domingo, 17 de setembro de 2023

Economia Clássica Moderna - Theodore Mariolis e Lefteris Tsoulfidis

MARIOLIS, Theodore; TSOULFIDIS, Lefteris. Modern Classical Economics and Reality. A Spectral Analysis of the Theory of Value and Distribution. Japan: Springer, 2016.

Livro original em inglês disponível aqui.

Obs: as definições entre [] foram adicionadas pelo tradutor do texto, não sendo responsabilidade dos autores algum eventual equífoco ou desvio do sentido original do texto.

Sumário

1. Economia Clássica Antiga e Moderna 1

1.1 Introdução 1

1.2 Economia Clássica 3

1.3 Representação de Variáveis de Estado e Teoria do Capital 8

1.4 Considerações Finais 12

2. Teoria Moderna Clássica de Preços e Produção 15

2.1 Introdução 15

2.2 Preliminares 16

    2.2.1 O Sistema de Preços de Produção Estacionários 16

    2.2.2 Um Sistema Dinâmico 28

    2.2.3 Taxas de Lucro Diferenciais, Capital Fixo e Produção Conjunta 30

    2.2.4 Economia Aberta 32

2.3 Limites Normativos 33

    2.3.1 Limites para a Curva da Taxa de Lucro Relativa ao Salário 33

    2.3.2 Limites para as Curvas da Taxa de Lucro Relativa ao Preço 36

2.4 Efeitos de Preço Relativos 40

    2.4.1 Efeitos de Preço das Mudanças na Distribuição de Renda 41

    2.4.2 Efeitos de Preço do Deslocamento da Produtividade Total 50

2.5 Considerações Finais 54

Apêndice: Abordagem de Bohm-Bawerk 54

3. Valores, Preços e Distribuição de Renda em Economias Atuais 67

3.1 Introdução 67

3.2 Um Exemplo Numérico da Tabela Input-Output dos EUA 68

    3.2.1 Valores de Trabalho e Preços Diretos 69

    3.2.2 Preços Reais e Taxas de Lucro 71

    3.2.3 Curvas de Preço de Produção Relativo à Folha de Pagamento 72

3.3 Estimativas de Preços para Diversas Economias Atuais 74

    3.3.1 Grécia 75

    3.3.2 Japão 75

    3.3.3 Canadá, China, Coreia, Reino Unido e EUA 75

3.4 Aproximação Polinomial de Steedman 77

3.5 Comparação de Preços Intertemporais 82

3.6 Diferenças entre Preços Diretos de Produção e Diferenças de Intensidade de Capital 88

3.7 Ilustração Empírica dos Limites para os Preços de Produção 93

3.8 A Monotonicidade das Curvas de Preço de Produção e Taxa de Lucro 97

    3.8.1 China 97

    3.8.2 Grécia 101

    3.8.3 Japão 104

    3.8.4 Finlândia 104

3.9 Ilustração Empírica da Curva de Taxa de Lucro Relativa à Folha de Pagamento 110

3.10 Considerações Finais 113

Apêndice 1: Fontes de Dados e Construção de Variáveis 115

Grécia 115

Japão 116

China 117

Coreia 118

Reino Unido e EUA 119

Canadá 119

Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha e Suécia 121

Apêndice 2: Nota sobre as Tabelas de Oferta e Uso 122

4. Medidas de Desvio entre o Preço de Produção e o Valor Trabalho e Condições de Produção 129

4.1 Introdução 129

4.2 Análise Teórica de uma Economia de Duas Indústrias 130

4.3 Generalização 138

4.4 Ilustração Empírica 142

4.5 Considerações Finais 146

Apêndice: Medidas Livres de Numeração 146

5 Decomposições Espectrais de Economias de Produtos Únicos 151

5.1 Introdução 151

5.2 Decomposições Espectrais 152

    5.2.1 Numeração Arbitrária 153

    5.2.2 Commodity Padrão de Sraffa 157

5.3 Evidência Empírica 167

    5.3.1 Distribuições de Autovalor e Valor Singular 167

    5.3.2 Aproximações da Taxa de Lucro Relativa à Folha de Pagamento 188

    5.3.3 Efeitos de Preço Relativos ao Deslocamento da Produtividade Total 198

   5.3.4 Desvio de Autovalor de Preços Comandados pelo Trabalho em Relação aos Valores Trabalho 204

5.4 Considerações Finais 212

6. Estabilidade e Perturbações de Bródy 215

6.1 Introdução 215

6.2 Conjectura de Bródy: Fatos e Números da Economia dos EUA 218

6.3 Procedimentos Iterativos Marxistas 222

6.4 Flutuações Agregadas de Choques Setoriais 225

6.5 Considerações Finais 226

Apêndice 1: Sobre o Multiplicador Sraffiano 227

Apêndice 2: Efeitos de Preço da Desvalorização da Moeda 231

1. Economia Clássica Antiga e Moderna 1

Resumo

Este capítulo introdutório demarca as relações centrais entre as teorias clássica, neoclássica tradicional e clássica moderna de valor, distribuição e capital. Então, argumenta-se que a representação por variáveis de estado de sistemas lineares poderia ser considerada uma abordagem para revelar as propriedades essenciais de um sistema linear de produção de mercadorias e lucros positivos por meio de mercadorias, e, portanto, determinar em que medida essas propriedades se desviam daquelas previstas pelas teorias tradicionais de capital."

