terça-feira, 18 de março de 2025

Teorias Alternativas do Crescimento - Ed. Mark Setterfield

SETTERFIELD, Mark (ed.). Handbook of Alternative Theories of Economic Growth. Cheltenham, UK; Northampton, MA, USA: Edward Elgar, 2010.

Sumário:

Uma introdução às teorias alternativas do crescimento econômico – Mark Setterfield

PARTE I - TEORIAS ALTERNATIVAS DO CRESCIMENTO ECONÔMICO: UMA VISÃO GERAL

1. O modelo estruturalista de crescimento – Bill Gibson 17

2. A teoria clássica do crescimento e da distribuição – Duncan K. Foley e Thomas R. Michl 49

3. Teoria evolucionária do crescimento – J. Stan Metcalfe e John Foster 64

4. As teorias pós-keynesianas do crescimento e da distribuição: uma revisão – Heinz D. Kurz e Neri Salvadori 95

5. Crescimento, instabilidade e ciclos: modelos harrodianos e kaleckianos de acumulação e distribuição de renda – Peter Skott 108

6. Uma revisão das questões de estabilidade de curto e longo prazo no modelo kaleckiano de crescimento – Marc Lavoie 132

7. Kaldor e os kaldorianos – John E. King 157

8. As trajetórias do crescimento transformacional – Davide Gualerzi 173

PARTE II - DEMANDA AGREGADA, OFERTA AGREGADA E CRESCIMENTO DE LONGO PRAZO

9. Sobre identidades contábeis, experimentos de simulação e funções de produção agregada: uma advertência para os teóricos (neoclássicos) do crescimento – Jesus Felipe e John McCombie 189

10. A natureza endógena da “taxa natural” de crescimento – Miguel A. León-Ledesma e Matteo Lanzafame 208

11. Reconciliando o crescimento da demanda agregada e da oferta agregada – Amitava Krishna Dutt 220

PARTE III - CRESCIMENTO ECONÔMICO E MUDANÇA TÉCNICA

12. O modelo evolucionário técnico clássico-marxista: aplicação às tendências históricas – Gérard Duménil e Dominique Lévy 243

PARTE IV - MOEDA, FINANÇAS E CRESCIMENTO

13. “Financeirização” em modelos pós-keynesianos de distribuição e crescimento: uma revisão sistemática – Eckhard Hein e Till van Treeck 277

14. Dívida interna e crescimento econômico: uma análise neo-kaleckiana – Thomas I. Palley 293

PARTE V - CRESCIMENTO E DISTRIBUIÇÃO

15. Igualitarismo factível: crescimento liderado pela demanda, trabalho e tecnologia – C.W.M. Naastepad e Servaas Storm 311

16. Capitalismo impulsionado pela dissidência, crescimento com flexissegurança e reabilitação ambiental – Peter Flaschel e Alfred Greiner 331

17. Participação nos lucros, utilização da capacidade e crescimento em um macromodelo pós-keynesiano – Gilberto Tadeu Lima 344

18. Igualdade de gênero e a sustentabilidade de trajetórias de crescimento em estado estacionário – Stephanie Seguino e Mark Setterfield 360

PARTE VI - DIMENSÕES INTERNACIONAIS E REGIONAIS DO CRESCIMENTO

19. Crescimento liderado pelas exportações, taxas de câmbio reais e a falácia da composição – Robert A. Blecker e Arslan Razmi 379

20. Comércio e crescimento econômico: uma perspectiva latino-americana sobre retórica e realidade – Juan Carlos Moreno Brid e Esteban Pérez Caldentey 397

21. Crescimento regional endógeno: uma revisão crítica – Mark Roberts e Mark Setterfield 431

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Uma introdução às teorias alternativas do crescimento econômico

Tornou-se comum que os principais manuais sobre teoria do crescimento caracterizem o desenvolvimento histórico do tema como uma progressão simples da teoria neoclássica de crescimento de primeira para segunda geração, pontuada apenas por uma breve pausa durante os anos 1970, quando a inflação se tornou a causa célebre da macrodinâmica (para exemplos representativos, ver Barro e Sala-i-Martin, 1995; Jones, 2002; Aghion e Howitt, 2009). Mas, como já foi observado em outros lugares (Setterfield, 2002, 2003), esses "fatos estilizados" são mais aparentes do que reais. Eles ocultam uma rica história de teorias alternativas do crescimento econômico, que tanto se desenvolvem em paralelo quanto interagem com a evolução da teoria neoclássica. O objetivo deste manual é oferecer uma visão abrangente dessas teorias alternativas — uma que, ao mesmo tempo, percorra os principais subcampos das teorias alternativas do crescimento econômico (incluindo, mas não se limitando às teorias clássica, kaleckiana, evolucionária e kaldoriana) e chame a atenção para questões de fronteira no campo. A ambição desta introdução é orientar o leitor para o conteúdo que se segue.

1. Temas comuns nas teorias alternativas do crescimento econômico

As teorias econômicas que se afastam de uma ou mais das pressuposições centrais ("núcleo duro") da economia neoclássica (como o comportamento otimizador dos tomadores de decisão ou a teoria da produtividade marginal do valor e da distribuição) costumam ser definidas principalmente em termos de sua oposição à teoria neoclássica — ou seja, em termos do que elas não são. Como é evidente pelo que já foi dito acima, é tentador cair nesse mesmo hábito ao caracterizar as teorias alternativas do crescimento econômico. Felizmente, no entanto, não é necessário sucumbir a esse costume. Apesar de suas diferenças, as teorias alternativas do crescimento econômico apresentam muitas similaridades. Em última análise, constituem uma "igreja ampla" caracterizada por numerosos pressupostos compartilhados. E mesmo que esses pressupostos não possam ser todos combinados em um único modelo sintético de crescimento, distribuição e mudança técnica, eles ainda assim sugerem um “programa comum de pesquisa, em vez de um abismo de diferenças científicas irreconciliáveis” (ver Foley e Michl, Capítulo 2, neste volume). Nesta seção, destacam-se cinco características gerais do programa de pesquisa comum às teorias alternativas do crescimento econômico, com o objetivo de enfatizar o que esse conjunto de teorias alternativas é, em vez do que ele não é.

1.1 O papel da demanda agregada no longo prazo

Um tema recorrente nas teorias alternativas do crescimento econômico — inspirado pela revolução keynesiana na macroeconomia e, em particular, por contribuições seminais à teoria do crescimento, como Harrod (1939) e Robinson (1956) — é o papel da demanda agregada no longo prazo. Isso não significa que todas as teorias alternativas do crescimento identifiquem um papel causal para a demanda agregada no longo prazo, mas sim que há uma tradição compartilhada de levar o lado da demanda da economia a sério. Isso é tão evidente na tradição clássica, na qual a demanda agregada acaba sendo relevante apenas no curto ou médio prazo (ver, por exemplo, Duménil e Lévy, 1999), quanto nas teorias contemporâneas de crescimento liderado pela demanda, associadas às tradições kaleckiana e kaldoriana.

