Garegnani, P. 1992. ‘Some Notes for an Analysis of Accumulation.’ In Beyond the Steady State, edited by J. Halevi, D. Laibman, and E. J. Nell. London: Palgrave Macmillan.
Pierangelo Garegnani - Algumas Notas para uma Análise da Acumulação*
* Este artigo resume partes de um trabalho mais extenso apresentado em uma conferência organizada pelo Centro de Estudos Econômicos Avançados em Udine, em agosto de 1982. Outros compromissos até agora me impediram de preparar o artigo mais longo para publicação, e fui lisonjeado ao pensar que o presente possa ser útil como está. Isso explica a quase completa ausência de referências tanto à literatura anterior quanto, acima de tudo, à literatura que surgiu sobre este tema na *Political Economy; Studies in the Surplus Approach* após 1982. Algumas das ideias neste artigo foram inicialmente apresentadas em um volume mimeografado de 1962 (Garegnani, 1962), sobre o papel da demanda agregada para o desenvolvimento econômico italiano. Na revisão do presente artigo, beneficiei-me de discussões com vários colegas e, em particular, com o Dr. Roberto Ciccone, da Universidade de Roma, o Professor Heinz Kurz, da Universidade de Graz, e o Professor Franklin Serrano, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O trabalho neste artigo foi facilitado por bolsas de pesquisa do *Consiglio Nazionale delle Ricerche* e pelo Ministério da Educação da Itália.
I INTRODUÇÃO
1. Se perguntássemos a nós mesmos o que determina a velocidade da acumulação de capital e do crescimento em uma economia, obteríamos duas respostas diferentes da economia atual. A primeira é a tradicional, segundo a qual as decisões de poupança da comunidade, em condições de plena utilização dos recursos (definidas de forma a permitir uma sucessão normal de booms e recessões), determinarão a tendência da acumulação de capital. Essa tendência de acumulação de capital, juntamente com o crescimento populacional e o desenvolvimento do conhecimento técnico, determinará então a tendência da produção agregada.
A segunda resposta é menos homogênea e inclui, na verdade, duas posições diferentes que compartilham o que se pode chamar, de forma resumida, de Hipótese Keynesiana [1]. Essa hipótese comum é que, no longo período, em que a capacidade produtiva muda, assim como no curto período analisado por Keynes, é o nível de investimento determinado de forma independente que gera a quantidade correspondente de poupança, e não uma propensão autônoma a poupar que determina o nível de investimento, como na resposta tradicional. No entanto, a poupança pode ser gerada pelo investimento de duas maneiras totalmente diferentes, e é a rota postulada que separa as duas posições keynesianas. A primeira rota ocorre pela redução do salário real, o que eleva a taxa normal de lucros e, ceteris paribus, a proporção de lucros na renda nacional [2]. Como a propensão a poupar a partir dos lucros pode ser assumida com segurança como mais alta do que a a partir dos salários, ocorrerá um aumento na proporção de poupança em relação ao consumo. A segunda rota pela qual o investimento pode gerar a quantidade correspondente de poupança é por meio do aumento do nível de produção, juntamente com a capacidade produtiva correspondente, sem a necessidade de alterar o salário real e a taxa normal de lucros [3]. Para fins de brevidade, nos referiremos aqui às posições teóricas caracterizadas por essas duas rotas como, respectivamente, a 'Primeira' e a 'Segunda' Posições Keynesianas.
[1]: Cf. Kaldor (1955-6), p. 195.
[2]: A taxa de lucros (juros) aqui referida como 'normal' é aquela à qual a teoria econômica tradicionalmente se refere ao associar um nível dessa taxa a qualquer nível dado de salário real em condições de livre competição. Mais adiante, distinguiremos essa noção de taxa de lucros 'normal' de uma segunda noção de taxa de lucros 'ex-post' (veja abaixo).
[3]: Por 'capacidade produtiva' da economia na situação dada, entenderemos, como geralmente se entende, o 'equipamento produtivo' existente, juntamente com a parte da força de trabalho necessária para operá-lo. Por 'equipamento produtivo', por outro lado, entendemos o agregado do que tradicionalmente se refere como o 'plano' de uma empresa ou indústria, ou seja, aqueles insumos, majoritariamente bens de capital fixos, que não podem ser ajustados ao nível de produção com a mesma rapidez que, por exemplo, os estoques de matérias-primas. Aqui se assume, como geralmente é assumido, que a capacidade é distribuída entre os setores de acordo com a composição dada da demanda agregada no nível que permitiria uma utilização normal (desejada) da capacidade agregada.
A Primeira Posição Keynesiana é aquela que atraiu mais atenção, deixando a Segunda na sombra. No entanto, uma vez que alguns mal-entendidos sejam esclarecidos, pode se tornar evidente que a segunda dessas duas rotas é a que uma economia de mercado tem mais probabilidade de seguir ao se ajustar ao incentivo para investir. De fato, essa divisão nas teorias de acumulação, baseada na Hipótese Keynesiana, parece não ter sido suficientemente analisada e discutida. O objetivo deste artigo é contribuir para essa análise.
