quinta-feira, 29 de maio de 2025

Macrodinâmica Clássica - Anwar Shaikh

SHAIKH, Anwar. Capitalism: Competition, Conflict, Crises. Oxford University Press, 2016.

SUMÁRIO


I. INTRODUÇÃO

II. UMA RECONSIDERAÇÃO DA TEORIA DA DEMANDA EFETIVA

  1. As microfundamentações da demanda efetiva

  2. As implicações temporais da sequência do multiplicador

  3. O crédito como combustível e a dívida como consequência do multiplicador

  4. O significado de uma taxa de poupança constante na teoria keynesiana

  5. A relação entre a utilização efetiva e a normal da capacidade

  6. A relação entre resultados esperados e efetivos

  7. Processos de ajuste em um contexto dinâmico

  8. Demanda exógena no sistema harrodiano e o chamado Supermultiplicador Sraffiano

  9. Tendências determinísticas versus estocásticas

  10. Implicações da endogeneidade da oferta monetária para a teoria da taxa de juros

  11. Demanda agregada e o nível de preços

  12. Recursos subutilizados como fenômeno normal

III. ECONOMIA CLÁSSICA MODERNA: A CENTRALIDADE DO LUCRO

  1. O lucro regula tanto a oferta quanto a demanda

  2. Endogeneidade da taxa de poupança das empresas

  3. Lucro, financiamento do investimento e crescimento
    i. Financiamento puramente interno do investimento por cada empresa
    ii. Financiamento interno agregado do investimento pelo conjunto das empresas
    iii. Estabilidade do financiamento interno agregado
    iv. A taxa de juros não é a variável-chave de ajuste
    v. A taxa líquida de lucro aumenta com a taxa geral de lucro
    vi. Processo modificado de ajuste pela taxa de juros
    vii. Poupança das famílias
    viii. A sensibilidade da taxa de poupança das famílias à taxa de juros não altera a dinâmica
    ix. Crédito bancário privado
    x. O crédito bancário fornece a base para os ciclos
    xi. Déficits governamentais e demanda externa

  4. Resumo da dinâmica clássica
    i. Equilíbrio clássico
    ii. Propriedades do equilíbrio clássico
    iii. Nível de produto

  5. Resumo da teoria clássica do crescimento

I. INTRODUÇÃO

A macroeconomia neo-walrasiana se apoia em três premissas centrais: (1) a teoria da concorrência perfeita baseada em agentes indiferentes à demanda; (2) a afirmação de que a demanda agregada se ajusta para realizar qualquer oferta agregada dada (Lei de Say); e (3) a noção de que salários reais flexíveis conduzem automaticamente ao pleno emprego da força de trabalho. A Parte II deste livro foi dedicada à crítica da teoria da concorrência perfeita, à construção da teoria da concorrência real e à testagem empírica de ambas. O Capítulo 12 abriu a Parte III com uma análise e crítica da macroeconomia ortodoxa. O capítulo atual tem como objetivo construir uma estrutura para a dinâmica macroeconômica clássica, e os capítulos subsequentes se concentrarão nas teorias do emprego e desemprego, da inflação e das crises.

Uma noção central da abordagem clássica é que a taxa de crescimento do capital é impulsionada pela taxa líquida de lucro esperada (ou seja, pela diferença entre a taxa de lucro esperada e a taxa de juros). Essa mesma proposição é essencial tanto para a teoria da demanda efetiva de Keynes (capítulo 12, seção III) quanto para a de Kalecki (1937, p. 85). Mas, na tradição clássica, a taxa de lucro esperada está vinculada à taxa de lucro efetiva de forma semelhante à teoria da reflexividade de Soros, enquanto na teoria de Keynes a taxa de lucro esperada permanece “suspensa no ar”, perpetuamente fora do curto prazo no qual ele se concentra. Assim, começamos com uma reavaliação da teoria da demanda efetiva.