1.2 Valor e distribuição

Os fundamentos teóricos de valor das teorias alternativas do crescimento econômico são, em geral, enraizados na abordagem clássica do excedente, em vez da teoria da produtividade marginal. Isso ajuda a explicar a ênfase nos resultados distributivos nas teorias alternativas do crescimento — não apenas como causas potenciais, por exemplo, da mudança técnica ou da taxa precisa de crescimento, mas também como algo de interesse e importância em si mesmos. Essa última preocupação decorre da probabilidade de que os resultados distributivos reflitam desigualdades no funcionamento das economias capitalistas, e não simplesmente formas benignas de desigualdade.

1.3 A teoria da produção

As teorias alternativas do crescimento econômico geralmente postulam que a estrutura técnica da produção é melhor caracterizada pela tecnologia de Leontief (coeficientes fixos), em vez da possibilidade de substituição contínua entre fatores de produção. Também é comum considerar que o estado da tecnologia está incorporado nos fatores de produção, de modo que a mudança técnica exige a acumulação de fatores acompanhada por uma mudança discreta na técnica de produção.

1.4 Mudança técnica

A mudança técnica incorporada descrita acima é, geralmente, entendida como sendo causada pelos próprios resultados de crescimento e distribuição. Em outras palavras, a mudança técnica não é apenas endógena no sentido de ser explicada dentro do modelo (a inovação central que distingue a teoria neoclássica de crescimento endógeno de segunda geração do modelo neoclássico de primeira geração associado a Solow (1956)). Ela também é endógena aos próprios resultados (crescimento e distribuição) com os quais as teorias alternativas do crescimento econômico estão, em última instância, preocupadas. Exemplos desses mecanismos de mudança técnica endógena incluem a Lei de Verdoorn (ver, por exemplo, McCombie e Thirlwall, 1994, capítulo 2; McCombie et al., 2003) e a teoria clássica da mudança técnica induzida e tendenciosa ao fator (ver, por exemplo, Foley e Michl, 1999; Sasaki, 2008).

1.5 Metodologia

Uma questão persistente na teoria do crescimento é: como caracterizar (e, portanto, modelar) melhor o crescimento capitalista? A visão dominante — reforçada pelos estilizados fatos frequentemente repetidos por Kaldor (1961) — é de que o crescimento é um processo estável e equilibrado. Essa visão se presta à análise de equilíbrio em estado estacionário, a qual de fato prolifera nas teorias alternativas do crescimento econômico. Contudo, historicamente, essas teorias também mostraram preocupação com diferentes visões sobre o que o processo de crescimento envolve e, consequentemente, como ele deve ser modelado. Essas visões incluem a possibilidade de que o crescimento de longo prazo seja mais bem concebido como intrinsecamente cíclico (em vez de um processo estável pontuado por distúrbios de curto prazo) e que o crescimento de longo prazo seja, por natureza, desequilibrado, envolvendo mudanças estruturais na composição da produção, do emprego, da demanda do consumidor e assim por diante.

2. Temas emergentes nas teorias alternativas do crescimento econômico

Os temas destacados anteriormente podem ser considerados características já bem consolidadas das teorias alternativas do crescimento econômico. Assim, não surpreenderá o leitor saber que eles reaparecem ao longo deste volume. No entanto, os capítulos que se seguem também destacam uma variedade de outros temas "emergentes" que, embora nem todos sejam estritamente novos, estão associados às atuais questões de fronteira na pesquisa sobre teorias alternativas do crescimento econômico. Um desses temas emergentes diz respeito ao mecanismo de ajuste preciso — ou à combinação de tais mecanismos — que descreve a resposta de uma economia em crescimento a condições de excesso de demanda agregada. Essa resposta envolve mudanças nos preços (e, consequentemente, na margem de lucro/participação dos lucros), como nos modelos clássicos de crescimento de Cambridge associados a Robinson, Kaldor e Pasinetti? Ou envolve mudanças na produção (e, consequentemente, na taxa de utilização da capacidade), como no modelo kaleckiano canônico de crescimento? Ou será que alguma combinação desses mecanismos — que de modo algum são mutuamente exclusivos — faz com que ambos operem simultaneamente? Essa questão, que à primeira vista pode parecer técnica e restrita, tem implicações profundas para a teoria do crescimento, incluindo, principalmente, seu impacto sobre a própria estabilidade do equilíbrio em alguns modelos de estado estacionário. Não é surpreendente, portanto, que ela seja amplamente discutida nos capítulos que seguem, incluindo os de Kurz e Salvadori, Skott, Lavoie e Gibson (ver capítulos 4, 5, 6 e 1) [1].

[1]: O tema também surge no capítulo de Metcalfe e Foster (capítulo 3), embora, no caso deles, trate-se de um modelo evolucionário de crescimento em que os ajustes são uma característica permanente do processo de crescimento, e não uma propriedade transitória do movimento rumo a um estado estacionário.

Um segundo tema emergente de destaque é a relação entre as taxas de crescimento efetiva e potencial (isto é, a taxa natural harrodiana de crescimento). Uma preocupação aqui é com a endogeneidade da segunda em relação à primeira, algo que transforma a taxa natural de crescimento de um limite superior dado exogenamente em uma restrição dependente da trajetória para a expansão da economia. Uma segunda preocupação refere-se à reconciliação das duas taxas de crescimento dentro de um arcabouço de estado estacionário. A importância dessa questão pode ser facilmente percebida ao se considerar a seguinte medida simples de utilização da capacidade dos recursos (E):

E = Y/Yp   (1)

onde Y é o nível efetivo de produto real e Yp é o nível potencial de produto real. Da expressão acima, decorre que:

e = y - yp   (2)

onde as letras minúsculas indicam as taxas de crescimento das variáveis em letras maiúsculas. Como é evidente pela inspeção da equação (1) que E possui um limite superior e inferior, decorre da equação (2) que qualquer equilíbrio de crescimento sustentado também requer um crescimento balanceado da seguinte forma:

y = yp   (3)

para que o equilíbrio de crescimento em estado estacionário seja sustentável no longo prazo. Em resumo, as taxas de crescimento efetiva e potencial devem ser reconciliadas em um arcabouço de estado estacionário, a fim de evitar afirmações ilógicas sobre a taxa de utilização dos recursos, E. Esse problema persiste mesmo quando a taxa natural de crescimento é endógena à taxa efetiva.

Portanto, observe que, partindo de uma situação em que a equação (3) está satisfeita e supondo um aumento em y, a endogeneidade de yp em relação a y não é, por si só, suficiente para restaurar a condição da equação (3). Na verdade, qualquer aumento (ou diminuição) em y deve induzir um aumento (ou diminuição) proporcional em yp para que a equação (3) continue válida. Em outras palavras, é necessária uma elasticidade da oferta agregada (ou seja, do produto potencial) em relação à demanda agregada (ou seja, ao produto efetivo) exatamente igual a um (Cornwall, 1972). Se isso não ocorrer (e as estimativas, por exemplo, da Lei de Verdoorn sugerem que, em geral, não ocorrerá), então algum outro mecanismo precisa ser proposto para alinhar novamente as taxas de crescimento efetiva e natural. Os capítulos de Dutt, León-Ledesma e Lanzafame, e Seguino e Setterfield (capítulos 11, 10 e 18) abordam a relação entre as taxas de crescimento efetiva e natural.

