo já foi apropriado por políticos que desejam se apropriar da teoria neoclássica!


Edward Fullbrook (2013) sugeriu o uso de duas expressões: "economia do novo paradigma" e "economia do antigo paradigma", propondo dez características distintivas. Em seus esforços para agrupar todos aqueles frustrados com a economia ortodoxa, e como um desdobramento do movimento de economia pós-autista, Fullbrook criou a *Real-World Economics Review*, a principal publicação da *World Economics Association*. Assim, o oposto da economia ortodoxa também poderia ser chamado de "economia do mundo real".

Decidi adotar a denominação "economia heterodoxa". Ao longo dos anos, especialmente desde o final da década de 1990, mas ainda mais desde meados dos anos 2000, o termo "economia heterodoxa" tornou-se cada vez mais popular para designar o conjunto de economistas que se veem como pertencentes a uma comunidade distinta do paradigma dominante (isso pode ser constatado ao verificar o Google Books Ngram Viewer). De fato, existe agora um extenso *Heterodox Economics Directory* (Kapeller e Springholz, 2016), que oferece informações úteis para todos os jovens pesquisadores que buscam uma alternativa à economia dominante. Como resultado, utilizarei o termo "economistas heterodoxos", conforme sugerido, em particular, por Frederic Lee (2009). Embora vários economistas heterodoxos não gostem do nome ou o considerem estranho, como mostram entrevistas, acredito, assim como muitos outros, que ainda é o melhor identificador possível (Mearman et al., 2019; Armstrong, 2020).

É possível resumir, de forma breve, a diferença entre economia ortodoxa e economia heterodoxa? Embora mais detalhes sejam abordados na próxima seção, neste momento podemos nos concentrar na definição de economia como exemplo. A definição mais aceita, presente em todos os manuais ortodoxos, é a de Lionel Robbins (1932, p. 16), que definiu a economia como "uma ciência que estuda o comportamento humano como uma relação entre fins e meios escassos que têm usos alternativos", resumindo isso ao dizer que a economia é o estudo do "comportamento condicionado pela escassez" (p. xxxi). Quando questionados, alguns de meus alunos definiram a economia neoclássica como o estudo de uma curva de oferta ascendente e uma curva de demanda descendente! Por outro lado, Lee (2013a, p. 108) define a economia heterodoxa como "uma ciência histórica do processo de provisão social". Acho essa definição um tanto ambígua e, pessoalmente, prefiro a definição oferecida por John Weeks (2012), que se opõe à definição padrão de economia baseada na escassez, propondo, em vez disso, que "a economia é o estudo do processo pelo qual a sociedade utiliza seus recursos disponíveis na produção e distribui essa produção entre seus membros".

1.2.2 Escolas de Pensamento Heterodoxas

Quem são esses economistas heterodoxos? Frederic Lee (2009, p. 7), em sua *History of Heterodox Economics*, lista o seguinte: "economia pós-keynesiana-sraffiana, marxista-radical, institucionalista-evolucionária, social, feminista, austríaca e ecológica". A Tabela 1.2 apresenta uma lista semelhante das várias escolas de pensamento que associei à economia heterodoxa no passado. Os pós-keynesianos estão listados em primeiro lugar, não por sua importância numérica, mas porque são o tema deste livro, embora seja importante destacar que os radicais/marxistas provavelmente são os mais numerosos entre os economistas heterodoxos, seguidos pelos institucionalistas.

Como veremos mais adiante, essas várias escolas de pensamento possuem características metodológicas em comum, embora isso nem sempre seja evidente, pois os membros de cada escola geralmente se especializam em diferentes campos ou oferecem diferentes tipos de críticas à economia ortodoxa, o que faz com que os contatos entre as várias escolas sejam relativamente esparsos.


Como mencionado anteriormente, a crise financeira impulsionou todas as escolas de pensamento alternativas, em especial a economia keynesiana heterodoxa. Em particular, trouxe à tona as ideias de um economista pós-keynesiano amplamente conhecido – Hyman P. Minsky – a tal ponto que jornalistas do *Wall Street Journal* e de outros jornais começaram a se referir a um "momento Minsky". Conferências sobre Minsky, organizadas pelo *Levy Economics Institute*, agora atraem até os presidentes de alguns dos bancos do Federal Reserve nos Estados Unidos. Toda essa atenção em torno de Minsky levou à publicação de novas edições de três de seus livros, que, por um período, podiam até ser encontrados em livrarias de aeroportos.