[Variáveis de estado: mínimo conjunto de variáveis capaz de descrever todo o funcionamento de determinado sistema. Ou seja, as variáveis de estado são um conjunto mínimo de variáveis que, quando conhecidas em um determinado momento, são suficientes para prever o comportamento futuro do sistema]

1.1 Introdução

O termo "economia política clássica" foi originalmente cunhado por Karl Marx para caracterizar todos os economistas, começando com William Petty na Inglaterra e Pierre Le Pesant de Boisguilbert na França, e terminando com Ricardo na Inglaterra e Simonde de Sismondi na França. Segundo Marx, o foco dos economistas clássicos era a determinação do excedente (valor), definido como a diferença entre o valor total da produção produzida e o valor dos insumos (trabalho e não trabalho) usados na produção.

O principal problema com o qual a teoria clássica de valor e distribuição se deparou foi a relação entre a criação de excedente e o funcionamento do sistema de preços de commodities que permite o surgimento de excedente na forma de lucro, aluguel, juros e impostos, enquanto o salário real, ou seja, o conjunto de commodities que os trabalhadores normalmente compram, aparece na forma de salário em dinheiro. Na abordagem clássica, o excedente é definido como a diferença entre as mercadorias produzidas e aquelas necessárias para a reprodução da sociedade. Formalmente falando, o excedente é igual ao vetor de produção bruta menos o vetor de insumos intermediários e salários reais. Essa diferença é chamada de excedente porque é uma quantidade determinada residualmente e, portanto, pode ser consumida ou investida. Se todo o excedente for consumido, então a sociedade está em seu estado estacionário ou reprodução simples, o que, no entanto, pode ser concebido apenas como um caso teórico interessante, em vez de uma possibilidade realista, uma vez que o capitalismo é, por sua própria natureza, um sistema inerentemente propenso ao crescimento. Quanto mais o excedente for dedicado ao investimento líquido, maior será o crescimento da economia, e se todo o excedente for investido, então a economia expande a sua taxa máxima de crescimento ou, em termos de reprodução, a economia atinge a sua máxima reprodução expandida.

Com esse contexto em mente, ao investigarmos a quantificação do excedente, percebemos que não lidamos com uma quantidade homogênea, mas sim com um vetor de mercadorias heterogêneas das quais não podemos nos referir às suas formas específicas. Uma solução que foi tentada por David Ricardo (1815) é teorizar a produção como ocorrendo em um único setor, onde a mesma mercadoria serve como insumo e produção de saída simultaneamente. O milho, por exemplo, poderia ser tal mercadoria, e a taxa de lucro do setor de milho seria igual à relação entre o excedente de milho e os insumos de milho (milho-semente e salários reais dos trabalhadores). Além disso, a competição garantiria que a taxa de lucro se igualasse nos outros setores da economia. Portanto, dada a taxa de lucro uniforme da economia e a taxa de salário real, poderíamos, em princípio, pelo menos, determinar os preços reais das commodities. A segunda alternativa é expressar tanto os insumos quanto as saídas em termos de tempo de trabalho ("teoria pura do valor do trabalho"). No entanto, por mais simples que essa alternativa possa ser, os economistas clássicos enfrentaram uma série de problemas para os quais não encontraram soluções satisfatórias (particularmente para os problemas relacionados à interação entre a participação na renda e os preços das commodities). A terceira alternativa é expressar a produção de mercadorias como um sistema de n equações com n preços de commodities (sempre assumindo indústrias de produto único). O problema com esse tratamento é a determinação das variáveis distributivas, que já não é trivial ao se assumir apenas duas classes sociais, ou seja, capitalistas e trabalhadores. Embora os antigos economistas clássicos tenham seguido esse tratamento, eles não conseguiram chegar a uma solução completa porque muitos dos pré-requisitos matemáticos necessários ainda não haviam sido descobertos (por exemplo, os teoremas de Perron-Frobenius para matrizes semi-positivas).

A suposição de que a livre concorrência tendencialmente igualará as taxas de lucro entre as indústrias em relação à taxa geral da economia é de extrema importância para a análise clássica. O mecanismo para essa equalização tendencial é a aceleração ou desaceleração da acumulação de capital. Por exemplo, se uma indústria obtém uma taxa de lucro acima da taxa geral da economia, a acumulação de capital nessa indústria se acelera e a expansão de sua produção reduz o preço ao nível que proporciona a taxa de lucro geral. O oposto é verdadeiro para indústrias que obtêm uma taxa de lucro menor. Nesse caso, a desaceleração da acumulação e a redução da produção elevam o preço do produto a um nível em que incorpora a taxa de lucro geral. Essa posição para a qual o sistema econômico tende, na qual os preços, as saídas e a taxa de lucro estão em seus níveis normais, é chamada de equilíbrio de longo prazo, e a análise de tais posições é chamada de método de longo prazo. Deve-se enfatizar desde o início que o termo "período longo" refere-se ao tempo analítico necessário até que o sistema atinja sua posição normal.

Este capítulo introdutório tem como objetivo esboçar as relações centrais entre as teorias clássicas, neoclássicas tradicionais e modernas sobre valor, distribuição e capital [1]. Com base tanto na última teoria quanto na moderna representação de variáveis de estado de sistemas lineares, ele também define a premissa básica do presente livro.

[1]: Para uma discussão da história do pensamento econômico sobre as estruturas das abordagens clássicas e neoclássicas, consulte Tsoulfidis (2010, Capítulos 6 e 7, 2011).

O restante do capítulo está estruturado da seguinte forma. A seção 1.2 expõe as relações entre as teorias mencionadas e aponta a origem das dificuldades conceituais e analíticas para as tradicionais. A seção 1.3 esboça a importância da representação de variáveis de estado de sistemas de produção lineares para a teoria do capital. Por fim, a Seção 1.4 conclui.