Outro tema emergente nas teorias alternativas do crescimento econômico diz respeito à potencial importância da variação endógena dos custos do trabalho para a estabilidade do processo de crescimento. Esse tema é complementar à preocupação com o “ajuste via produção ou via preços” discutida anteriormente e, por isso, não surpreende que seja tratado nos capítulos 5 e 6 por Skott e Lavoie, no contexto dos modelos de crescimento harrodianos e kaleckianos, respectivamente. Porém, a importância da variação endógena dos custos do trabalho também tem uma longa tradição na escola clássica. Isso se reflete, por exemplo, em sua centralidade no processo de crescimento cíclico descrito por Goodwin (1967). O capítulo 16, de Flaschel e Greiner, neste volume, aprofunda essa tradição ao examinar se o papel estabilizador dos salários na dinâmica de crescimento ao estilo Goodwin pode ser substituído por mecanismos mais compatíveis com uma variante social-democrata do capitalismo.

Por fim, a interação entre finanças e crescimento tornou-se um tema urgente nas teorias alternativas do crescimento econômico, diante da crescente “financeirização” do capitalismo nas últimas décadas. A novidade e a relevância desse tema são amplamente demonstradas nos capítulos 13 e 14, de Hein e van Treeck, e Palley. Antes criticadas por negligenciarem a moeda e as finanças — sendo comparadas a um “Hamlet sem o príncipe” (Kregel, 1985) —, as teorias alternativas do crescimento agora incorporaram a busca por processos que expliquem como o crescimento é afetado por variáveis financeiras (tais como taxas de juros, estoques de dívida, encargos com serviço da dívida, entre outros) e pela própria estrutura institucional das finanças e sua relação com a indústria.

É importante enfatizar que as questões discutidas acima não são os únicos temas emergentes nas teorias alternativas contemporâneas do crescimento econômico. Além disso, não são, de forma alguma, os únicos temas relevantes, sejam emergentes ou já consolidados. Assim, o objetivo da discussão anterior não é priorizar certas questões em detrimento de outras. O ponto central é chamar a atenção para o fato de que, além de revisar o estado atual da arte nas teorias alternativas do crescimento econômico, este Manual tem como segundo objetivo destacar questões de fronteira no campo. Os temas discutidos acima servem apenas para exemplificar esse aspecto do projeto. Espera-se que sejam suficientes para dar ao leitor uma noção da dupla ambição do volume: fazer um balanço e apontar caminhos promissores para o avanço das teorias alternativas do crescimento econômico.

3 A estrutura deste Manual

A organização deste volume reflete o fato de que há várias fontes de sobreposição entre os capítulos que o compõem. Alguns capítulos são semelhantes em virtude de sua estrutura, abordando temas associados a uma determinada abordagem de análise do crescimento. Outros utilizam um arcabouço ou modelo comum em sua análise de questões que, de outro modo, poderiam ser consideradas diferentes. E há capítulos que compartilham o interesse por um determinado tema, independentemente do arcabouço de análise adotado. A sequência de capítulos apresentada ao leitor representa um esforço para equilibrar essas diversas interseções de maneira que torne o Manual legível do início ao fim. No entanto, aqueles que têm interesse, por exemplo, em uma teoria alternativa específica do crescimento, ou em uma questão particular da teoria do crescimento, ou ainda desejam se aprofundar nos "bastidores" das diferentes abordagens que compõem as teorias alternativas do crescimento econômico, podem achar proveitoso — e são ativamente encorajados — a ler os capítulos fora de ordem.

3.1 Teorias alternativas do crescimento econômico: uma visão geral

O volume se inicia com uma série de oito capítulos que revisam as principais abordagens que compõem as teorias alternativas do crescimento econômico. No capítulo de abertura, Bill Gibson analisa a teoria estruturalista do crescimento em relação à sua contraparte neoclássica. Em uma lição importante para teóricos do crescimento de todas as vertentes, Gibson demonstra como modelos tanto neoclássicos quanto estruturalistas podem ser desenvolvidos em um arcabouço analítico comum que destaca as similaridades entre as teorias ortodoxas e alternativas do crescimento — em especial, a dependência de suas soluções de estado estacionário em relação a uma única variável-chave (a taxa de crescimento da força de trabalho no modelo neoclássico e a taxa de crescimento da demanda autônoma no modelo estruturalista). O capítulo, então, examina os esforços para tornar o investimento — o componente central da demanda autônoma na tradição estruturalista — endógeno à taxa de utilização da capacidade. Demonstra-se que, em comparação com o modelo neoclássico, que requer relativamente poucas suposições plausíveis para que o crescimento estável emerja, variantes do modelo estruturalista, nas quais o investimento é endógeno à utilização da capacidade, enfrentam potenciais problemas de instabilidade. Gibson mostra, então, como esses problemas podem ser atenuados ao se reconsiderar o papel da participação nos lucros na determinação do investimento. O capítulo conclui observando — com certa ironia — que, enquanto a estabilidade do modelo neoclássico é estruturalmente determinada, os estruturalistas precisam prestar mais atenção à agência — em especial, ao comportamento de investimento das empresas — para que seus modelos gerem trajetórias de crescimento estáveis e de estado estacionário.

No capítulo 2, Duncan Foley e Tom Michl apresentam um panorama da tradição clássica na teoria do crescimento, em relação tanto às teorias neoclássica quanto keynesiana de crescimento. Para isso, revisam as principais características das abordagens clássica, neoclássica e keynesiana ao crescimento, antes de comparar e contrastar explicitamente as teorias neoclássica e keynesiana com os postulados centrais da tradição clássica. Foley e Michl argumentam que o principal debate entre os teóricos clássicos e keynesianos do crescimento diz respeito à aplicabilidade dos resultados keynesianos (como os paradoxos da parcimônia e dos custos) no longo prazo — uma controvérsia que pode ser resumida em termos de como essas teorias concorrentes concebem a reconciliação entre as taxas efetiva e normal de utilização da capacidade. Contudo, os autores também chamam atenção para as semelhanças entre as teorias clássica e keynesiana do crescimento, incluindo o tratamento do trabalho como um recurso cronicamente subutilizado, e da oferta de trabalho e da mudança técnica (e, portanto, da taxa natural de crescimento) como endógenas à taxa efetiva de crescimento. Após revisarem as variantes exógena, semiendógena e endógena da teoria neoclássica do crescimento, Foley e Michl destacam as diferenças importantes entre as tradições clássica e neoclássica na teoria do crescimento. Essas diferenças incluem tratamentos contrastantes da produção e da mudança técnica na análise do crescimento de cada tradição. De particular relevância, nesse aspecto, é a interação entre distribuição e mudança técnica na teoria clássica do crescimento, uma relação que é negligenciada na abordagem legalista-tecnocrática típica da teoria neoclássica do progresso técnico.