No entanto, o renascimento do pensamento econômico alternativo não se limita a isso. Ele se estende a todas as vertentes da economia heterodoxa (ver Tabela 1.2), em particular ao marxismo e à Escola de Regulação Francesa, cuja credibilidade também foi fortalecida. De fato, nas explicações da crise, há semelhanças substanciais entre os escritos de vários pós-keynesianos, especialmente daqueles preocupados com o estudo de uma economia de produção monetária, e os membros da Escola de Regulação Francesa (como Robert Boyer, Jacques Mazier, Dominique Plihon, Frédéric Lordon), da Escola de Convenções Francesa (notadamente André Orléan e seu notável livro de 1999, que foi bastante presciente), e alguns keynesianos marxistas que possuem laços estreitos com a escola pós-keynesiana (como James Crotty e Gerald Epstein nos EUA, ou Gérard Duménil e Dominique Lévy na França). Uma razão importante pela qual esses autores, provenientes de diferentes origens e tradições, têm uma compreensão comum dos eventos dos últimos 15 anos é que compartilham uma visão semelhante do que é a economia.

Os leitores podem ter notado que os Institucionalistas e os economistas comportamentais são listados na Tabela 1.2 com o qualificativo adicional "antigo". Isso ocorre porque, como veremos, parte da economia comportamental permanece dentro da tradição neoclássica, enquanto o novo Institucionalismo é uma variante da economia neoclássica. Como resultado, o antigo Institucionalismo e a antiga economia comportamental poderiam igualmente ser chamados de Institucionalismo original e economia comportamental original. Os economistas do trabalho da tradição Institucionalista original ajudaram a criar um novo campo – as relações industriais – que ainda é imune à influência neoclássica (Kaufman, 2010a). 

Os neo-austríacos aparecem com um ponto de interrogação, porque, como veremos na próxima seção, embora se considerem economistas heterodoxos, não endossam as características-chave comuns às outras escolas heterodoxas. A inclusão da modelagem baseada em agentes, que possui várias vertentes, nessa lista pode surpreender alguns leitores. Mas, após discussões com alguns desses praticantes, cheguei à conclusão de que vários modeladores baseados em agentes compartilham muitas das críticas que os pós-keynesianos fazem aos economistas neoclássicos, e que as características centrais de seus modelos são genuinamente heterodoxas. De fato, Corrado Di Guilmi (2017) demonstra que pode haver uma rica troca de ideias entre a modelagem baseada em agentes e a economia pós-keynesiana. 

Quanto à dinâmica de sistemas, Michael Radzicki (2008, p. 157) argumentou de forma convincente que os dinamistas de sistemas "veem o mundo pela mesma lente" que os Institucionalistas e os economistas pós-keynesianos. Certamente existem vínculos estreitos entre os ciclos de retroalimentação e a análise de estoques e fluxos promovidos pelos dinamistas de sistemas e a análise consistente de estoques e fluxos defendida por alguns pós-keynesianos, como pode ser observado no livro organizado por Cavana et al. (2021). A macroeconomia ecológica, em contraste com a economia ambiental, também adotou a abordagem consistente de estoques e fluxos.

1.2.3 Dissidentes e Economistas Heterodoxos

Um problema na distinção entre economia heterodoxa e ortodoxa é que alguns economistas ortodoxos, em particular os novos keynesianos como Krugman e Stiglitz, são altamente críticos de seus colegas ortodoxos. Algumas de suas críticas não são muito diferentes daquelas apresentadas por autores heterodoxos. Além disso, às vezes, as políticas econômicas que recomendam são bastante semelhantes às defendidas pelos economistas pós-keynesianos, embora com menor visibilidade. Assim, é necessário fazer uma distinção adicional, inspirada nas propostas de Roger Backhouse (2004), cujo artigo se dedica a entender as nuances entre discordância, controvérsias e dissidência na economia.