II. UMA RECONSIDERAÇÃO DA TEORIA DA DEMANDA EFETIVA

Dadas as condições econômicas da década de 1930, Keynes teve pressa em publicar a *Teoria Geral*. Não é surpreendente, portanto, que existam afirmações contraditórias em seu texto (Asimakopulos 1991, p. 55–59). Harrod e Kalecki também enfrentaram muitas das mesmas questões, cuja reavaliação levará a uma abordagem diferente da teoria da demanda efetiva.

1. As microfundamentações da demanda efetiva

Keynes inicia seu tratamento da demanda efetiva observando que as firmas precisam produzir com base na expectativa de receita, pois a produção leva tempo (Asimakopulos 1991, p. 40–41). Em seguida, ele recorre à noção de firma perfeitamente competitiva, que toma o preço de mercado esperado (p^e) como dado e escolhe um nível de produção correspondente que maximize o lucro, X* (Asimakopulos 1991, p. 40–42). O preço de oferta agregado, ou as “expectativas de receita”, é, portanto, p^e · X* — ou seja, o valor de mercado esperado da produção que maximiza o lucro de uma firma perfeitamente competitiva. Por hipótese, tal firma não leva em consideração a demanda de mercado, pois acredita que pode vender toda a sua produção a qualquer preço dado. De modo semelhante, ele adota o tradicional “primeiro postulado” da teoria neoclássica do emprego, no qual a condição de maximização do lucro, p = cmg, implica que o salário real é igual ao produto marginal do trabalho. Mais uma vez, isso se baseia na noção de firma independente da demanda (Asimakopulos 1991, p. 42, 55, 57) [1].

[1]: No entanto, quando Keynes trata do comportamento do consumidor individual, ele rejeita explicitamente o “segundo postulado” baseado no tratamento convencional do comportamento de maximização da utilidade, embora sua justificativa não seja de modo algum clara (Clower 1965, p. 103–125).

Por outro lado, quando Keynes trata da função de demanda agregada, ele supõe que as firmas individuais levam em consideração a demanda por seu próprio produto — o que, como observa Asimakopulos, é “uma relação que não se aplica a uma firma [perfeitamente] competitiva” (1991, p. 43). Assim, do lado da demanda, assume-se que as firmas enfrentam uma curva de demanda descendente — em contradição direta com a suposição do lado da oferta de uma firma perfeitamente competitiva (Asimakopulos 1991, p. 45, texto e nota 17). Em dois artigos publicados após A Teoria Geral, Keynes aprofunda o enigma ao afirmar explicitamente que “os empresários precisam se esforçar para prever a demanda... eles procuram se aproximar da posição verdadeira por um método de tentativa e erro. Reduzindo sua atividade quando percebem que superestimaram o mercado, e expandindo-a quando ocorre o contrário. Isso corresponde precisamente à barganha do mercado, por meio da qual compradores e vendedores tentam descobrir a verdadeira posição de equilíbrio entre oferta e demanda” (Asimakopulos 1991, p. 48, grifo adicionado). Essa é, evidentemente, uma noção clássica de equilíbrios turbulentos, de equilíbrios que se produzem através do erro, e não a concepção neoclássica de equilíbrio como um estado de repouso.