O terceiro capítulo, de Stan Metcalfe e John Foster, identifica a interação cumulativa e bidirecional entre o crescimento econômico e o crescimento do conhecimento como central para a teoria evolucionária do crescimento — uma abordagem que os autores também associam à ênfase no crescimento desequilibrado, em processos de ajuste não equilibradores e na atenção à heterogeneidade no nível microeconômico (particularmente em relação à conduta dos empreendedores e ao processo de inovação). Após discutir os fatos estilizados do crescimento econômico, Metcalfe e Foster desenvolvem um modelo de crescimento evolucionário no qual os resultados agregados do crescimento surgem da interação de dois processos essenciais que operam em níveis mais baixos de agregação: o progresso técnico e as mudanças na composição da demanda. Ambos os processos são, eles próprios, endógenos ao crescimento econômico — o primeiro devido ao princípio de Smith-Young-Kaldor de que “a divisão do trabalho depende da extensão do mercado” e o segundo a uma generalização da Lei de Engel. O resultado é um modelo de crescimento não equilibrado e não equilibrador — ou “capitalismo inquieto” — que mostra como a teoria evolucionária do crescimento pode reconciliar os fatos estilizados de constância e equilíbrio de Kaldor (1961) com aqueles de Clark (1944) e Kuznets (1971), que enfatizam a mudança estrutural.

O capítulo 4, de Heinz Kurz e Neri Salvadori, revisa teorias de crescimento e distribuição baseadas naquilo que Kaldor (1955–56, p. 95) denominou de “hipótese keynesiana”, segundo a qual o investimento é determinado independentemente da poupança e a poupança se ajusta ao investimento para criar uma situação de equilíbrio. Os autores identificam dois mecanismos de ajuste diferentes consistentes com essa hipótese keynesiana. Um envolve o ajuste da poupança ao investimento por meio de mudanças nos preços em relação aos salários (isto é, por meio da redistribuição de renda entre lucros e salários) e é geralmente associado a modelos de plena utilização da capacidade e pleno emprego. O segundo envolve mudanças na utilização da capacidade e no emprego (e, no longo prazo, na taxa de acumulação), com a distribuição de renda sendo tomada como dada. Kurz e Salvadori revisam modelos baseados em ambos os mecanismos, associando o primeiro principalmente ao trabalho de Kaldor e Pasinetti e o segundo à classe de modelos que hoje são convencionalmente chamados de kaleckianos. Com relação ao primeiro, os autores dão atenção especial às condições necessárias para a existência de uma economia de duas classes; com relação ao segundo, concentram-se na plausibilidade do mecanismo de ajuste subjacente e sua importância na análise do crescimento de longo prazo.

O capítulo 5, de Peter Skott, tem como objetivo desenvolver e contrastar modelos kaleckianos e harrodianos de crescimento e distribuição. O capítulo começa delineando o modelo canônico de crescimento kaleckiano. Ao calibrar a solução de equilíbrio deste modelo com dados reais, Skott argumenta que o modelo kaleckiano prevê uma variabilidade na taxa de utilização da capacidade que não condiz com o que é observado na realidade. Ele atribui esse problema a duas características teóricas-chave do modelo kaleckiano: a suposição de uma margem de lucro constante (e, portanto, de uma participação dos lucros constante) e o tratamento do investimento como relativamente insensível à taxa de utilização da capacidade. Skott prossegue, então, no desenvolvimento de uma variedade de modelos harrodianos de crescimento que evitam essas duas características teóricas do modelo kaleckiano. Nesses modelos, assume-se alternativamente que a oferta de trabalho é perfeitamente elástica ou que ela restringe a taxa de crescimento de longo prazo, e que ou a participação dos lucros ou a produção ajustam-se rapidamente em resposta às variações da demanda agregada. Em última análise, Skott argumenta que os modelos harrodianos possuem fundamentos comportamentais superiores aos do modelo kaleckiano. Ele também destaca a potencial instabilidade da taxa garantida harrodiana como fornecendo um arcabouço adequado para a análise tanto de tendências quanto de ciclos.

A revisão da teoria do crescimento kaleckiana feita por Marc Lavoie no capítulo 6 dá ênfase especial às propriedades de estabilidade do modelo kaleckiano, tanto no curto quanto no longo prazo. O capítulo começa estudando a dinâmica de estabilidade de curto prazo — ou seja, o processo de ajuste em direção às taxas de equilíbrio de crescimento e de utilização da capacidade. São considerados dois processos de ajuste: um ajuste puramente keynesiano, envolvendo mudanças na utilização da capacidade; e um processo de ajuste duplo, envolvendo mudanças tanto na utilização da capacidade quanto nas margens de lucro. O primeiro depende da condição tradicional de estabilidade kaleckiana, mas o segundo não. Lavoie, assim, argumenta que a robustez dos resultados de estabilidade kaleckianos é maior do que sugerem alguns críticos desse modelo. Em seguida, a atenção se volta para a dinâmica de estabilidade de longo prazo — isto é, a reconciliação da taxa efetiva (de equilíbrio) de utilização da capacidade com sua taxa normal ou desejada. Lavoie refuta a afirmação de Duménil e Lévy (1999) quanto à necessidade de ser “keynesiano no curto prazo e clássico no longo prazo”, mostrando que, com mecanismos dinâmicos de ajuste apropriados, resultados kaleckianos centrais (como o paradoxo da parcimônia e o paradoxo dos custos) também se aplicam ao longo prazo.

Após as ênfases harrodianas e kaleckianas dos dois capítulos anteriores, é apropriado que, no capítulo 7, John King revise a abordagem kaldoriana da teoria do crescimento, exemplificada tanto por Kaldor quanto por seus seguidores. Quatro variantes da análise de crescimento de Kaldor são discutidas. As duas primeiras variantes (anteriores a 1966) focam nas relações entre distribuição, mudança técnica e crescimento em uma economia fechada de um setor. As duas variantes posteriores (após 1966) tratam principalmente de questões de múltiplos setores e/ou de economia aberta e seu impacto sobre o crescimento concebido como um processo histórico (dependente da trajetória) em vez de um processo de equilíbrio. A teoria kaldoriana do crescimento, por sua vez, mostra-se baseada em grande parte nas contribuições de Kaldor após 1966. Três variantes inter-relacionadas são identificadas: modelos de crescimento restringido pelo balanço de pagamentos; modelos baseados no princípio da causalidade cumulativa; e modelos Norte–Sul que envolvem interações setoriais (entre agricultura e indústria). Uma conclusão central que emerge da revisão de King é que a teoria kaldoriana moderna do crescimento é composta por várias vertentes sobrepostas, em vez de uma única teoria unificada (ou geral) do crescimento — muito parecido com o próprio trabalho de Kaldor.