Além de heterodoxia e ortodoxia, os economistas podem ser divididos em dois grandes grupos: o mainstream e os dissidentes. O mainstream corresponde essencialmente à visão apresentada nos livros didáticos. "Sua existência como um todo intelectual coerente é geralmente mais fortemente expressa em livros didáticos de graduação avançada e de pós-graduação" (Colander et al., 2007–08, p. 306). Os dissidentes, como argumenta Backhouse (2004), são subdivididos em dois grupos adicionais: os dissidentes ortodoxos e os dissidentes heterodoxos. Esses três grupos estão representados na Figura 1.1, com os dissidentes heterodoxos à esquerda, o mainstream à direita e os dissidentes ortodoxos entre os dois grupos. Escolas de pensamento como os pós-keynesianos, os marxistas, os radicais e os institucionalistas antigos são claramente dissidentes heterodoxos. Já os dissidentes ortodoxos incluem autores como o institucionalista Oliver Williamson.

Em seu artigo sobre a natureza da economia heterodoxa e da economia neoclássica, Davis (2006, p. 27) não utiliza a terminologia proposta por Backhouse, mas parece ter isso em mente quando afirma que "a economia heterodoxa pós-1980 é uma estrutura complexa, composta de dois tipos amplamente diferentes de trabalho heterodoxo...: a heterodoxia tradicional de esquerda e a 'nova heterodoxia' resultante de importações de outras ciências". Sua "heterodoxia tradicional" corresponde à dissidência heterodoxa de Backhouse, enquanto sua "nova heterodoxia" (mais tarde chamada de "heterodoxia mainstream" em Davis (2008, p. 359)) corresponde à dissidência ortodoxa. De forma semelhante, aqueles que Colander et al. (2007–08, p. 309) chamam de "economistas heterodoxos fora do mainstream" são os dissidentes heterodoxos de Backhouse, enquanto seus "economistas heterodoxos dentro do mainstream" são os dissidentes ortodoxos de Backhouse. Lawson (2009b, pp. 93–114), sem, no entanto, usar os termos dissidência ortodoxa e dissidência heterodoxa, mas obviamente concordando com tal nomenclatura, explica em detalhes por que a nova heterodoxia de Davis não faz parte do programa heterodoxo e por que os dissidentes ortodoxos estão, ao contrário, comprometidos com o projeto metodológico seguido pelos economistas do mainstream.

Frederic Lee (2009, p. 4) também utiliza uma nomenclatura ligeiramente diferente, mais provocativa, pois se assemelha à religião — uma analogia que, no entanto, pode ser bastante adequada para a economia. Ele chama de "hereges" aqueles que Backhouse denomina dissidentes ortodoxos, enquanto os dissidentes heterodoxos são chamados de "blasfemadores". Aqui, Lee usa o termo "hereges" em um sentido diferente daquele empregado por Keynes na *Teoria Geral*. No contexto da economia, os hereges acreditam no mainstream e em sua metodologia, mas defendem modificações na doutrina. Assim, eles não representam uma ameaça real e são tolerados, especialmente se vêm dos escalões superiores da hierarquia. Por outro lado, os blasfemadores são descrentes. Eles rejeitam o núcleo do mainstream, negam sua relevância e verdade, e não têm interesse em aprimorar sua doutrina. Eles têm sua própria agenda, desvinculada do mainstream. São apóstatas, que abandonaram o mainstream completamente. São os dissidentes heterodoxos.

Assim, os economistas heterodoxos são dissidentes na economia. Porém, o conceito de dissidência é muito mais amplo do que o de heterodoxia. Os dissidentes heterodoxos dificilmente se tornarão parte do mainstream, e sua posição na hierarquia tende a permanecer precária. Por outro lado, os dissidentes ortodoxos podem se transformar em dissidentes heterodoxos ou se integrar ao mainstream, seja por vontade própria ou porque a maioria da profissão se moveu em direção às suas proposições. Backhouse oferece alguns exemplos de dissidentes ortodoxos, como a Escola Francesa de Desequilíbrio no final dos anos 1970, com Malinvaud e Bénassy. Milton Friedman foi certamente um dissidente nos anos 1950, mas suas ideias se tornaram mainstream no final da década de 1960. De forma semelhante, o modelo de Novo Consenso, agora mais conhecido como o modelo de equilíbrio geral dinâmico estocástico (*DSGE model*), baseado em uma função de reação do banco central envolvendo a taxa de juros em vez da oferta de moeda, foi inicialmente considerado como dissidência ortodoxa, mas hoje é amplamente adotado pelos pesquisadores dos bancos centrais. O próprio Keynes, com a publicação da *Teoria Geral* em 1936, provavelmente foi percebido como um dissidente ortodoxo. Como Herbert Simon (1997, p. 14) afirma: "sem a aceitação dos métodos de pensamento marginalistas, *A Teoria Geral* não teria tido o enorme e relativamente rápido impacto que teve no pensamento dos economistas do mainstream". Isso, por sinal, levanta um problema mencionado por Wladimir Andreff (1996) e por Earl e Peng (2012, p. 466): e se algumas posições dissidentes heterodoxas se tornassem o paradigma mais aceito? Ainda poderíamos chamá-las de visões heterodoxas? Esta é uma questão um tanto retórica, porque, como mencionado anteriormente, essa possibilidade parece pouco provável atualmente.