1.2 Economia Clássica

Embora nenhum dos antigos economistas clássicos tenha especificado o "núcleo" de sua teoria de forma explícita, pode-se teorizar, com base em argumentos lógicos e textuais, que as contribuições clássicas para a teoria do valor e da distribuição compartilham um conjunto comum de variáveis exogenamente determinadas. Esse conjunto inclui apenas quantidades observáveis e mensuráveis (ou calculáveis) e preocupações (Kurz e Salvadori 1998, p. 8) [2]:

[2]: Consulte também Pasinetti (1959-1960, 1981), Eatwell (1983), Garegnani (1984) e Steedman (1979a, Caps. 1-3, 1998).

(i) O conjunto de alternativas técnicas das quais os produtores que minimizam custos podem escolher.

(ii) O tamanho e composição do produto social, refletindo as necessidades e desejos dos membros das diferentes classes da sociedade e os requisitos da reprodução e acumulação de capital.

(iii) A(s) taxa(s) de salário real vigente(s).

(iv) As quantidades de diferentes qualidades de terras disponíveis e os estoques conhecidos de recursos esgotáveis (como depósitos minerais).

As variáveis independentes mencionadas são suficientes para determinar completamente as incógnitas ou variáveis dependentes do sistema, ou seja, a taxa de lucro, as taxas de aluguel e os preços relativos de longo prazo das mercadorias (ou preços de produção).

Os economistas clássicos tinham todos esses elementos implícitos em suas análises, embora não compartilhassem uma visão única. Por exemplo, a teoria de valor de Ricardo não era a mesma de Marx, enquanto também havia os economistas pró-trabalho (por exemplo, Robert Owen, William Thompson e Thomas Hodgskin), que, inspirados na teoria do valor do trabalho ricardiana, argumentavam que todo o excedente deveria pertencer aos trabalhadores, pois são eles os criadores do excedente; segue-se, portanto, que o lucro do capitalista e o aluguel do proprietário são deduções diretas do valor das mercadorias. Em resumo, o valor de uma mercadoria deve ser igual ao trabalho que foi investido em sua produção, o que equivale a dizer que nem os lucros nem os aluguéis são rendas justificadas por motivos morais. O valor das mercadorias é criado apenas pelo trabalho e, portanto, todo o valor de uma mercadoria deve pertencer aos trabalhadores. Essa variante mais normativa da teoria do valor do trabalho deu origem a um movimento anticapitalista. Um problema desse tipo, desenvolvido no contexto da teoria do valor do trabalho, juntamente com a incapacidade dos defensores dos antigos economistas clássicos de fornecer respostas satisfatórias para certas questões espinhosas (ou seja, o papel da demanda, a quantidade de capital empregado, etc.), levou à "desintegração da escola ricardiana" e, com ela, ao declínio do pensamento clássico. Gradualmente, muitos economistas abandonaram a ideia de que os preços são determinados por forças de mercado sistemáticas e, portanto, persistentes e, em vez disso, atribuíram a ideia de que os preços das mercadorias são determinados pelas forças efêmeras de oferta e demanda, ou seja, pela concorrência. Marx caracterizou essa abordagem como "vulgar" simplesmente porque atribuía a determinação dos preços de mercado à mera operação da concorrência e não a algo mais fundamental "por trás" das forças de demanda e oferta que poderia estabelecer uma relação causal.

Com esse pano de fundo, não é surpreendente que um número crescente de economistas tenha começado a se afastar do pensamento clássico, embora não tenham abandonado muitas das ideias clássicas, e até a teoria do valor-trabalho tenha permanecido por algum tempo (especialmente entre os economistas britânicos). O que estava realmente em jogo era a causalidade, que, para os antigos economistas clássicos, segue da determinação do custo através da quantidade de tempo de trabalho até os preços de equilíbrio, enquanto para os economistas neoclássicos, a "seta da causalidade" parte da demanda que é determinada pela "utilidade" (cardinal ou ordinal). A oferta (ou custo de produção), por outro lado, era determinada pela utilidade negativa ou desutilidade, e, ao fazer isso, os economistas neoclássicos conseguiram expressar a oferta em termos de uma unidade comum de medida. Por exemplo, o salário é a compensação pela desutilidade que os trabalhadores sofrem ao oferecer parte de seu domínio de serviços de trabalho. Da mesma forma, lucros e aluguéis são as compensações pela desutilidade que os proprietários de capital e terra, respectivamente, sofrem ao contribuir com seus domínios para a produção de bens e (outros) serviços. Ao expressar a oferta como desutilidade, os economistas neoclássicos puderam reunir demanda e oferta para a determinação simultânea do preço e da quantidade de equilíbrio. Para a determinação desse equilíbrio, os indivíduos se comportam racionalmente, ou seja, exibem comportamento otimizador. Não há dúvida de que este é um problema de otimização, onde o ganho total é maximizado, uma vez que o benefício marginal (utilidade) é igual ao sacrifício marginal (desutilidade) (ver também Eatwell 1983; Kurz e Salvadori 2015). É interessante notar que, nessa nova teoria "neoclássica ou marginalista", o individualismo-cum-subjetivismo é a principal característica tanto das decisões de demanda quanto de oferta. Nesse sentido, a teoria neoclássica, por se referir ao longo período e reconhecer forças sistemáticas subjacentes às programações de demanda e oferta, não pode ser caracterizada como vulgar.