No seu abrangente panorama da macroeconomia moderna, Snowdon e Vane (2005, p. 376) se perguntam por que Keynes “adotou a hipótese clássica/neoclássica de um mercado de produto perfeitamente competitivo” em vez de se basear nas teorias de concorrência imperfeita que estavam sendo desenvolvidas por seus seguidores, como Kahn e Robinson. Eles afirmam que, se Keynes tivesse seguido esse outro caminho, A Teoria Geral talvez tivesse sido muito diferente — muito mais próxima de Kalecki e da tradição pós-keynesiana (Snowdon e Vane 2005, p. 376). Essa visão é reiterada por Canterbery (2001, p. 267), que conclui que, “se Keynes estivesse vivo hoje... ele provavelmente seria um pós-keynesiano”. Eu argumentaria, no entanto, que Keynes rejeita a concorrência imperfeita porque está tentando expressar uma noção semelhante à concorrência real clássica. Keynes baseou seus argumentos em A Teoria Geral na existência da “concorrência atomística”, pois afirmava que a própria concorrência podia resultar em desemprego persistente. De fato, sabemos que ele era “veementemente contrário a teorias” que explicassem o desemprego com base em salários rígidos, “monopólios”, sindicatos, leis de salário mínimo ou outras restrições institucionais ao comportamento maximizador de utilidade dos agentes individuais (Leijonhufvud 1967, p. 403). Davidson (2000, p. 11) está certo ao insistir que a teoria da demanda efetiva de Keynes não requer “imperfeições” de mercado. Kriesler (2002, p. 624–625) aponta que até mesmo a teoria da demanda efetiva de Kalecki foi originalmente formulada com base na suposição de “livre concorrência”, de modo que também ela não exige concorrência imperfeita. Portanto, ao menos os fundadores da teoria da demanda efetiva não pareciam acreditar que o desemprego capitalista decorre das chamadas imperfeições da concorrência. No entanto, os críticos de Keynes — bem como seus seguidores e os de Kalecki — insistem em fundamentar a teoria da demanda efetiva em diversas imperfeições. Isso ocorre porque a única concepção de concorrência que conhecem é a concorrência perfeita. Como argumentei nos capítulos 7 e 8, a teoria da concorrência perfeita é internamente inconsistente porque pressupõe que as firmas sabem de tudo, mas ignoram o fato de que, ao aumentarem a produção, suas concorrentes idênticas farão o mesmo e, com isso, derrubarão o preço de mercado. Em contrapartida, na concorrência real, as firmas individuais estabelecem preços com o conhecimento prático de que enfrentam uma curva de demanda descendente. Por isso, Keynes acerta ao afirmar que a firma individual precisa estar consciente da demanda. Como observei no capítulo 7, seção VI, Andrews, Brunner e Harrod chegaram essencialmente à mesma conclusão. Kalecki, por outro lado, evita completamente a questão da demanda no nível da firma, concentrando-se apenas na fixação de preços via markup (capítulo 8, seção I.9).































III. ECONOMIA CLÁSSICA MODERNA: A CENTRALIDADE DO LUCRO

“O motor que move a Empresa é... o Lucro” (Keynes 1976, p. 148)

1. O lucro regula tanto a oferta quanto a demanda

O lucro é central na macroeconomia. Sem lucro, não há produção, nem renda do trabalho ou da propriedade, e, portanto, não há renda familiar sobre a qual se possa basear a demanda por consumo, tampouco expectativas sobre as quais se possa basear a demanda por investimento. Como a produção leva tempo, o capital precisa ser previamente comprometido com os gastos em materiais e força de trabalho, sendo que o produto efetivo surgirá apenas em momento posterior: a produção é sempre iniciada com base em lucros prospectivos. A lucratividade prospectiva, por sua vez, é regulada pela lucratividade efetiva. Dependendo da força das expectativas, a produção pode ser realizada em níveis maiores ou menores que os do passado. Essas possibilidades podem ser resumidas dizendo que o investimento circulante (o capital adicional envolvido na variação de insumos e trabalho, ver capítulo 4) pode ser positivo ou negativo, dependendo dos lucros estimados. Por sua vez, o investimento fixo pode expandir ou contrair a capacidade, também dependendo das perspectivas individuais de lucro em um horizonte temporal mais longo. Em qualquer momento, algumas empresas estarão se expandindo e outras se contraindo, dependendo de suas expectativas e condições particulares. O mesmo se aplica à renda e aos gastos das famílias. Em nível macroeconômico, tanto a oferta quanto a demanda efetiva são reguladas, por canais distintos, pela lucratividade esperada. E, como os canais são diferentes, não há razão para que os dois lados se equilibrem automaticamente.