2. Para simplificar, nossa análise (seção II) será conduzida sob a suposição de uma economia fechada e competitiva, com trabalho homogêneo e sem recursos naturais escassos, de modo que o produto social se divide apenas em salários e lucros. Argumentaremos também como se a disponibilidade de trabalho não constituísse um limite para o crescimento da economia. Assumiremos que a taxa de salário real w* e as condições técnicas de produção são ambas dadas, de forma que a taxa normal de lucros correspondente r* e o sistema de preços relativos são conhecidos.
Indicaremos por y a razão entre a produção e o capital, calculada aos preços dados e quando a capacidade é utilizada no nível normal ou "desejado" [4], e assumiremos que y permanece constante à medida que a capacidade muda. Assumiremos ainda que a propensão marginal líquida a poupar s é constante e igual à propensão média. Nenhuma das suposições acima parece, entretanto, ser essencial para nossas conclusões [5].
[4]: A noção de nível normal ou "desejado" de utilização da capacidade será discutida a seguir.
[5]: A independência de nossas conclusões diz respeito, em particular, à suposição de uma propensão agregada a poupar s dada, que em alguns casos pode se tornar incompatível com a suposição de propensões a poupar dadas a partir dos lucros e salários. De fato, embora tanto o salário real w* quanto a razão y da produção de capacidade ao capital sejam assumidos constantes em nossa análise na Seção 2, a proporção em que o produto social é dividido entre salários e lucros ainda pode mudar quando, nessa análise, consideramos mudanças no nível de utilização da capacidade. Uma propensão agregada constante a poupar s torna-se então incompatível com propensões constantes a poupar a partir de salários e lucros.
3. Nosso argumento seguirá em três etapas. Na primeira (Seção 2), indicaremos como, no longo prazo em que a capacidade produtiva pode mudar, o investimento pode gerar a quantidade correspondente de poupança ao variar o nível de capacidade produtiva e de produção, em vez de alterar a taxa de salário real e a taxa normal de lucros. Será mostrado que isso pode ocorrer no longo prazo com ainda mais facilidade do que no curto prazo, com uma capacidade produtiva dada, para a qual a geração de poupança através de mudanças na produção agregada foi originalmente proposta por Keynes. Assim, surgirá que aumentos (ou reduções) na produção, acompanhados por aumentos (ou reduções) na capacidade produtiva, podem ser o efeito normal de longo prazo das mudanças na demanda efetiva, deixando o salário real e a taxa normal de lucros para serem determinados por outras circunstâncias – em particular, pelas circunstâncias previstas nas teorias clássicas [6].
[6]: Cf., por exemplo, Garegnani (1984, pp. 294-6).
Essa conclusão pode, no entanto, parecer contradizer a interpretação às vezes dada à chamada 'equação de Cambridge'.
s_c * r = g
a qual consideramos aqui em sua forma mais simples e familiar, assumindo poupança zero dos trabalhadores e uma propensão dada a poupar dos capitalistas, Sc. De fato, essa equação tem sido, por vezes, interpretada como implicando uma ligação necessária entre o salário real w* e a taxa normal de lucros r*, por um lado, e, por outro, a razão g entre o investimento líquido e o valor do estoque de capital, ou "taxa de acumulação," como chamaremos aqui, para simplificar [7]. Os próximos dois passos de nosso argumento, portanto, serão dedicados a mostrar por que tal interpretação da equação não seria correta.
[7]: Cf. os trechos mencionados no parágrafo 4 e na nota 3. Quanto ao valor do capital a ser utilizado no denominador da taxa de acumulação g, veja o parágrafo 15.
Argumentaremos que a equação de Cambridge nos coloca diante de uma alternativa. Na Seção 3, examinaremos o primeiro ramo da alternativa – aquele em que a equação é tomada como referência para a taxa normal de lucros r* e para o salário real correspondente w*. Será mostrado que a "taxa de acumulação" g* que, então, terá de aparecer no lado direito da equação não precisará ter qualquer relação com a taxa real de acumulação g". Na Seção 4, examinaremos o segundo ramo da alternativa – aquele em que tomamos a taxa de acumulação que aparece na equação de Cambridge como a taxa real de acumulação g". Mostraremos que a "taxa de lucros" r^ que, então, terá de aparecer no lado esquerdo da equação será o que podemos descrever como uma taxa de lucros "ex-post", e não precisará ter qualquer relação com a taxa normal de lucros r* e a taxa salarial correspondente w*.