Claramente, a diferença substancial entre a antiga teoria clássica e a nova teoria não foi totalmente compreendida mesmo pelos principais defensores da "revolução marginal" da década de 1870 (ver também Milgate e Stimson 2011, Cap. 13). Por exemplo, Léon Walras ([1874–1877] 1954) afirmou que o sistema clássico é, no máximo, subdeterminado:

"Agora devemos discutir a teoria [inglesa, ou seja, clássica] matematicamente para mostrar como ela é ilusória. Seja P o preço agregado recebido pelos produtos de uma empresa; sejam S, I e F, respectivamente, os salários, encargos de juros e aluguéis desembolsados pelos empreendedores, no decorrer da produção, para pagar pelos serviços das faculdades pessoais, capital e terra. Vamos lembrar agora que, segundo a Escola Inglesa, o preço de venda dos produtos é determinado pelos custos de produção, ou seja, é igual ao custo dos serviços produtivos empregados. Assim, temos a equação

P = S + I + F

E P é determinado para nós. Resta apenas determinar S, I e F. Certamente, se não é o preço dos produtos que determina o preço dos serviços produtivos, mas sim o preço dos serviços produtivos que determina o preço dos produtos, é preciso nos dizer o que determina o preço dos serviços. Isso é precisamente o que os economistas ingleses tentam fazer. Para isso, eles constroem uma teoria de aluguéis segundo a qual o aluguel não está incluído nos custos de produção, alterando assim a equação acima para

P = S + I

Feito isso, eles determinam S diretamente pela teoria dos salários. Então, finalmente, eles nos dizem que "a quantia de juros ou lucro é o excesso do preço agregado recebido pelos produtos sobre os salários gastos em sua produção", em outras palavras, que é determinado pela equação

I = P − S

Agora está claro que os economistas ingleses estão completamente perplexos com o problema da determinação de preços; pois é impossível para I determinar P ao mesmo tempo que P determina I. Na linguagem da matemática, uma equação não pode ser usada para determinar dois desconhecidos. Essa objeção é levantada sem fazer qualquer referência à nossa posição sobre a maneira como a Escola Inglesa elimina o aluguel antes de se propor a determinar os salários."

Essa objeção crucial fornece o ponto de partida para a construção de um sistema de determinação bastante diferente, conhecido como o sistema (tradicional) neoclássico, no qual as variáveis exogenamente determinadas são (Kurz e Salvadori 1998, p. 10):

(i) O conjunto de alternativas técnicas das quais os produtores que buscam minimizar custos podem escolher;

(ii) As preferências dos consumidores (que não são diretamente observáveis);

(iii) As dotações iniciais da economia com todos os 'fatores de produção', incluindo 'capital', e a distribuição dos direitos de propriedade entre os agentes individuais.

Dentro desse sistema, tanto os preços quanto as variáveis distributivas são explicados simultaneamente e de forma simétrica em termos de demanda e oferta por 'bens' e serviços dos 'fatores de produção', respectivamente, e, assim, refletem as 'escassezes relativas' desses 'bens e fatores'.

[3]: Como Kurz (2014, p. 11) observa, 'o mesmo tipo de crítica pode ser encontrado também nos tempos mais recentes' (e menciona, como exemplo, dois artigos de Kenneth J. Arrow, publicados em 1972 e 1991).

Quase três décadas depois, Vladimir K. Dmitriev (1898), 'uma figura romântica e sombria, que fundou a economia matemática russa' (Samuelson 1975, p. 491), começou explicitamente com a objeção de Walras e então demonstrou que em sistemas de produção fechados e lineares envolvendo apenas produtos únicos, capital circulante e duas variáveis distributivas, ou seja, as taxas de salário e lucro, o conjunto de dados clássicos (ou, mais precisamente, ricardianos) é suficiente para uma determinação simultânea da taxa de lucro e dos preços relativos de commodities (ver também Kurz e Salvadori (2002)). Em particular, ele mostrou que:

(i) A relação entre a taxa de salário monetário e a taxa de lucro é estritamente decrescente, independentemente do numerário escolhido.

(ii) A taxa de lucro é determinada pela taxa de salário real e pelas condições técnicas de produção nas indústrias que produzem commodities salariais e meios de produção utilizados, direta ou indiretamente, na produção de commodities salariais. Segundo Dmitriev (1898):

Dificilmente alguém contestará que o único processo que determina o nível de lucro no momento atual é o processo [entrada-saída] de produção dos meios de subsistência dos trabalhadores (capitale alimento [Achille Loria]). [...] [A] investigação das condições que afetam o nível [da taxa de salário real] está fora do escopo (e competência) da economia política e dentro da esfera de outras disciplinas [...]. [A] economia política deve considerar [a taxa de salário real] como dada em sua análise.$^4$ (pp. 73–74)

(iii) A taxa de lucro é positiva se e somente se o valor excedente (ou trabalho excedente) for positivo ou, equivalentemente, se os requisitos totais de insumo da commodity i (i = 1, 2 , ... ,n) necessários para produzir 1 unidade de produção bruta da commodity i forem inferiores a 1.

(iv) Os preços podem ser reduzidos a quantidades físicas de trabalho, ponderadas com a taxa de lucro composta apropriada às suas datas conceituais de aplicação. Portanto, os preços relativos são independentes das condições de demanda.

(v) Os preços são proporcionais aos valores do trabalho apenas quando a taxa de lucro é zero ou a 'composição do valor do capital' (Marx) é uniforme em todas as indústrias (voltaremos a todos esses temas no Cap. 2).

(vi) O sistema neoclássico é na verdade baseado na extensão do 'princípio da escassez', que Ricardo (e outros economistas clássicos) haviam limitado apenas aos recursos naturais, a todos os 'bens e fatores de produção' (considere também Muhlpfordt 1895, pp. 92–93 e 98–99).