Outros exemplos de dissidência ortodoxa podem incluir o trabalho de autores tão diversos quanto Colin Camerer, Harvey Leibenstein, Dani Rodrik, Herbert Simon, Ronald Coase, Wassily Leontief, Amartya Sen, George Akerlof, Paul Krugman, Joseph Stiglitz, Robert Shiller, Richard Thaler, Oliver Williamson ou William Vickrey, sendo que a maioria deles recebeu o Prêmio Nobel de Economia. Alguns declararam explicitamente que certamente não queriam abalar o mainstream. Por exemplo, Thaler, o economista comportamental, é citado dizendo que não queria "destruir todo o aparato matemático e de ciências exatas que os economistas construíram após a Segunda Guerra Mundial" (Fox, 2009, p. 187). Outros, como Simon e Vickrey, se voltaram para a economia heterodoxa.

1.3 PRESSUPOSTOS DOS PARADIGMAS HETERODOXO E ORTODOXO

Até agora, afirmei que existem duas comunidades de economistas, heterodoxos e ortodoxos. Os filósofos da ciência chamariam esses programas de pesquisa (Imre Lakatos) de "tradições de pesquisa" (Laudan) ou "paradigmas" (Kuhn). Ambos os programas de pesquisa se estendem por todos os campos e domínios da economia; dentro de cada campo, abrangem várias teorias ou escolas de pensamento; cada teoria, por sua vez, inclui diversos modelos. Nossa tarefa nesta seção é identificar os elementos essenciais de cada um dos dois amplos programas de pesquisa, o que Leijonhufvud chamou de pressupostos de uma tradição de pesquisa, ou seja, o conjunto de crenças metafísicas compartilhadas, que não podem ser formalizadas e que são anteriores à constituição dos pressupostos que regem modelos específicos. Esses são os elementos essenciais do programa de pesquisa ou seus "meta-axiomas". São "generalidades grandiosas, algo na natureza de crenças cosmológicas" (Leijonhufvud, 1976, p. 72). Tony Lawson (2006) expressa isso ao dizer que economistas ortodoxos e heterodoxos não compartilham a mesma "ontologia": discordam sobre suas concepções prévias sobre a natureza e a estrutura da realidade.

Embora marxistas, institucionalistas, estruturalistas, evolucionistas, socioeconomistas, as escolas Francesa do Circuito e da Regulação, sraffianos e pós-keynesianos possam ter opiniões substancialmente diferentes sobre vários tópicos, como a teoria do valor ou a relevância da análise de longo prazo, acredito que compartilham as mesmas crenças metafísicas, anteriores aos elementos que constituem o núcleo duro de suas respectivas teorias. De maneira semelhante, Lawson (2009b, p. 123) argumenta que essas diversas escolas heterodoxas têm uma concepção implícita comum dos fenômenos sociais e que, em grande medida, podem ser identificadas principalmente pelo tipo de perguntas que fazem, de modo que "podemos ver as tradições separadas como divisões de trabalho". Assim, esses economistas heterodoxos estão ligados por algo além de sua aversão à economia neoclássica. Se rejeitam a teoria econômica ortodoxa, é precisamente porque ela exala pressupostos contrários às crenças metafísicas desses economistas. É por isso que se tornaram economistas heterodoxos.