III A EQUAÇÃO DE CAMBRIDGE: UMA PRIMEIRA INTERPRETAÇÃO
8. Para examinar esses dois significados alternativos da equação de Cambridge, e a distinção entre eles, devemos começar considerando mais de perto o conceito de um grau normal ou "desejado" de utilização da capacidade, ao qual já nos referimos repetidamente. Trata-se do grau de utilização da capacidade desejado pelos empreendedores, e com base no qual, portanto, eles tomam suas decisões de investimento sobre o tamanho de uma nova planta em relação à produção que esperam realizar.
Esse nível "desejado" de utilização da capacidade, devemos observar cuidadosamente, provavelmente nunca será o máximo tecnicamente possível. Há várias razões para isso, cuja relevância para a elasticidade da produção agregada discutimos na Seção 2 e deve ser óbvia. Em primeiro lugar, pode haver razões de custos, pois os custos unitários podem aumentar à medida que a utilização do equipamento produtivo se aproxima de seu máximo técnico (por exemplo, um aumento nos custos de trabalho devido a turnos noturnos).
No entanto, há também outras razões que podem levar os empreendedores a manter a produção tecnicamente possível por seus investimentos acima da produção média que esperam realizar durante a vida útil da planta. Essas razões estão relacionadas ao desejo de manter os clientes que uma empresa já possui e, se possível, ampliar seu número. A capacidade produtiva será, assim, geralmente planejada de forma a atender aos níveis de pico, e não apenas aos níveis médios, de demanda, [16] quando se espera que esta flutue. Além disso, se espera-se que o nível médio de demanda aumente durante a vida útil do equipamento produtivo, o empreendedor, levando em consideração as indivisibilidades de uma planta, pode muito bem planejá-la além do nível de pico esperado para o início da vida útil da planta, para poder lidar melhor com o aumento da demanda em sua fase posterior. E, finalmente, tal excesso de capacidade pode ser planejado mesmo independentemente de qualquer aumento na demanda que seja definitivamente esperado durante a vida útil da planta. Isso pode ser feito para não perder oportunidades de expansão das vendas que possam surgir inesperadamente durante esse período. [17]
[17]: A referência óbvia para uma análise do conceito de nível desejado de utilização da capacidade é Steindl (1952, cap. II). Para os elementos de custo, cf. Kurz (1986).
9. O fato de que esse nível desejado de utilização da capacidade será aquele sobre o qual as decisões dos empreendedores acerca do tamanho de uma nova planta serão tomadas tem algumas implicações importantes, que devemos agora considerar.
Os lucros esperados com o investimento em uma nova planta dependerão, naturalmente, do nível de utilização esperado para essa planta. E esse nível esperado de utilização tenderá a ser o nível "desejado" porque, pela própria definição deste, o tamanho da nova planta será projetado para que assim seja. O nível esperado de utilização tenderá, portanto, a ser independente dos níveis de utilização e lucros experimentados no passado. Um alto nível de utilização da planta no passado pode muito bem resultar em um maior volume de investimento e em uma nova planta de maior tamanho, mas não há razão para que isso implique um nível esperado de utilização mais elevado para essa planta. Esse nível permanecerá igual ao nível desejado escolhido pelos próprios empreendedores no momento de decidir o investimento [18].
[18]: Essa escolha dos empreendedores, é claro, de forma alguma implica que a nova planta será de fato utilizada no nível desejado. Como mostraremos adiante, qualquer ajuste de longo prazo da capacidade à produção – distinto do ajuste da produção à capacidade – implica que a nova planta não pode ser utilizada na capacidade desejada, mesmo quando considerado em termos médios.
10. Assim, a taxa de retorno esperada do investimento corresponderá ao nível "desejado" de utilização do equipamento produtivo a ser instalado. No entanto, é em relação às decisões de investir – quando, do ponto de vista do investidor, o capital é "livre" para assumir qualquer forma física [19] – que o conceito de taxa de retorno ou taxa de lucros sobre o capital adquire relevância, distinto das quase-rendas obtidas de uma planta já existente. Parece, portanto, que, quando a teoria econômica tradicionalmente se referiu a uma única taxa "normal" de lucros correspondente, sob pressupostos competitivos e com condições técnicas dadas, a cada nível do salário real e de outras variáveis distributivas, essa única taxa de lucros correspondia ao nível "desejado" de utilização da capacidade [20]. Essa taxa única de lucros é a que indicamos como a taxa normal de lucros r*, correspondente ao salário real dado w*.
[19]: Cf., por exemplo, o conceito de "capital livre" usado por Wicksell (1935, pp. 145, 234).
[20]: É claro que isso deverá ser feito com relação à técnica dominante (cf. parágrafo 15 e nota 28 abaixo).
11. Munidos dessa noção de nível desejado de utilização da capacidade e da definição associada da taxa normal de lucros r*, podemos agora retornar ao primeiro possível significado da equação de Cambridge e examinar mais de perto a falácia de considerar que g*, na equação (2.3), reflete a taxa real (média) de acumulação e, portanto, é a variável independente que determina r* nessa equação. Prosseguiremos por meio de uma ilustração.
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