O capítulo de Davide Gualerzi (capítulo 8) encerra a seção de abertura do volume ao discutir a teoria do crescimento transformacional, que ele identifica como uma análise centrada em explicar o crescimento e a mudança estrutural em termos tanto da taxa de expansão quanto das mudanças na composição da demanda agregada. Gualerzi situa a teoria do crescimento transformacional dentro do amplo campo das teorias de crescimento lideradas pela demanda, mas argumenta que ela vai além das abordagens dominantes (como as kaleckiana e kaldoriana) ao buscar explicar melhor como a demanda é gerada pelo próprio processo de crescimento e desenvolvimento, ao longo de uma trajetória de crescimento desequilibrado. Ele apresenta uma teoria da criação endógena da demanda centrada na evolução de estruturas sociais básicas (como o domicílio e a firma) e nos desequilíbrios criados pelo processo de desenvolvimento desigual. Gualerzi também destaca o papel desempenhado pela evidência histórica e pelos fatos estilizados na metodologia da teoria do crescimento transformacional. O capítulo culmina com uma análise do aparente esgotamento do processo de crescimento transformacional no início da década de 1970 e de seu subsequente ressurgimento na forma da economia da informação durante a década de 1990.

3.2 Demanda agregada, oferta agregada e crescimento de longo prazo

Tendo os capítulos 1 a 8 delineado as principais abordagens características das teorias alternativas do crescimento econômico, o restante do volume está organizado de forma temática, concentrando-se em uma variedade de questões nas quais as teorias alternativas do crescimento econômico demonstram um interesse comum. Cada um dos três capítulos da Parte II do Manual trata do tratamento e/ou da interação entre demanda agregada e oferta agregada na análise do crescimento de longo prazo.

No capítulo 9, Jesus Felipe e John McCombie começam observando a ubiquidade e o papel central desempenhado pelas funções agregadas de produção contínuas na teoria neoclássica do crescimento. Os autores argumentam que, devido às sérias dificuldades teóricas associadas à agregação e aos resultados das controvérsias do capital de Cambridge, a melhor defesa da função de produção agregada é de natureza instrumentalista: ela é útil porque faz boas previsões. O capítulo de Felipe e McCombie é dedicado a demonstrar que essa afirmação é insustentável. O problema reside no fato de que todos os dados utilizados para testar funções agregadas de produção satisfazem uma identidade contábil (relacionando o valor adicionado total à soma dos salários e lucros), que pode ser reescrita de forma a se assemelhar a uma função de produção agregada com retornos constantes de escala e elasticidades do produto equivalentes às participações dos fatores. Assim, qualquer função de produção hipotética com essas características apresentará um ajuste quase perfeito aos dados, independentemente da tecnologia de produção que realmente caracteriza a economia, simplesmente devido à forma como os dados são compilados. Para ilustrar esse ponto, Felipe e McCombie discutem quatro simulações nas quais os dados são gerados por estruturas de produção específicas e conhecidas. Em cada caso, uma função de produção Cobb-Douglas demonstra fornecer um ajuste perfeitamente aceitável — mas totalmente espúrio — aos dados. Como a função de produção agregada é a peça central da teoria neoclássica do crescimento, os autores concluem que seus resultados colocam em dúvida a capacidade da teoria neoclássica de fornecer respostas mesmo para as questões mais básicas da macrodinâmica, como o que determina o crescimento e por que as taxas de crescimento diferem.

Como o título sugere, o capítulo 10, de Miguel León-Ledesma e Matteo Lanzafame, trata da endogeneidade da taxa natural de crescimento — especificamente, da propensão desta a ser influenciada por variações na taxa efetiva de crescimento. Os autores associam a noção de uma taxa natural endógena à tradição kaldoriana na teoria do crescimento, na qual há uma ênfase histórica na dependência da trajetória do processo de crescimento, segundo a qual tanto as taxas de crescimento de equilíbrio quanto as potenciais podem ser influenciadas pela taxa efetiva. Mas León-Ledesma e Lanzafame observam que a teoria neoclássica do crescimento — na qual as taxas natural e de equilíbrio de crescimento são uma e a mesma — também tem começado a enfatizar mecanismos pelos quais a taxa natural é endógena à taxa efetiva. Assim, há um consenso emergente na literatura de crescimento sobre a interação entre tendência e ciclo. Os autores prosseguem revisando evidências empíricas recentes sobre a relação entre as taxas de crescimento efetiva e natural. Concluem que essas evidências, em grande parte, reforçam os resultados originais de León-Ledesma e Thirlwall (2000, 2002), mas que, ao fazer isso, chamam atenção para o provável impacto de características estruturais da economia (como a composição setorial do emprego e a estrutura do sistema financeiro) sobre a relação entre as taxas de crescimento efetiva e natural.

O capítulo final desta seção do Manual, de Amitava Dutt, parte da observação de que, historicamente, a teoria do crescimento foi "particionada" em teorias de crescimento determinado pela oferta (associadas às tradições clássica e neoclássica) e teorias de crescimento liderado pela demanda (associadas à tradição keynesiana), sendo a primeira, em sua versão neoclássica, a que se tornou o modo dominante de análise. A premissa central do capítulo de Dutt é que tanto fatores de demanda quanto de oferta desempenham um papel na determinação do crescimento e que, portanto, há valor em teorias que busquem reconciliar demanda e oferta na análise do crescimento de longo prazo. O autor revisa a estrutura essencial das teorias clássica e neoclássica de crescimento liderado pela oferta e das teorias keynesianas de crescimento liderado pela demanda. Em seguida, descreve duas tentativas existentes de integrar demanda agregada e oferta agregada na teoria do crescimento de longo prazo, derivadas, respectivamente, das tradições clássica e neoclássica. A principal limitação desses modelos, segundo Dutt, é que a demanda agregada é significativa apenas no curto prazo: ela não tem papel na determinação do crescimento de longo prazo, o que os mantém, em essência, como modelos de crescimento determinados pela oferta. Dutt então chama atenção para a rigidez das suposições necessárias para gerar esses resultados e mostra como, ao relaxar essas suposições, é possível desenvolver modelos que oferecem uma reconciliação mais rica e satisfatória dos papéis desempenhados pela demanda e oferta agregadas na determinação do crescimento de longo prazo.

3.3 Crescimento econômico e mudança técnica




terça-feira, 11 de março de 2025

Modelos Macroeconômicos Clássico-Marxistas

BLECKER, Robert A.; SETTERFIELD, Mark. Heterodox Macroeconomics: Models of demand, distribution and growth. Edward Elgar Publishing, 2019.

Cap. 02 - Modelos Clássico-Marxistas

2.1 Introdução  

Os modelos heterodoxos modernos de crescimento de longo prazo e distribuição de renda baseiam-se em uma fundamentação que se originou com os economistas clássicos e continuou na tradição marxiana. Tanto os economistas clássicos (especialmente Adam Smith e David Ricardo) quanto Karl Marx enfatizaram fortemente o crescimento e o desenvolvimento de longo prazo da economia capitalista em suas teorias [1].  