Demonstrar que os economistas heterodoxos possuem pressupostos diferentes daqueles adotados pelo mainstream ajudará a responder à principal objeção à concepção de uma alternativa à economia neoclássica. Economistas do mainstream raramente compreendem por que alguém escolheria trabalhar fora do arcabouço da economia neoclássica. Muitas vezes, acredita-se que a teoria neoclássica oferece a única abordagem viável para os problemas econômicos. Aqueles que não pertencem à ortodoxia são frequentemente considerados marginalizados na ciência. O que se argumenta aqui é que existem duas tradições de pesquisa na economia, cada uma com seus próprios pressupostos, e que uma não pode ser considerada mais científica do que a outra, embora o programa de pesquisa ortodoxo seja muito mais admirado pela formalização.

Vários economistas tentaram identificar o que torna a economia heterodoxa distinta da economia ortodoxa ou neoclássica. Isso não é uma tarefa fácil, como lembra Andrew Mearman (2012a). Nos últimos 30 anos, tenho argumentado que heterodoxia e ortodoxia podem ser diferenciadas por quatro pares de pressupostos, aos quais recentemente adicionei um quinto; todos esses estão na Tabela 1.3. Esses cinco pares resultam de minha compreensão dos dois programas de pesquisa, bem como de minhas leituras de colegas economistas interessados em metodologia, alguns dos quais, como Malcolm Sawyer (1989, pp. 18–21) e Mauro Baranzini e Roberto Scazzieri (1986, pp. 30–47), sugeriram os mesmos elementos essenciais. Mais recentemente, Mark Setterfield (2003) endossou esses mesmos pressupostos. Não estou afirmando que a Tabela 1.3 representa a verdade absoluta, ou que os pares não poderiam ser reorganizados ou que novos pares não poderiam ser propostos. Estou apenas alegando que é uma maneira conveniente de descrever duas amplas visões da economia. De fato, ao tentar, *a posteriori*, verificar se esses pressupostos também se aplicavam à economia feminista e à economia ecológica, dois campos sobre os quais eu sabia pouco, descobri que esses cinco pressupostos descrevem bem essas duas tradições (Lavoie, 2003a; 2009a).



Fronteiras da Macroeconomia Heterodoxa - Arestis e Sawyer (Ed.)

ARESTIS, Philip; SAWYER, Malcolm (Ed.). Frontiers of Heterodox Macroeconomics. Springer Nature, 2019.

SUMÀRIO

1. Crítica da Nova Macroeconomia do Consenso e uma Proposta para um Modelo Macroeconômico Mais Keynesiano 1

Philip Arestis

2. Abordagem de Déficits Orçamentários, Dívidas e Dinheiro de Maneira Socialmente Responsável 45

Malcolm Sawyer

3. Avanços na Análise Pós-Keynesiana de Dinheiro e Finanças 89

Marc Lavoie

4. Por que o Colapso Financeiro Subprime Deveria Ter Sido Prevenido e Implicações para a Política Macroeconômica e Regulatória Atual 131

J. S. L. McCombie e M. R. M. Spreafico

5. Inflação: Falhas na Meta de Inflação - Uma Perspectiva Europeia 173

Elisabeth Springler

6. Modelos Dinâmicos Consistentes com Fluxo de Estoque: Características, Limitações e Desenvolvimentos 223

Emilio Carnevali, Matteo Deleidi, Riccardo Pariboni e Marco Veronese Passarella

7. Política Fiscal e Sustentabilidade Ecológica: Uma Perspectiva Pós-Keynesiana 277

Yannis Dafermos e Maria Nikolaidi

8. Estagnação Secular e Estrutura de Classe de Renda na Europa: Implicações Políticas e Institucionais 323

Salvador Pérez-Moreno e Elena Bárcena-Martín

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Capítulo 01 - Crítica da Nova Macroeconomia do Consenso e uma Proposta para um Modelo Macroeconômico Mais Keynesiano 1

Philip Arestis


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

As Longas Raízes da Crise Atual - Carchedi e Roberts

CARCHEDI, Guglielmo; ROBERTS, Michael. The long roots of the present crisis: Keynesians, Austerians, and Marx's Law. World Review of Political Economy, v. 4, n. 1, p. 86-115, 2013.

[...]