Assim, Dmitriev (1898) concluiu finalmente que

"Dirigir à teoria de Ricardo o clichê de que ela 'define preço em termos de preço' é manifestar uma completa falta de compreensão das obras desse grande teórico econômico. (p. 61)"

A economia clássica moderna tem suas bases no trabalho de Piero Sraffa. Como enfatiza Garegnani (1998):

"A importância do trabalho [de Sraffa] para a teoria econômica contemporânea parece repousar essencialmente nos seguintes três elementos: (1) sua redescoberta da abordagem teórica característica dos economistas clássicos; (2) sua solução de algumas dificuldades analíticas-chave que não foram resolvidas por Ricardo e Marx; (3) sua crítica à teoria marginal." (p. 395)

As proposições da economia clássica moderna que são particularmente importantes para o presente livro podem ser resumidas da seguinte forma$^5$:

[5]: Consulte Bhaduri (1966), Pasinetti (1966), Garegnani (1970), Steedman (1979a, b), Kurz e Salvadori (1995) e as referências ali contidas. No sistema moderno de economia clássica, a taxa de salário real não é necessariamente uma variável exogenamente dada. Esse sistema determina as relações entre, por um lado, variáveis distributivas e preços de commodities, e, por outro lado, crescimento, produção física e alocações de trabalho. Assim, existem maneiras alternativas de fechá-lo (considere, por exemplo, a 'teoria monetária da distribuição', ou seja, a possível determinação da taxa de lucro pela taxa de juros monetária; Sraffa 1960, p. 33, Panico 1988, Pivetti 1991).

(i) Dada a taxa de salário real, os preços relativos de commodities dependem da taxa de lucro, e a taxa de lucro depende dos preços relativos de commodities. Consequentemente, 'a distribuição do excedente deve ser determinada pelo mesmo mecanismo e ao mesmo tempo que os preços das commodities'. (Sraffa 1960, p. 6)

(ii) Mesmo com métodos de produção inalterados, alterações na distribuição de renda ativam efeitos de retroalimentação de preços, o que implica que as direções dos movimentos de preços relativos são governadas não apenas pelas diferenças nas intensidades de capital relevantes, mas também pelos movimentos das intensidades de capital relevantes. Assim, a direção dos movimentos de preços relativos não pode ser conhecida a priori.

(iii) A 'intensidade de capital' das técnicas de produção não precisa diminuir (aumentar) à medida que a taxa de lucro (a taxa de salário) sobe.

(iv) As proposições mencionadas implicam que as tentativas tradicionais da escola neoclássica ou da escola austríaca de começar a partir de uma 'quantidade de capital' ou de um 'período médio de produção' dados para determinar a taxa de lucro ou de juros são infundadas. Elas também minam a análise neoclássica da demanda e oferta por 'capital' e trabalho e, assim, a explicação das variáveis distributivas como os preços de serviço dos 'fatores de produção' que refletem suas 'escassezes'. Na prática, todas as afirmações e relações derivadas de uma função de produção agregada ou de um quadro de período médio de produção não podem, em geral, ser estendidas além de um mundo onde (a) não existem meios de produção produzidos; ou (b) existem meios de produção produzidos, enquanto a taxa de lucro sobre o valor desses meios de produção é zero (ver também Samuelson 1953–1954, pp. 17–19); ou, finalmente, (c) a taxa de lucro é positiva, enquanto a economia produz apenas uma única commodity, simples ou composta (ver também Steedman 1994). Nesse mundo, também existem afirmações tradicionais clássicas e marxistas que são necessariamente válidas. Burmeister (1975) observa:

"Não há dúvida de que a economia seria uma disciplina mais fácil se Deus impusesse a restrição 'igual composição orgânica [de valor] do capital' ao mundo, uma restrição tecnológica da natureza tão imutável quanto as leis da física." (p. 456)

Portanto, pode-se concluir que as dificuldades conceituais e analíticas das teorias tradicionais de valor e distribuição surgem da existência de ligações complexas entre setores na situação realista de produção de commodities e lucros positivos por meio de commodities.

1.3 Representação por Variável de Estado e Teoria do Capital

É bem sabido que uma classe importante de sistemas lineares pode ser representada axiomáticamente por$^6$

\[ \Psi_{t + 1} = \gamma_t\beta + \Psi_t A, t = 0, 1, 2, ... \hspace{1cm} (1.1) \]

\[ \varepsilon_t = \Psi_t\delta^T \hspace{1cm} (1.2) \]

onde $\Psi_t$ denota o vetor real de 'estado' 1 x n, ou seja, o vetor que captura o estado do sistema com n nós no tempo t; A é a matriz de sistema real, constante, n x n (também conhecida como matriz de coeficientes do sistema), que descreve as forças de interação entre os componentes do sistema; $\gamma_t$ é a entrada do sistema, que constitui uma função escalar do tempo (também conhecida como vetor de controle unidimensional); $\beta$ é o vetor de entrada real, constante, 1 x n (pode identificar os nós controlados por um controlador externo que impõe $\gamma_t$); $\delta^T$ é o vetor de saída real, constante, n x 1; εt é a saída do sistema (também conhecida como variável de medição); e Eqs. 1.1 e 1.2 são as equações dinâmicas do sistema. O análogo dessas equações no tempo contínuo é

\[ \frac{d\Psi(t)}{dt} = \gamma(t)\beta + \Psi(t) [A - I] \hspace{1cm} (1.1 a) \]

\[ \varepsilon(t) = \Psi(t)\delta^T \hspace{1cm} (1.2a) \]

[6]: Matrizes (e vetores) são delineadas em letras em negrito. A transposta de um vetor 1 x n $\Psi \equiv [\Psi_j]$ é denotada por $\Psi^T$. A matriz diagonal formada pelos elementos de $\Psi$ será denotada por $\hat{\Psi}$, e denotarei a matriz identidade n x n.