[1]: No restante deste capítulo, o termo ‘clássicos’ se referirá principalmente a Smith e Ricardo; autores clássicos menores, como J.-B. Say e T.R. Malthus, serão mencionados quando apropriado. Marx pode ser considerado um economista clássico à luz da estrutura analítica de seus modelos, mas muitas vezes é classificado separadamente, pois pode ser visto como tendo uma visão distinta da economia capitalista e como fundador de uma escola de pensamento própria. Para desenvolvimentos posteriores da teoria marxiana, veja Sweezy (1942, 1981), Morishima (1973), Roemer (1981), Foley (1986) e Shaikh (2016), entre muitos outros.

Smith (1776 [1976]), que intitulou sua obra magna Uma Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações, destacou as forças que tornavam algumas nações mais ricas do que outras. Ricardo (1821 [1951], p. 5) afirmou que “determinar as leis que regulam essa distribuição de renda [entre rendas, lucros e salários] é o principal problema da Economia Política”; sua análise da distribuição de renda, por sua vez, foi a chave para seu modelo de crescimento de longo prazo, que levaria a um “estado estacionário”.  

Posteriormente, Marx (1867 [1976], p. 92) buscou desvendar o que chamou de “a lei econômica do movimento da sociedade moderna”, que girava em torno da “luta de classes” entre trabalho e capital e de seu impacto no crescimento econômico e na mudança tecnológica.

Este capítulo apresenta um conjunto de modelos simplificados que podem ser usados para representar as ideias centrais de Smith, Ricardo e Marx sobre crescimento e distribuição [2]. Nosso objetivo aqui é desenvolver uma estrutura para representar a estrutura lógica básica de suas teorias, e não fornecer uma exegese textual das versões originais. Dado o nosso foco macroeconômico, não entraremos nos debates de longa data sobre a teoria do valor-trabalho ou outros aspectos microeconômicos de seus paradigmas, embora façamos referência aos conceitos de valor do trabalho sempre que forem relevantes para a discussão [3]. Para fins expositivos, frequentemente representaremos as teorias clássicas e marxianas por meio de modelos de posições de equilíbrio de longo prazo em estado estacionário, conforme definido no Capítulo 1. Esse procedimento, no entanto, é, no máximo, um recurso pedagógico útil; reconhecemos que se poderia argumentar que ele distorce as visões dinâmicas dos autores clássicos – especialmente Marx, que enfatizou a instabilidade cíclica e de longo prazo do capitalismo. No entanto, concordamos com Cesaratto (2015, p. 179) quando escreve: “Também reconheço plenamente as limitações da investigação sobre trajetórias normais de acumulação (formalmente estáveis), tendo em vista a instabilidade do capitalismo... Modelos estilizados são, no entanto, essenciais para fixar nossas ideias e para fins de política econômica...”.

[2]: Esta exposição baseia-se (e também resume de forma mais sucinta) em certas apresentações e comparações anteriores das abordagens clássica e neo-marxiana, incluindo Harris (1978), Marglin (1984b), Dutt (1990) e Foley e Michl (1999).

[3]: A teoria clássica (ricardiana) do valor foi desenvolvida em sua forma moderna por Sraffa (1960). Para exposições e discussões posteriores da teoria do valor ricardiana e marxiana em estruturas multissetoriais, veja Pasinetti (1977), Steedman (1977), Harris (1978), Bharadwaj e Schefold (1990), Kurz e Salvadori (2003), Roncaglia (2009) e Sinha (2016), entre muitos outros.

Uma característica importante no trabalho dos economistas clássicos e de Marx é a ideia de uma conexão estreita entre a acumulação de capital, que é o principal motor do crescimento sistêmico, e a distribuição da renda entre as principais classes sociais. Smith e Ricardo assumiram a existência de três classes sociais – proprietários fundiários, capitalistas e trabalhadores – correspondentes à estrutura de classes da sociedade britânica no final do século XVIII e início do século XIX. Após a Revolução Industrial, Marx e os teóricos do crescimento posteriores abandonaram a ênfase na classe dos proprietários fundiários e, mesmo para os clássicos originais (Smith e Ricardo), muitas de suas ideias centrais podem ser representadas em uma estrutura que modela explicitamente apenas os salários do trabalho e os lucros do capital. O ponto crucial, no entanto, é que o comportamento distinto das diferentes classes sociais (especialmente no que se refere aos seus respectivos papéis na produção e na poupança) é um aspecto fundamental do arcabouço clássico-marxiano. Antes de abordarmos as teorias de crescimento e distribuição propriamente ditas, devemos primeiro estabelecer as bases em relação ao esquema contábil clássico, que se fundamenta na abordagem clássica da produção discutida no Capítulo 1.

2.2 Estrutura contábil básica e relações distributivas

A análise deste capítulo assume uma economia fechada que produz um único bem, que pode ser utilizado tanto para consumo quanto para investimento (isto é, acumulado como capital e utilizado na produção futura). Trata-se, evidentemente, de uma simplificação extrema, que tem sido alvo de muitas críticas, especialmente durante as controvérsias sobre o capital de Cambridge nas décadas de 1960 e 1970 [4], mas será adotada aqui como uma base conveniente para a análise em nível macroeconômico. Esse esquema contábil pode ser facilmente reconhecido como uma versão altamente simplificada da contabilidade padrão da renda nacional.  

[4]: Esse conjunto de debates é chamado de "controvérsias de Cambridge" porque os principais protagonistas foram os críticos da abordagem neoclássica na Universidade de Cambridge, no Reino Unido (liderados por Piero Sraffa e Joan Robinson), e os defensores dessa abordagem no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) em Cambridge, Massachusetts, EUA (liderados por Paul Samuelson e Robert Solow). Essencialmente, os críticos argumentavam que, quando os bens de capital são heterogêneos e agregados em termos de preços, não há necessariamente uma relação inversa entre o valor total do estoque de capital e a taxa de lucro, como ocorre em um modelo neoclássico de um único bem, no qual a quantidade de capital pode ser medida de forma inequívoca. Grande parte do debate girou em torno de fenômenos como *reswitching* (a adoção descontínua da mesma técnica em diferentes níveis da taxa de lucro) e *capital reversals* (a adoção de uma técnica mais intensiva em capital a uma taxa de lucro mais alta, em vez de uma mais baixa). No final, os defensores da abordagem neoclássica reconheceram a validade lógica dos argumentos dos críticos, mas acreditavam que tinham pouca relevância prática e que as relações "perversas" não seriam observadas em estados ótimos. Para relatos detalhados desses debates e referências às fontes originais, veja Harcourt (1972) e Harris (1978).

Ignorando os proprietários fundiários e as rendas e assumindo, por simplicidade, a ausência de governo e tributação, toda a renda nacional deve ser dividida entre os lucros do capital e os salários do trabalho:

PY = WL + rPK   (2.1)

onde Y é o produto ou a renda, P é o nível agregado de preços, W é a taxa de salário nominal (unidades monetárias por trabalhador ou por hora de trabalho), L é a quantidade de trabalho empregada (medida em número de trabalhadores ou em horas de trabalho), r é a taxa de lucro e K é o estoque real de capital. O estoque de capital é valorizado pelo mesmo índice de preços utilizado para o produto (P), assumindo-se a existência de um único bem. Também estamos simplificando ao assumir que não há depreciação do capital, de modo que não há distinção entre medidas brutas e líquidas de produto e lucros. Como esta é uma economia fechada, também não há distinção entre produto interno e renda nacional.