A macroeconomia neoclássica é voltada para o lado da oferta porque afirma que, no curto prazo, o nível de produto é determinado pela utilização do capital e do trabalho em níveis que maximizam o lucro. Se a oferta de trabalho está crescendo, então, no longo prazo, o produto e o capital se ajustam à taxa de crescimento da força de trabalho. No mesmo nível de abstração, a macroeconomia keynesiana é voltada para o lado da demanda porque afirma que o produto de curto prazo (e, portanto, a utilização do capital e o emprego do trabalho) é regulado pela parcela relativamente autônoma da demanda agregada (consumo e investimento autônomos). Assim, o crescimento do produto deriva do crescimento da demanda autônoma, que pode ou não ser suficiente para manter a plena utilização da capacidade e/ou o pleno emprego da força de trabalho.

A macroeconomia clássica não é nem voltada para a oferta nem para a demanda: ela é voltada para o “lado do lucro”. O lucro atua tanto sobre a demanda quanto sobre a oferta, sobre seus níveis e sobre suas trajetórias de crescimento.

2. Endogeneidade da taxa de poupança empresarial

Há um segundo sentido no qual o lucro media o equilíbrio entre oferta e demanda agregadas. Os esquemas pioneiros de reprodução apresentados por Marx no Volume 2 de O Capital demonstram que um aumento na oferta agregada pode gerar um aumento correspondente na demanda, tanto em economias estacionárias quanto em crescimento. O problema não está na proporção adequada entre os setores, pois essa questão setorial desaparece quando operamos em um nível puramente agregado, como fazem os keynesianos e os neoclássicos. A questão central, no caso de Marx, é que a taxa de poupança não é independente do investimento, pois as empresas são responsáveis tanto pela poupança quanto pelo investimento empresarial. Ou seja, as firmas não apenas investem, como também fornecem parte do financiamento necessário por meio de seus próprios lucros.

Para reforçar esse ponto, Marx começa abstraindo o crédito bancário (que pode oferecer financiamento independentemente dos fundos correntes) e a poupança das famílias emprestada às empresas. Nesse caso limite, a única forma de o conjunto das firmas financiar um aumento no investimento é reter uma parcela maior do seu lucro total [10]. Suponha que as empresas aumentem o emprego e o uso de materiais em 100 (ou seja, realizem um investimento circulante), dos quais 60 sejam destinados à contratação de novos trabalhadores e 40 à aquisição adicional de materiais. A primeira parte aumentará diretamente a demanda por trabalho em 60 e a segunda aumentará diretamente a demanda por mercadorias (materiais) em 40. Sob a suposição de financiamento puramente interno, o investimento total será financiado por um aumento de 100 nos lucros retidos, o que reduzirá em 100 a parcela de lucros distribuída aos proprietários das empresas e, portanto, reduzirá em 100 a renda total das famílias. Por outro lado, a renda dos trabalhadores recém-contratados aumentará a renda familiar em 60. O efeito líquido será a redução da renda total das famílias em 40, o que, sob Reprodução Simples, reduzirá a demanda por consumo em 40. No final, um aumento na demanda por materiais de 40 será compensado por uma redução de 40 na demanda por bens de consumo. Se os produtos efetivos se adaptam à demanda em cada setor, as proporções da produção se deslocarão dos bens de consumo em direção aos materiais, mas a demanda agregada não terá se alterado (Marx 1967b, p. 506–507; Shaikh 1989, p. 85 nota 2).

[10]: Robinson também observa que a taxa de poupança empresarial é completamente endógena se “os capitalistas e administradores retêm tanto do lucro quanto precisam para investir” (Robinson 1965).

Nesse caso-limite, o multiplicador é zero: um aumento no investimento agregado não gera aumento na demanda ou na produção agregada porque a taxa de poupança se ajusta à taxa de investimento. Se as empresas, coletivamente, optam por financiar o investimento apenas parcialmente com a poupança empresarial, elas precisarão tomar emprestado o restante junto aos bancos. Nesse caso, haverá um multiplicador, mas ele será variável. A consideração do investimento fixo não altera essa conclusão geral.