[Matriz diagonal: matriz cujos elementos, com exceção dos elementos da diagonal princial, são iguais a zero]

Deve-se observar que a chamada representação tradicional de sistemas lineares é baseada na 'função de transferência' (uma função racional adequada de grau não superior a n), em vez das Equações de diferença 1.1 e 1.2 ou das Equações diferenciais 1.1a e 1.2a. No entanto, essa função não necessariamente contém todas as informações que caracterizam o comportamento do sistema (voltaremos a este tema na Seção 2.2.2). Essa representação axiomática é baseada nas leis da mecânica de Newton:

"Fenômenos físicos macroscópicos são comumente descritos em termos de relações de causa e efeito. Este é o 'Princípio da Causalidade'. A ideia envolvida aqui é pelo menos tão antiga quanto a mecânica newtoniana. Segundo esta última, o movimento de um sistema de partículas é totalmente determinado para todo o tempo futuro pelas posições e momentos presentes das partículas e pelas forças presentes e futuras atuando sobre o sistema. Como as partículas realmente alcançaram suas posições e momentos presentes é irrelevante. Forças futuras não podem ter efeito sobre o que acontece no presente. Em terminologia moderna, dizemos que os números que especificam a posição e o momento instantâneos de cada partícula representam o estado do sistema. O estado deve ser sempre considerado como uma quantidade abstrata." (Kalman 1963, p. 154)

[7]: Por definição, essa axiomatização é incompleta para sistemas que incluem expectativas dos agentes sobre o futuro. Nesse caso, 'o futuro influencia o presente tanto quanto o passado' (Friedrich Nietzsche) e, portanto, o conceito de futuridade torna-se indispensável (ver, por exemplo, Willke 1993, Cap. 4).

Assim, o estado de um sistema é uma estrutura matemática contendo as n variáveis $\Psi_{jt}$, ou seja, as chamadas variáveis de estado. Os valores iniciais, $\Psi_{j0}$, dessas variáveis e a entrada, $\gamma_t$, são suficientes para determinar de forma única o comportamento do sistema para qualquer $t \geq 0$. As variáveis de estado não precisam ser quantidades observáveis e mensuráveis; elas podem ser quantidades puramente matemáticas e abstratas. Pelo contrário, a entrada e a saída do sistema são quantidades diretamente observáveis e mensuráveis, ou seja, quantidades que têm um significado concreto (por exemplo, físico ou econômico). Pode-se dizer que as entradas são as forças atuando sobre as partículas. O espaço de estado é o espaço n-dimensional, no qual os componentes do vetor de estado representam seus eixos de coordenadas. A escolha das variáveis de estado, ou seja, a escolha do conjunto mínimo de variáveis para determinar de forma única o comportamento futuro do sistema, não é única. No entanto, um estado exclusivamente determinado corresponde a cada escolha das referidas variáveis.

Duas representações $A,\beta, \delta^T$ e $A^*, \beta^*, \delta^{*T}$ do mesmo sistema são consideradas estritamente equivalentes quando seus vetores de estado, $\Psi_t$ e $\Psi*_t$, respectivamente, estão relacionados para todos os tempos t da seguinte forma:

\[ \Psi^*_t = \Psi_tT \hspace{1cm} (1.3) \]

onde T denota uma matriz constante não singular. Das equações 1.1, 1.2 e 1.3, segue que a equivalência estrita implica nas seguintes relações (e vice-versa):

\[A^* = T^{-1}AT \]

\[\beta^* = \beta T \]

\[\delta^* = T^{-1}\delta^T \]

Essas relações definem uma transformação de similaridade pela matriz T, ou, em outras palavras, uma mudança do sistema de coordenadas no espaço de estado.

Se A possui um conjunto completo de n eigenvectors linearmente independentes ('matriz diagonalizável'), então o sistema (1.1) é estritamente equivalente ao sistema

\[\tilde\Psi_{t + 1} = \gamma_t \tilde{\beta} + \tilde\Psi_t \hat{\lambda}_A \hspace{1cm} (1.4)\]

onde $\hat{\lambda}_A = X_A^{-1} A X_A$ denota a matriz diagonal formada pelos autovalores de $ A, X_A (X_A^{-1}) $ a matriz formada pelos autovetores direitos (esquerdos) de A, conhecida como matriz modal, $\tilde\Psi_t \equiv \Psi_t X_A$ e $\tilde \beta \equiv \beta X_A$. Assim, a matriz modal define um novo sistema de coordenadas ('coordenadas normais') no qual a matriz do sistema é representada por sua matriz diagonal de autovalores e, portanto, o sistema é decomposto em um conjunto de sub-sistemas de primeira ordem não acoplados, onde cada um deles está associado a um autovalor específico do sistema.$^8$

[8]: Se não houver um conjunto completo de eigenvectors, a matriz A não pode ser reduzida a uma forma diagonal por uma transformação de similaridade e, portanto, o sistema original não pode ser decomposto em um conjunto de sub-sistemas de primeira ordem não acoplados (voltaremos a este assunto no Capítulo 2). No entanto, é sempre possível encontrar uma base na qual A é quase diagonal (‘forma normal de Jordan’; ver, por exemplo, Meyer 2001, Seções 7.8 e 7.9). Nesse caso, o sistema transformado (também) contém ‘cadeias’ de sub-sistemas de primeira ordem (associados a um autovalor específico do sistema), onde a saída de um é a entrada de outro.