Conforme explicado no Capítulo 1, assumiremos que o produto é gerado utilizando uma função de produção de coeficientes fixos ou do tipo "Leontief".




[5]: A quantidade de trabalho pode ser expressa tanto como o número de trabalhadores (assumindo um número fixo de horas por dia por trabalhador) quanto como horas de trabalho; frequentemente nos referiremos a essa magnitude como "trabalhadores" por brevidade, mas pode-se substituir por "horas de trabalho" caso se prefira uma medida mais precisa. Em análises empíricas, essa distinção não é trivial, pois as horas de trabalho por semana ou por ano podem variar.  

[6]: Modelos que assumem uma utilização variável da capacidade serão discutidos nos Capítulos 4 e 5, enquanto os debates sobre se a taxa de utilização da capacidade é variável no longo prazo serão abordados no Capítulo 6. A teoria clássica assume implicitamente que a oferta de trabalho é endógena, de modo que o trabalho disponível normalmente não se torna a restrição vinculante à produção. A endogeneidade da oferta de trabalho será discutida mais explicitamente nas Seções 2.3 e 2.7 deste capítulo.  

[7]: “Não pode haver um aumento no valor do trabalho sem uma queda nos lucros” (Ricardo 1821 [1951], p. 35). Tanto o texto de Ricardo quanto as interpretações posteriores deixam claro que essa afirmação assume uma tecnologia dada e uma utilização normal da capacidade – e, no próprio modelo de Ricardo, uma produtividade marginal do trabalho na agricultura também dada (veja a Seção 2.7 para entender o que acontece se esta última diminuir).

[8]: Veja os Capítulos 3 e 4 para entender como essa relação inversa é utilizada nos modelos neo-keynesianos e neo-kaleckianos. No modelo neoclássico de crescimento (NGT) de Solow (1956) e Swan (1956), abordado no Capítulo 1, uma relação inversa entre w e r pode ser derivada como o ‘dual’ dos custos dos fatores em relação à função de produção agregada ‘primal’, expressa em termos dos insumos K e L. Assim, se a função de produção Y = F(K, L) obedece às suposições padrão de diferenciabilidade de segunda ordem, retornos constantes de escala e produtividade marginal decrescente, é possível derivar uma função de custo unitário uc = uc(w, r), que implica uma relação decrescente entre w e r, convexa à origem para qualquer nível dado de custos unitários (custos totais por unidade de produto) uc.  

[9]: Esta notação (sr) representa a propensão a poupar a partir da renda do lucro e será utilizada dessa forma nos próximos capítulos (mesmo quando o investimento for tratado separadamente da poupança). No entanto, neste capítulo, pode ser interpretada de forma equivalente como a taxa de investimento, uma vez que, no esquema clássico, a única forma de poupança é a aquisição de capital adicional.  

[10]: A metodologia de comparação de modelos de crescimento por meio de diferentes formas de fechamento de um sistema aberto de equações remonta a Sen (1963) e foi posteriormente utilizada por Marglin (1984b), Dutt (1990) e Foley e Michl (1999). Como a maioria desses autores comparava uma gama mais ampla de modelos (incluindo os neoclássicos e neo-keynesianos) do que os que abordamos neste capítulo, eles geralmente partiam de apenas duas equações básicas (as relações entre salário e lucro e entre consumo e crescimento), e a suposição sobre a poupança fazia parte do ‘fechamento’ que variava entre os modelos.

segunda-feira, 10 de março de 2025

Explicando o comportamento de longo prazo da taxa de câmbio nos Estados Unidos e no Japão - Anwar Shaikh

Explicando o comportamento de longo prazo da taxa de câmbio nos Estados Unidos e no Japão - Anwar Shaikh

Um conhecimento prático sobre taxas de câmbio é de vital importância para a política econômica em nosso mundo cada vez mais interconectado. Expectativas sobre as consequências do NAFTA, da CEE, as causas e soluções para os déficits comerciais, o nível "apropriado" das taxas de câmbio para o qual a política deve se orientar, e sobre as consequências gerais da política macroeconômica – todas essas e muitas outras questões dependem fortemente de uma explicação do comportamento das taxas de câmbio.  

A dificuldade é que os modelos atuais da taxa de câmbio apresentam um desempenho bastante fraco em nível empírico. Isso os torna um guia pouco confiável para a política econômica. Por outro lado, para que haja uma base sólida para a política econômica, é necessário operar com uma explicação das taxas de câmbio teoricamente fundamentada e que funcione bem em um espectro de países desenvolvidos e em desenvolvimento. O presente capítulo aplica a base teórica e empírica desenvolvida em Shaikh (1980, 1991, 1995) – previamente utilizada para explicar as taxas de câmbio da Espanha, do México e da Grécia (Roman 1997; Ruiz-Nápoles 1996; Antonopoulos 1997; Martinez-Hernandez 2010) – à explicação das taxas de câmbio dos Estados Unidos e do Japão [1].  

[1]: A versão original deste capítulo foi publicada em 1998 como Working Paper No. 250 do Levy Economics Institute of Bard College. Agradecemos a Ascension Mejorado pela ajuda nos cálculos dos dados originais, a Francisco Martinez Hernandez pela atualização dos dados e a Jamee Moudud pelo auxílio nas econometrias mais recentes.

Os modelos convencionais de taxa de câmbio são baseados na hipótese fundamental de que, no longo prazo, as taxas de câmbio reais se moverão de forma a tornar os países igualmente competitivos. Dessa forma, assumem que o comércio entre países será aproximadamente equilibrado no longo prazo. Em contraste, nossa abordagem implica que é a posição competitiva de um país, medida pelos custos unitários reais de seus bens comercializáveis, que determina sua taxa de câmbio real. Essa determinação das taxas de câmbio reais por meio dos custos unitários reais permite explicar por que os desequilíbrios comerciais permanecem persistentes. Também fornece uma regra prática de política para taxas de câmbio sustentáveis. O objetivo é mostrar que é possível construir uma explicação teoricamente fundamentada e empiricamente robusta sobre os movimentos das taxas de câmbio reais, que possa ser de utilidade prática para pesquisadores e formuladores de políticas.

Problemas com os modelos existentes de taxa de câmbio

O fracasso empírico dos modelos atuais de taxa de câmbio

O impacto macroeconômico do comércio exterior e dos fluxos internacionais de capital sempre foi uma questão de grande importância nos círculos de formulação de políticas. Com a forte expansão da economia global nas últimas duas décadas, essa questão se tornou ainda mais urgente. E, como os movimentos das taxas de câmbio desempenham um papel crítico nessa questão, não é surpreendente que um volume crescente de esforços tenha sido dedicado à análise dos determinantes das taxas de câmbio reais e nominais. Em sua revisão sobre o tema, Harvey (1996, p. 581) observa que “a literatura sobre a determinação da taxa de câmbio é uma das maiores na economia”.

