CARCHEDI, Guglielmo; ROBERTS, Michael. The long roots of the present crisis: Keynesians, Austerians, and Marx's Law. World Review of Political Economy, v. 4, n. 1, p. 86-115, 2013.
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Investimentos induzidos pelo Estado e o multiplicador marxista
O argumento mais forte a favor das políticas keynesianas não é o efeito na redistribuição da renda nacional, mas o impacto dos investimentos induzidos pelo Estado. No entanto, a questão ignorada pelos keynesianos (e alguns marxistas que defendem essa política) é: quem deve financiar esses investimentos? Existem duas possibilidades: eles podem ser financiados pelo capital ou pelo trabalho. Embora a distinção seja importante do ponto de vista de quem paga por esses investimentos, o impacto na lucratividade é relativamente independente de qual classe paga inicialmente por essas políticas.
Considere os investimentos financiados pelo capital. Vamos distinguir entre o setor I, produtor de obras públicas, e o setor II, o restante da economia. Digamos que o valor excedente, S, seja apropriado (por exemplo, taxado) pelo Estado no setor II e canalizado para o setor I para a produção de obras públicas. [20] S é uma perda para o setor II e uma dedução de seu valor excedente. Após a apropriação de S pelo setor II, o Estado paga ao setor I um certo lucro, p, e adianta o restante, S−p, ao setor I para a produção de obras públicas.
[20]: Isso é uma simplificação. O Estado apropria o valor excedente, por exemplo, taxando ambos os setores. O ponto é que o setor I recebe mais valor excedente para investir do que perde para o Estado.
O estado recebe obras públicas do setor I no valor de S−p+p*, onde p* é o valor excedente gerado no setor I (seja p* igual a p ou não). O setor I realiza seus lucros porque recebeu p do estado, enquanto p* pertence ao estado. O setor II perde S, mas o setor I ganha p. Em resumo, o capital privado perde S−p para o estado, e o numerador da ARP diminui por essa quantia. Portanto, inicialmente, a ARP cai. No caso em que o trabalho financia as obras públicas por meio de impostos, a ARP aumenta porque ambos os setores capitalistas recebem uma parcela do valor do trabalho como valor excedente.
Mas, quer o financiamento das obras públicas seja feito pelo capital ou pelo trabalho, o resultado final dessas políticas na ARP dependerá do que chamamos de multiplicador marxista. [21] Para produzir obras públicas, o setor I compra a força de trabalho e os meios de produção de outras empresas em ambos os setores. Por sua vez, essas empresas fazem compras adicionais de meios de produção e força de trabalho. Esse efeito multiplicador se espalha por toda a economia.
Na hipótese mais favorável para o argumento keynesiano, os investimentos induzidos pelo Estado são suficientemente grandes para absorver os bens não vendidos e estimular a nova produção. Mas dado que as empresas envolvidas no efeito cascata têm composições orgânicas diferentes, três resultados são possíveis para a ARP.
(a) O investimento inicial do setor I (seja financiado pelo capital ou pelo trabalho) mais os investimentos adicionais induzidos por ele são tais que sua composição orgânica é igual à da economia como um todo. Então, a taxa de lucro gerada é igual à média da economia. A ARP após esses investimentos não muda. A política não consegue aumentar a ARP.
(b) Alternativamente, a cadeia de investimentos para em um ponto em que a composição orgânica de todos os capitais investidos (incluindo os iniciais) é maior do que a média. Este é o resultado mais provável, dado que novos investimentos tendem a incorporar novas tecnologias com uma composição orgânica mais alta. A ARP cai e, portanto, a política falha. A razão pela qual a composição orgânica mais alta desse agregado piora a crise é que os investimentos extras foram predominantemente para as empresas mais eficientes (aquelas com maior composição orgânica). Elas, ao venderem sua produção maior pelo mesmo preço da produção menor dos retardatários, apropriam-se de valor destes últimos e, eventualmente, os empurram para fora do mercado, piorando assim a crise.
(c) No caso oposto, em que a composição orgânica média diminui devido a esses investimentos, a ARP pode aumentar. Mas então a política keynesiana ajudou os capitais menos eficientes, aqueles com composição orgânica mais baixa (e, portanto, menor eficiência), a sobreviver. Nesse caso, essa política apenas adia a recessão em vez de encerrá-la.
O mais importante é que os três resultados possíveis não são opções de política que podem ser determinadas a priori pelo estado. Após o investimento inicial, o resultado final em termos de composição orgânica e ARP depende do funcionamento espontâneo do sistema. O estado só pode influenciar o primeiro passo, apropriando-se do valor seja do trabalho ou do capital e inicialmente comissionando investimentos públicos para capitais de composição orgânica baixa ou alta. A Figura 7 fornece um resumo da avaliação das políticas keynesianas.
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