APÊNDICE 6.2 - A Taxa de Lucro como uma Taxa Real
A teoria do capital é uma das áreas mais difíceis e controversas da teoria econômica. De Karl Marx às controvérsias de Cambridge, há um desacordo contínuo entre os economistas sobre o que é capital e como ele deve ser mensurado. (Hulten 1990, 119)
I. Conceitos de Capital
Foi observado no capítulo 6, seção I, que o conceito de capital varia consideravelmente entre as tradições econômicas. Na tradição clássica, capital consiste naquilo que é usado para gerar lucro. O Apêndice 4.1 estabeleceu que os gastos com mão de obra e matérias-primas aparecem nas contas nacionais como mudanças nos estoques de capital circulante (matérias-primas e trabalho em andamento), e os gastos com instalações e equipamentos aparecem como mudanças no estoque de capital fixo.
A riqueza pessoal ou pública é diferente de capital. Um mecânico autônomo pode utilizar ferramentas para ganhar a vida, usar sua renda para adquirir e mobiliar uma casa, e pagar seus estudos universitários para aprimorar suas habilidades. Suas ferramentas e mobília fazem parte de sua riqueza, e sua educação faz parte de suas habilidades, das quais sua renda pode derivar. Nenhuma dessas coisas é capital. Mas se ela trabalha como funcionária em uma oficina de reparos, ela trabalha para gerar lucro para seu chefe. Nesse caso, seus salários (que podem depender de suas habilidades) e as ferramentas e máquinas com as quais ela trabalha fazem parte do capital dele.
Dentro da categoria de capital, a distinção entre capital circulante e fixo depende da relação de um item específico com o ciclo de produção no qual ele opera, não da duração de sua vida econômica em relação a algum período temporal arbitrário, como um ano. Assim, um molde de argila é capital circulante se for consumido no processo de produção, enquanto moldes de plástico e aço são capital fixo se puderem ser usados em mais de um ciclo de produção. No entanto, um molde de plástico pode não durar mais do que (digamos) seis meses de ciclos de produção, enquanto um molde de aço pode durar vários anos. Se tomássemos um mês como período de referência, ambos seriam classificados como bens duráveis; se tomássemos um ano, o primeiro seria reclassificado como perecível; e com uma década como período de referência, ambos seriam classificados como perecíveis. Nada disso mudaria o fato de que os moldes de argila continuam sendo capital circulante, e os moldes de plástico e aço continuam sendo capital fixo ao longo do tempo. A distinção é funcional, não temporal (Shaikh e Tonak 1994, 13–17).
Em uma economia capitalista, o capital inclui ativos empresariais, como dinheiro, estoques, instalações e equipamentos. A riqueza, por outro lado, também inclui terras, recursos nacionais e edifícios e equipamentos governamentais (riqueza pública), bem como residências privadas e outros bens de consumo duráveis (riqueza privada). A economia neoclássica confunde a distinção entre riqueza e capital porque simplesmente define “capital” como riqueza que dura mais de um ano. Isso abrange o capital empresarial e a riqueza pessoal e pública, bem como a "riqueza intangível", como conhecimento e habilidades (“capital humano”). As contas nacionais modernas incorporam essa abordagem neoclássica: capital é qualquer coisa que seja durável, e salários, dividendos e lucros são tratados como categorias equivalentes de renda (de modo que os circuitos de receita e capital são confundidos). Daí decorre a convenção contábil de que todos os fluxos fazem parte das contas de "renda" e todos os acréscimos ao estoque fazem parte das contas de "capital" (ver apêndice 4.1). A economia keynesiana permanece dentro desse quadro convencional.
O tratamento de Sraffa sobre preços e taxas de lucro, no qual me baseio amplamente, foca inteiramente no circuito de capital, de modo que a necessidade de distinguir entre riqueza e capital não surge. Ele também apresenta um meio muito sofisticado de calcular as depreciações, o que é uma questão importante na mensuração do estoque de capital. Mas ao fazer isso, ele incorpora três noções convencionais da economia ortodoxa: a definição de capital fixo por sua durabilidade [1]; a definição "física" de capital, na qual apenas mercadorias, e não dinheiro, aparecem como capital; e uma definição correspondente de capital como estoque líquido, em vez de bruto, o que define a maneira particular como ele trata o capital fixo como um produto conjunto. Já argumentei contra os dois primeiros pontos. Defendo, no apêndice 6.3, que o estoque bruto é a medida clássica apropriada de capital, e mostro que isso simplifica consideravelmente o tratamento do capital fixo como um produto conjunto. Mas primeiro, focamos em uma grande virtude do tratamento de Sraffa sobre preços e lucros, que é o fato de que a relação entre os lucros atuais e o custo atual do capital define uma taxa de lucro real.
[1]: Sraffa (1960, 63) ilustra a natureza dos preços de produção com um exemplo de insumos físicos apenas e define o capital fixo como "instrumentos duráveis de produção."
II. A Taxa de Lucro a Preços Correntes como uma Taxa de Lucro Real
A taxa de lucro clássica pode ser definida por meio de um sistema de preços de produção [2]. A seguir, matrizes e vetores são delineados em negrito.
p = p · a + p · κ · d + p · w · l + r · p · κ (6.2.1)
onde $p$ é o vetor de preços atuais de mercadorias $1 \times n$, $a$ é a matriz $n \times n$ de coeficientes de insumo-produto, $\eth$ é a matriz diagonal de coeficientes de depreciação de bens de capital [3], e $\kappa$ é a matriz $n \times n$ de coeficientes de capital (a qual detalharemos mais na próxima seção), $w$ é o vetor $n \times 1$ de bens-salário por trabalhador, e $l$ é o vetor $1 \times n$ dos requisitos de trabalho por unidade de produto. Uma característica importante deste sistema é que a taxa uniforme de lucro não depende da escala de produção, embora a quantidade total de lucro e o estoque total de capital dependam. Assim, a partir da equação $6.2.1$, podemos escrever
[3]: Quando o capital fixo é tratado como um produto conjunto no sistema de preços de produção, como em Torrens, Ricardo, Marx, von Neumann e Sraffa, os coeficientes de depreciação são determinados de forma endógena e variam com a taxa de lucro e com a tecnologia. Porém, em casos simples, podemos considerá-los como dados em condições de produção determinadas, o que é suficiente para nosso propósito atual. O Apêndice 6.3 trata do caso geral.
III. A Taxa de Lucro, Participações no Lucro e a Razão Produto-Capital
A taxa de lucro também pode ser expressa em termos de vários sub-ratios (subproporções), nos quais a teoria mais uma vez desempenha um papel fundamental. Começamos dividindo o numerador e o denominador da expressão da taxa de lucro pelo produto líquido a preços correntes (Y), e escrevendo a participação dos lucros como σP = (P/Y) e a relação produto–capital como R = (Y/K).
Podemos usar a identidade da renda nacional Y = W + P, sendo W a massa salarial = w · L, w o salário nominal, y = Y/L o produto líquido por trabalhador a preços correntes, e σW = (W/Y) = (w/y) a participação dos salários, para expressar a participação dos lucros — e, portanto, a taxa de lucro — em termos da participação dos salários.
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