O que surpreende, no entanto, é que, nos últimos anos, economistas de destaque nesse campo têm admitido que os modelos atuais de variação da taxa de câmbio simplesmente não funcionam em nível empírico. Isso se aplica a uma série de modelos derivados de abordagens monetárias ou de balanço de portfólio, bem como a modelos que seguem as hipóteses da Paridade do Poder de Compra e/ou da vantagem comparativa (Harvey 1996; Stein 1995; Isard 1995, parte II). Por exemplo, em sua revisão do campo, Stein (1995, p. 182) afirma que o fraco desempenho empírico “dos modelos contemporâneos mostra por que os economistas têm ficado tão desapontados com sua capacidade de explicar a determinação das taxas de câmbio e dos fluxos de capital”. O resumo de Harvey (1996, p. 567) é ainda mais sucinto:

"Os economistas neoclássicos têm demonstrado uma frustração crescente com seu fracasso em explicar os movimentos das taxas de câmbio... Apesar de este ser um dos campos mais estudados da disciplina, nenhum modelo ou teoria apresentou um bom desempenho em testes. Os resultados têm sido tão desastrosos que economistas da corrente dominante prontamente admitem seu fracasso."  

No entanto, são esses mesmos modelos fracassados que "continuam a ser apresentados como a explicação dominante para a determinação das taxas de câmbio" (Stein, 1995, p. 185).

Teorias de longo prazo sobre taxas de câmbio  

Nosso foco está no comportamento de longo prazo da taxa de câmbio real. Nesse contexto, a teoria convencional se baseia apenas em duas hipóteses fundamentais (Isard 1995, pp. 127, 171–172): vantagem comparativa e Paridade do Poder de Compra (PPP). Nenhuma delas apresenta um bom desempenho em nível empírico.  

A hipótese mais duradoura sobre a taxa de câmbio real no longo prazo é que ela se ajusta automaticamente para equilibrar o comércio de cada nação que participa do comércio internacional de forma livre. Desde os tempos de Ricardo, esse princípio da vantagem comparativa tem sido a hipótese fundamental da teoria ortodoxa do comércio internacional, permanecendo amplamente aceita até os dias atuais. Por exemplo, Milberg (1994, p. 224) observa que “a noção de vantagem comparativa continua a dominar o pensamento dos economistas”. Uma boa ilustração disso é a insistência de Krugman (1991) de que a vantagem comparativa continua operando no mundo moderno e que, se fosse plenamente aplicada, levaria automaticamente ao equilíbrio comercial entre as nações. Até mesmo os teóricos da Nova Escola de Economia Internacional, que enfatizam oligopólios, retornos crescentes de escala e diversos comportamentos estratégicos, partem da premissa de que a vantagem comparativa prevaleceria na ausência dessas "imperfeições" (Milberg 1993, p. 1).  

Como é bem conhecido, a hipótese da vantagem comparativa implica que ajustes automáticos na taxa de câmbio real garantirão que “o comércio será equilibrado, de modo que o valor das exportações iguale o valor das importações” (Dernburg 1989, p. 3). Em contraste com a hipótese da PPP, que prevê uma taxa de câmbio real constante (e que discutiremos a seguir), a vantagem comparativa geralmente implica que a taxa de câmbio real variará de forma a garantir que o comércio permaneça equilibrado diante de mudanças nas condições econômicas. Se a vantagem comparativa realmente regulasse o comércio internacional, faria parecer que as nações simplesmente “trocavam” exportações por importações de valor equivalente (Dornbusch 1988, p. 3). Em outras palavras, a teoria da vantagem comparativa afirma que as taxas de câmbio reais se ajustam para tornar todas as nações que praticam comércio livre igualmente competitivas, independentemente das diferenças em seus níveis de desenvolvimento ou tecnologia. Essa hipótese leva à expectativa empírica de que “[ainda que] a competitividade internacional de uma economia possa subir e descer ao longo de períodos de médio prazo... em média, ao longo de uma década ou mais, os fluxos e refluxos da ‘vantagem’ competitiva pareceriam aleatórios no tempo e entre as economias” (Arndt e Richardson 1987, p. 12). É sob essa perspectiva que Krugman e Obstfeld (1994, p. 20) criticam aqueles que são ingênuos o suficiente para acreditar que “o livre comércio é benéfico apenas se seu país for produtivo o bastante para enfrentar a concorrência internacional”.

As evidências empíricas não têm sido favoráveis à hipótese da vantagem comparativa. No período pós-guerra, nem as vantagens competitivas nem os saldos comerciais se mostraram minimamente aleatórios no tempo ou no espaço. Pelo contrário, a "presença persistente de uma vantagem competitiva marcante para países como o Japão e uma desvantagem competitiva evidente para países como os Estados Unidos", combinada com "superávits comerciais persistentes e significativos para o Japão e déficits para os Estados Unidos", caracterizou grande parte do período pós-guerra (Arndt e Richardson 1987, p. 12).  

No fim das contas, nem os regimes de taxa de câmbio fixa do período de Bretton Woods, nem o regime de câmbio flexível e altamente volátil que surgiu em 1973 alteraram esse fato incômodo. A Figura 9.1 mostra os saldos comerciais, como percentuais do PIB, dos Estados Unidos e do Japão. Os desequilíbrios persistentes que ela exibe são um fenômeno generalizado no mundo capitalista.

A outra explicação tradicional para as taxas de câmbio reais é a hipótese da Paridade do Poder de Compra (PPP) [2], que afirma que a concorrência internacional tende a igualar os níveis de preços (em uma moeda comum) de um determinado conjunto de bens entre os países. O ponto de partida desse argumento é a ideia de que o arbitragem competitiva vincula os diversos preços internacionais de uma mercadoria específica, dentro dos limites dos custos de transporte, tarifas e impostos. Assim, se as nações possuem cestas de produção ou consumo aproximadamente semelhantes, seus índices de preços apresentarão movimentos similares quando expressos em uma moeda comum.  

É claro que ainda se faz necessário explicar a base do comércio entre tais nações. Uma maneira de fazer isso é considerar a hipótese da PPP como um caso especial da vantagem comparativa, no qual a taxa de câmbio real que equilibra o comércio permanece aproximadamente constante ao longo do tempo. Alternativamente, pode-se argumentar que os processos competitivos de alguma forma igualam os custos unitários entre os países (Officer 1976, pp. 10–12). Em qualquer um dos casos, as taxas de câmbio reais se ajustariam para tornar as nações igualmente competitivas no longo prazo.  

[2]: A hipótese da PPP decorre da lei do preço único, sob suposições adicionais, como a semelhança entre os conjuntos agregados de produção ou consumo entre os países. A lei do preço único, por sua vez, é um componente necessário, mas não suficiente, do princípio dos custos comparativos em um contexto competitivo. Assim, pode-se ter PPP ou custos comparativos sem que necessariamente um implique o outro, ou pode-se ter ambos simultaneamente.