A endogeneidade da taxa de poupança agregada também desempenha um papel de destaque nos argumentos de Godley e Cripps (1983) e de Ruggles e Ruggles (1992). No Reino Unido, a constatação de que o saldo do setor privado tendia a ser pequeno e estável nos países desenvolvidos levou Wynne Godley e seus coautores a concluir que o déficit comercial tenderia, então, a espelhar o déficit do governo, conforme indicado pela equação (12.1) do capítulo 12. Essa conclusão deu origem à hipótese dos “déficits gêmeos” da perspectiva de Cambridge. No livro de 1983, Godley e Cripps tentaram fornecer uma base teórica para essa constatação empírica, ao propor que o saldo do setor privado era regulado por uma norma estável entre ativos financeiros líquidos privados e renda disponível. Quando o investimento é determinado pela lucratividade e a renda é dada ao domicílio ou empresa individual, a taxa de poupança privada total deve se ajustar para que a razão entre ativos financeiros e renda se iguale à razão desejada.

Nos Estados Unidos, Ruggles e Ruggles seguiram esse mesmo fio condutor da evidência empírica, mas chegaram a um conjunto distinto de conclusões. Ao decompor cuidadosamente os dados sobre a poupança das famílias e das empresas, constataram que, no pós-guerra, o excedente da renda disponível das famílias sobre os gastos com bens de consumo não duráveis (definição que usaram para a poupança) era aproximadamente igual aos gastos familiares com bens duráveis. Da mesma forma, a poupança das empresas (lucros retidos) era próxima aos gastos empresariais com novas instalações e equipamentos. Isso os levou a propor que cada setor era guiado por um princípio comportamental comum: o de que a finalidade da poupança era financiar a “formação de capital”. Note-se que, do ponto de vista keynesiano, a poupança é definida como o excedente da renda disponível sobre todos os gastos com consumo. Assim, os achados dos Ruggles implicam que, segundo a definição keynesiana, a taxa de poupança das famílias é zero, e a taxa de poupança empresarial é igual à fração do investimento sobre o lucro (Shaikh 2012b).

Ambas as abordagens convergem para a ideia de que a taxa de poupança se adapta às necessidades de investimento. A endogeneidade da poupança tem implicações contraditórias para as teorias da demanda efetiva. De um lado, ela reduz o alcance do argumento do multiplicador. No caso keynesiano padrão, qualquer lacuna entre investimento e poupança é preenchida por mudanças no volume de produto, pois a taxa de poupança é considerada constante. Na medida em que essa taxa se ajusta para preencher a lacuna, o multiplicador é reduzido (ver seção II.4 deste capítulo). No caso de Ruggles e no modelo clássico básico — em que as famílias não poupam e as empresas poupam o necessário para investir — o multiplicador é transitório, e sua duração depende do tempo que leva para a poupança empresarial se ajustar às necessidades de investimento.

Por outro lado, uma taxa de poupança endógena nos permite restabelecer a noção de que o crescimento pode ser regulado pela lucratividade esperada do investimento, como em Marx, Keynes e Kalecki, ao mesmo tempo em que preserva a ideia de que a utilização efetiva da capacidade oscila em torno de seu nível normal no longo prazo, como em Harrod (Shaikh 2009). Mais recentemente, diversos autores têm argumentado que a taxa de poupança empresarial não precisa ser independente do investimento empresarial (Ruggles e Ruggles 1992, p. 119, 157–162; Blecker 1997, p. 187–188, 223–224; Gordon 1997, p. 97, 107–108; Pollin 1997). Como observa Blecker (1997, p. 188), se as taxas de poupança empresarial estiverem realmente ligadas às decisões de investimento, isso “mudaria radicalmente as implicações de política da correlação [empiricamente observada] entre poupança e investimento”.