Finalmente, suponha que a entrada do sistema é constante, ou seja,

\[\Psi_{t + 1} = \gamma \beta + \Psi_t A \hspace{1cm}(1.5)\]

Um ponto de equilíbrio, $\Psi$, do sistema (1.5) deve satisfazer a equação

\[\bar{\Psi} = \gamma \beta + \bar{\Psi} A \hspace{1cm}(1.6)\]

Desde que a matriz  [I−A] seja não singular ou, equivalentemente, que 1 não seja um autovalor de A, há uma solução única

\[\bar{\Psi} = \gamma \beta [I - A]^{-1} \]

No caso oposto, ou não há ponto de equilíbrio (o sistema (1.6) é inconsistente) ou há uma infinidade de tais pontos. Das equações 1.5 e 1.6, segue que

\[\Psi_{t + 1} - \bar{\Psi_t} = (\Psi_t - \bar{\Psi}) A \]

ou

\[\Psi{t+1} - \bar{\Psi} = (\Psi_0 - \bar{\Psi}) A^{t+1}\]

ou, visto que $A = X_A \hat{\lambda}_A X_A^{-1}$ (ver Eq. 1.4),

\[ (\Psi_{t+1} - \bar{\Psi})X_A = (\Psi_0 - \bar{\Psi})X_A[\hat\lambda_A^{t+1}] \]

ou

\[\tilde \Psi_{t+1} - \tilde {\bar{\Psi}} = (\tilde\Psi_0 - \tilde {\bar{\Psi}}) \cdot [\hat{\lambda}_A]^{t+1}\]

onde $\tilde{\bar{\Psi}} \equiv \bar{\Psi} X_A$. Portanto, pode-se afirmar que o ponto de equilíbrio é 'assintoticamente estável', ou seja, para qualquer condição inicial, $\Psi_0$, o vetor de estado tende ao ponto de equilíbrio à medida que o tempo aumenta, se e somente se os autovalores de A têm todos módulos menores que 1.$^9$

[9]: Nesse caso, os autovalores de [A–I] têm todos parte real negativa (e vice-versa); assim, o ponto de equilíbrio do sistema (1.1a), com $\gamma(t) = \gamma$, é assintoticamente estável.


Luenberger (1979) destaca a importância da transformação de diagonalização da seguinte forma:

"[A] função do processo de diagonalização é pelo menos tanto conceitual quanto computacional. Embora o cálculo da matriz de transição de estado $A^t = X_A [\hat\lambda_A]^t [X_A^{-1}]$ possa ser facilitado se os eigenvectors são conhecidos, o problema de calcular os autovalores e eigenvectors para um sistema grande é em si uma tarefa formidável. Frequentemente, essa forma de análise detalhada não é justificada pelo escopo do estudo motivador. De fato, quando restrito a métodos numéricos, geralmente é mais simples avaliar algumas soluções específicas diretamente por recursão. Uma coleção completa de eigenvectors em forma numérica nem sempre é muito esclarecedora. Por outro lado, do ponto de vista conceitual, o processo de diagonalização é inestimável, pois revela uma simplicidade subjacente dos sistemas lineares. Armados com esse conceito, sabemos, quando confrontados com o que parece ser um sistema complexo e interconectado, que há uma maneira de olhar para ele, por meio de uma espécie de lentes distorcidas que mudam as variáveis, para que ele apareça simplesmente como uma coleção de sistemas de primeira ordem. Mesmo que nunca encontremos a transformação de diagonalização, o conhecimento de que ela existe influencia profundamente nossa percepção de um sistema e enriquece nossa metodologia de análise." (pp. 141–142)

Considere, então, um sistema fechado e linear de produção envolvendo apenas produtos únicos, commodities 'básicas' (no sentido de Sraffa 1960, pp. 7–8) e capital circulante; assim, $ A(\geq 0), \beta(>0)$ agora denotam a matriz de 'coeficientes técnicos diretos' e o vetor de 'coeficientes de trabalho diretos', respectivamente. O caso em que $\beta$ é um eigenvector de A, ou seja, $\beta A = \gamma \beta$, corresponde, como é bem conhecido, ao caso de 'composições de valor iguais de capital'. Nesse caso (extremo) e para $\Psi_0 = 0$, $\Psi_{t+1}$ e $\beta$ são linearmente dependentes independentemente da sequência de entrada, $\gamma_t$, ou seja,

\[\Psi_{t+1} = (\gamma_0 \lambda^t + \gamma_1 \lambda^{t-1} + ... + \gamma_{t - 1} \lambda + \gamma_t) \beta \]

A aplicação da transformação de diagonalização a um sistema linear de produção [A, $\beta$] leva a n mundos de commodities não acoplados que podem ser adequadamente analisados em termos das teorias tradicionais de capital:

"Deve-se compreender que interpretamos isso no sentido de 'como se', ou seja, podemos calcular de tal forma que é como se salários, materiais e lucros estivessem realmente sendo pagos em produtos próprios. É, claro, uma ficção; a transformação linear é um sistema contábil, mas não há uma realidade correspondente. Portanto, temos uma Economia Universal de Milho Ricardiana com toda a clareza que ela incorpora. O milho i-ésimo é produzido pelo milho i-ésimo, por mão-de-obra que é paga em milho i-ésimo, o que deixa um lucro em milho i-ésimo. Nesse sentido, parece compartilhar a simplicidade e inteligibilidade da análise de oferta e demanda de Marshall, evitando seu grave defeito (ou seja, leva plenamente em conta a interdependência e não usa ceteris paribus). Um aspecto difícil desse dispositivo é que ele normalmente envolverá quantidades negativas e complexas, tornando difícil dar interpretações de senso comum à análise. Claro, ao voltar à transformação, essas quantidades complexas e negativas desaparecem. A grande vantagem da transformação é que ela separa valor de distribuição e alocação de crescimento." (Goodwin 1976, pp. 131–133; ênfase adicionada)

O problema fundamental não é tanto que esses sub-sistemas ou eigenvectors são 'fictícios', mas sim que eles não têm significado econômico, uma vez que, no caso geral, os autovalores da matriz do sistema não são todos semi-positivos. Assim, deixando de lado casos extremos (e triviais), bem como a possível existência de outras transformações, até agora desconhecidas, que levem a um universo significativo de economias ricardianas de milho, a inevitabilidade do problema da não semi-positividade corrobora ainda mais a crítica baseada em Sraffa das teorias tradicionais. No entanto, a transformação de diagonalização pode ser concebida como uma abordagem para (i) revelar as propriedades essenciais do comportamento estático e dinâmico de um sistema de produção linear como um todo e, portanto, (ii) determinar a extensão em que essas propriedades se desviam daquelas previstas pelas teorias tradicionais. A premissa básica do presente livro é que essas questões podem ser intensivamente investigadas tanto teoricamente quanto empiricamente.

1.4 Considerações Finais

As economias capitalistas não se comportam como a parábola de um mundo de uma única mercadoria da teoria neoclássica tradicional, que teoriza as escassezes relativas de 'bens e fatores de produção' como os determinantes fundamentais dos preços relativos das mercadorias. Em contraste, a teoria clássica moderna, que considera a estrutura inter-setorial da produção e a maneira como a produção líquida é distribuída entre seus reclamantes como os determinantes fundamentais das magnitudes de preço, fornece um quadro aberto para lidar com os efeitos de preço decorrentes de mudanças na distribuição de renda ou/ e condições técnicas de produção. Em particular, parece que a integração dessa teoria com a representação de sistemas lineares por meio de variáveis de estado poderia operacionalizar ainda mais a crítica baseada em Sraffa das teorias tradicionais de capital, lançando novas luzes empíricas e teóricas sobre as relações entre preço, distribuição de renda e tecnologia.

Referências

Bhaduri, A. (1966). The concept of the marginal productivity of capital and the Wicksell effect. Oxford Economic Papers, 18(3), 284–288.

Burmeister, E. (1975). A comment on “This age of Leontief ... and who?”. Journal of Economic Literature, 13(2), 454–457.

Dmitriev, V. K. (1898). The theory of value of David Ricardo: An attempt at a rigorous analysis. In

V. K. Dmitriev (Ed.) ([1904] 1974), Economic essays on value, competition and utility (pp. 37–95). Edited with an introduction by D. M. Nuti, London: Cambridge University Press.

Eatwell, J. (1983). Theories of value, output and employment. In J. Eatwell & M. Milgate (Eds.), Keynes’s economics and the theory of value and distribution (pp. 93–128). London: Duckworth.

Fan, Y.-K. (1983). On the rate of profit in the Ricardo-Dmitriev-Sraffa models. Atlantic Economic

Journal, 11(2), 97.

Garegnani, P. (1970). Heterogeneous capital, the production function and the theory of distribution. The Review of Economic Studies, 37(3), 407–436.

Garegnani, P. (1984). Value and distribution in the classical economists and Marx. Oxford Economic Papers, 36(2), 291–325.

Capítulo 2 - Teoria Clássica Moderna de Preços e Produção

Resumo: Este capítulo investiga as relações entre os preços relativos de longo prazo, produção, estrutura interindustrial de produção, distribuição de renda e crescimento em sistemas lineares. Destaca-se em particular que as expressões funcionais dessas relações admitem limites normativos inferiores e superiores, enquanto sua monotonicidade pode estar relacionada a (i) o grau de desvio do caso de 'composições de valor iguais de capital' e (ii) o 'grau efetivo' da matriz de coeficientes técnicos verticalmente integrada.

Palavras-chave: Grau efetivo da matriz • Distribuição de renda • Crescimento • Limites normativos • Efeitos de preço

2.1 Introdução

A teoria clássica moderna trata tanto do lado dos preços quanto do lado das quantidades nos sistemas de produção de commodities por meio de si mesmas. Este capítulo fornece uma visão geral e análise da pesquisa sobre as relações entre os preços relativos de longo prazo, as produções físicas, a estrutura interindustrial de produção, a distribuição de renda e o crescimento em sistemas lineares. Assim, forma a base analítica para as proposições derivadas neste livro.

O restante do capítulo está estruturado da seguinte forma. A Seção 2.2 apresenta as preliminares necessárias, concentrando-se na determinação de preços relativos e produtos pelas condições técnicas de produção e por uma das variáveis distributivas (ou seja, a taxa de salário real ou, alternativamente, a taxa de lucro). A Seção 2.3 fornece limites inferiores e superiores, expressos em termos da 'norma máxima da matriz de soma de coluna', para as curvas de salário-preço-taxa de lucro. A Seção 2.4 explora os efeitos relativos de preço das mudanças na (i) distribuição de renda e (ii) mudança na produtividade total. Por fim, a Seção 2.5 conclui.

2.2 Preliminares

2.2.1 O Sistema de Preços de Produção Estacionários





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