Investimentos induzidos pelo Estado e o multiplicador marxista

O argumento mais forte a favor das políticas keynesianas não é o efeito na redistribuição da renda nacional, mas o impacto dos investimentos induzidos pelo Estado. No entanto, a questão ignorada pelos keynesianos (e alguns marxistas que defendem essa política) é: quem deve financiar esses investimentos? Existem duas possibilidades: eles podem ser financiados pelo capital ou pelo trabalho. Embora a distinção seja importante do ponto de vista de quem paga por esses investimentos, o impacto na lucratividade é relativamente independente de qual classe paga inicialmente por essas políticas.

Considere os investimentos financiados pelo capital. Vamos distinguir entre o setor I, produtor de obras públicas, e o setor II, o restante da economia. Digamos que o valor excedente, S, seja apropriado (por exemplo, taxado) pelo Estado no setor II e canalizado para o setor I para a produção de obras públicas. [20] S é uma perda para o setor II e uma dedução de seu valor excedente. Após a apropriação de S pelo setor II, o Estado paga ao setor I um certo lucro, p, e adianta o restante, S−p, ao setor I para a produção de obras públicas.

[20]: Isso é uma simplificação. O Estado apropria o valor excedente, por exemplo, taxando ambos os setores. O ponto é que o setor I recebe mais valor excedente para investir do que perde para o Estado.

O estado recebe obras públicas do setor I no valor de S−p+p*, onde p* é o valor excedente gerado no setor I (seja p* igual a p ou não). O setor I realiza seus lucros porque recebeu p do estado, enquanto p* pertence ao estado. O setor II perde S, mas o setor I ganha p. Em resumo, o capital privado perde S−p para o estado, e o numerador da ARP diminui por essa quantia. Portanto, inicialmente, a ARP cai. No caso em que o trabalho financia as obras públicas por meio de impostos, a ARP aumenta porque ambos os setores capitalistas recebem uma parcela do valor do trabalho como valor excedente.

Mas, quer o financiamento das obras públicas seja feito pelo capital ou pelo trabalho, o resultado final dessas políticas na ARP dependerá do que chamamos de multiplicador marxista. [21] Para produzir obras públicas, o setor I compra a força de trabalho e os meios de produção de outras empresas em ambos os setores. Por sua vez, essas empresas fazem compras adicionais de meios de produção e força de trabalho. Esse efeito multiplicador se espalha por toda a economia.

Na hipótese mais favorável para o argumento keynesiano, os investimentos induzidos pelo Estado são suficientemente grandes para absorver os bens não vendidos e estimular a nova produção. Mas dado que as empresas envolvidas no efeito cascata têm composições orgânicas diferentes, três resultados são possíveis para a ARP.

(a) O investimento inicial do setor I (seja financiado pelo capital ou pelo trabalho) mais os investimentos adicionais induzidos por ele são tais que sua composição orgânica é igual à da economia como um todo. Então, a taxa de lucro gerada é igual à média da economia. A ARP após esses investimentos não muda. A política não consegue aumentar a ARP.

(b) Alternativamente, a cadeia de investimentos para em um ponto em que a composição orgânica de todos os capitais investidos (incluindo os iniciais) é maior do que a média. Este é o resultado mais provável, dado que novos investimentos tendem a incorporar novas tecnologias com uma composição orgânica mais alta. A ARP cai e, portanto, a política falha. A razão pela qual a composição orgânica mais alta desse agregado piora a crise é que os investimentos extras foram predominantemente para as empresas mais eficientes (aquelas com maior composição orgânica). Elas, ao venderem sua produção maior pelo mesmo preço da produção menor dos retardatários, apropriam-se de valor destes últimos e, eventualmente, os empurram para fora do mercado, piorando assim a crise.

(c) No caso oposto, em que a composição orgânica média diminui devido a esses investimentos, a ARP pode aumentar. Mas então a política keynesiana ajudou os capitais menos eficientes, aqueles com composição orgânica mais baixa (e, portanto, menor eficiência), a sobreviver. Nesse caso, essa política apenas adia a recessão em vez de encerrá-la.

O mais importante é que os três resultados possíveis não são opções de política que podem ser determinadas a priori pelo estado. Após o investimento inicial, o resultado final em termos de composição orgânica e ARP depende do funcionamento espontâneo do sistema. O estado só pode influenciar o primeiro passo, apropriando-se do valor seja do trabalho ou do capital e inicialmente comissionando investimentos públicos para capitais de composição orgânica baixa ou alta. A Figura 7 fornece um resumo da avaliação das políticas keynesianas.