O ponto central é que as decisões de poupança e investimento das empresas não podem ser consideradas independentes entre si. De fato, em 2007, pouco antes da crise global, as corporações dos EUA financiaram 100,5% do investimento bruto com recursos internos. Esse número saltou para 567% quando o investimento colapsou no início da crise em 2007. No período pós-guerra pré-crise (1947–2006), a poupança bruta foi, em média, 110% do investimento bruto para o setor empresarial não financeiro (corporativo e não corporativo) como um todo; durante a crise (2007–2011), essa razão subiu para 140% do investimento bruto, à medida que as empresas reforçaram sua liquidez [11]. Isso nos mostra que, em tempos normais, a taxa de poupança empresarial acompanha de perto a taxa de investimento empresarial. Ainda assim, modelos teóricos rotineiramente assumem que a taxa de poupança agregada é “dada”, completamente independente das necessidades de financiamento do investimento. Por exemplo, Kalecki (1966, p. 96–99) começa corretamente ao afirmar que decisões de investimento e seu financiamento ocorrem antes do investimento efetivo. Ele chega a enfatizar que as decisões de investimento dependem fortemente do financiamento interno (poupança) das empresas. No entanto, em seguida, ele incorpora de maneira bastante casual a “poupança das empresas” na “poupança privada bruta total” e a relaciona a salários e lucros por meio de propensões marginais fixas a poupar de cada um (p. 59). Com esse único passo, ele rompe qualquer vínculo entre a taxa de poupança empresarial e a taxa de investimento — e, portanto, entre a taxa de poupança agregada e esta última. Joan Robinson discute explicitamente a poupança das empresas, mas a relaciona às políticas de depreciação e de distribuição de dividendos da firma, e não aos investimentos (Asimakopulos 1991, p. 170). Modelos keynesianos padrão vão ainda mais longe e assumem que toda a poupança é feita pelas famílias, a uma taxa constante e completamente independente da taxa de investimento. Isso implicaria que as empresas primeiro distribuem integralmente seus lucros e, em seguida, tomam emprestado exatamente o que precisam para financiar todo o seu investimento — com juros, naturalmente. Os fluxos correspondentes de pagamentos de juros e amortizações das firmas para seus credores geralmente são ignorados nesses modelos (Godley e Shaikh 2002).

[11]: Federal Reserve Flow of Funds Table F102, Nonfinancial corporations, Nonfinancial business; investimento bruto dividido pela poupança bruta do setor empresarial não financeiro, descontadas as transferências líquidas de capital pagas (http://www.federalreserve.gov/releases/z1/Current/).

3. Lucro, financiamento do investimento e crescimento

A seguir, construirei uma explicação clássica da dinâmica macroeconômica introduzindo um elemento por vez, começando por uma economia privada fechada, na qual inicialmente não há crédito bancário nem mercado de ações (portanto, sem corporações).

i. Financiamento puramente interno do investimento por cada firma

Proprietários e sócios (doravante denominados proprietários) pagam os custos operacionais, que consistem em custos com materiais, depreciação e salários e remunerações de trabalhadores e gestores. O que sobra das vendas constitui o lucro, que pode ser distribuído como renda do proprietário, adicionado aos saldos monetários da firma ou retido como financiamento para investimento. Suponha que as firmas não emprestem entre si, de modo que todo o financiamento do investimento seja interno. Nesta etapa, não há mercado para financiamento de investimento, portanto também não há taxa de juros relevante. Assim, exceto pela flexibilidade limitada proporcionada por saldos monetários preexistentes, o investimento efetivo de cada firma em relação ao seu lucro atual (a fração de investimento) seria limitado por sua poupança empresarial máxima — isto é, a parcela do lucro existente que excede o mínimo necessário para renda pessoal e manutenção de saldos de caixa.

Dentro desse limite, uma fração maior de investimento exigiria, em geral, que uma proporção maior do lucro fosse destinada ao financiamento do investimento. Essa exigência fundamental pode ser expressa pelo princípio de que a taxa de poupança empresarial responde à diferença entre a razão desejada de investimento sobre o lucro e a taxa de poupança vigente (Shaikh 2009, p. 476–482). Entendendo que estamos considerando apenas a poupança das empresas neste momento, e abstraindo das variações de preços de modo que as razões nominais sejam equivalentes às reais, sejam:

S = poupança,
P = lucro,
I = investimento,
σ' = I/P = a fração de investimento sobre o lucro,
sp = S/P = a taxa de poupança sobre o lucro,
s = dsp/dt = a taxa de variação no tempo da taxa de poupança (passando para variações diferenciais),
e “f” representa alguma forma funcional geral.

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