IZQUIERDO, Sergio Cámara. Bienestar, actividad económica y cuentas nacionales. Reflexiones en torno al concepto de trabajo productivo. Política y sociedad, v. 45, n. 2, p. 151-167, 2008.
INTRODUÇÃO
Do ponto de vista econômico, o bem-estar material ou social da população é medido pela disponibilidade de bens e serviços e é determinado pelo nível de atividade econômica desenvolvido por um país. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a ciência econômica tem como objetivo compreender o funcionamento dos processos econômicos e estabelecer políticas adequadas para sua expansão, por meio da mudança tecnológica e do aumento da produtividade do trabalho, visando melhorar o bem-estar da população [1]. Nesse sentido, a avaliação das diferentes teorias e políticas econômicas requer uma medida precisa da atividade econômica, requisito que se pretende atender por meio dos Sistemas de Contas Nacionais (SCN).
[Nota 01]: É evidente a importante limitação do conceito econômico de bem-estar ao se restringir à quantidade de bens e serviços - quanto consumimos? - omitindo sua qualidade - o que consumimos? - e as consequências negativas de um maior consumo.
No entanto, os critérios de medida estabelecidos nesses sistemas são amplamente discutidos por grande parte da comunidade acadêmica, a partir de diferentes paradigmas econômicos. A discussão sobre a medição da atividade econômica está relacionada ao conceito de trabalho produtivo. Na teoria ortodoxa, a questão do trabalho produtivo raramente é abordada de forma explícita, sendo geralmente tratada implicitamente no debate sobre os critérios de medida dos Sistemas de Contas Nacionais. Dessa forma, a abordagem do tema é mais prática do que teórica. Por outro lado, a teoria do valor do trabalho possui um conceito explícito de trabalho produtivo, baseado em sua concepção especificamente social da produção, embora haja amplas controvérsias em relação à sua delimitação teórica.
Este trabalho discute os alcances dos conceitos de trabalho produtivo ortodoxo e da teoria do valor do trabalho para a medição da atividade econômica. Mostra-se que a definição ortodoxa de produção em sentido amplo - isto é, como a criação de bens e serviços sob uma perspectiva material - não é útil para a medição da atividade econômica, enquanto os critérios "práticos" estabelecidos pelos SCN incorrem em uma série de inconsistências em seu objetivo essencial. A teoria do valor do trabalho não sofre da mesma indefinição teórica e sua teoria do trabalho produtivo, apesar das controvérsias existentes, constitui uma teoria completa e útil sobre a medição da atividade econômica capitalista. No entanto, a limitação desse conceito é dada por sua orientação específica para a produção capitalista e sua incapacidade de medir o bem-estar econômico.
O trabalho está estruturado da seguinte forma. Na primeira seção, investiga-se o tratamento teórico do trabalho produtivo na teoria ortodoxa e analisa-se sua aplicação prática nos Sistemas de Contas Nacionais (SCN). A segunda seção apresenta o conceito de trabalho produtivo da teoria do valor do trabalho e sua utilidade para a medição da atividade econômica, por meio de uma revisão das discussões históricas sobre o tema e uma nova proposta de delimitação do conceito. Na terceira seção, analisam-se os passos necessários para a conversão das categorias contábeis ortodoxas em categorias contábeis da teoria do valor do trabalho e, em seguida, são comparadas algumas categorias contábeis ortodoxas e da teoria do valor do trabalho para o caso específico da Espanha no período de 1954 a 2006.
1. EXISTE UM CONCEITO ORTODOXO DE TRABALHO PRODUTIVO?
Se examinarmos os livros didáticos, poderíamos dizer que não existe uma teoria ortodoxa do trabalho produtivo; na realidade, devemos concluir que não existe uma teoria ortodoxa explícita sobre esse conceito. De fato, toda teoria econômica deve ter uma abordagem sobre os conceitos de trabalho produtivo e produção, e, mais especificamente, sobre os critérios de medição da atividade econômica. Devido ao abandono, por parte da atual ortodoxia econômica, da teoria explícita defendida pelos economistas clássicos - desde os fisiocratas até Marx -, a questão do trabalho produtivo é tratada de forma indireta ou implícita ao enfrentar a questão prática da medição da atividade econômica. Em nossa opinião, essa indiferença é prejudicial para os objetivos dessa medição, pois gera uma série de inconsistências decorrentes da dualidade entre o conceito ortodoxo de produção - definida de forma ampla em termos físicos ou materiais - e sua medição em termos monetários na prática contábil.
A atividade produtiva é definida como a criação de bens e serviços, ou seja, a criação de objetos de utilidade, independentemente de sua natureza tangível, de qualquer avaliação ética ou moral sobre essa utilidade e, mais importante, da forma social que a atividade produtiva assume. Sob essa ampla definição, no entanto, é possível incluir qualquer tipo de atividade laboral, incluindo o trabalho doméstico e outros tipos de trabalho privado. Dada a amplitude das atividades produtivas definidas dessa forma, sua medição prática requer o uso de algum critério adicional que difira e restrinja o conceito teórico de produção. Conforme estabelecido no documento básico de contabilidade nacional das Nações Unidas, embora "[n]o Sistema, a produção seja entendida como um processo físico", normalmente apenas os "valores dos bens, serviços e ativos envolvidos nas transações entre unidades institucionais que estão associados a essas atividades são contabilizados, em vez de tentar registrar ou medir os processos físicos diretamente" (SCN-93:1.20 e 1.12).
1.1 A MEDIÇÃO DA PRODUÇÃO NOS SISTEMAS DE CONTAS NACIONAIS (SCN)
Os critérios gerais de medição da atividade econômica são expostos na metodologia homogênea proposta pelo Sistema de Contas Nacionais de 1993 das Nações Unidas (SCN-93), cuja sequência europeia é o Sistema Europeu de Contas de 1995 (SEC-95). Esse sistema propõe um sistema ambíguo na medição da atividade econômica. Em primeiro lugar, estabelece um critério operativo geral restritivo, o "critério de mercado", que estipula que as operações devem ser contabilizadas e valorizadas com base em seu caráter mercantil. Segundo o SCN-93, "todos os bens e serviços considerados como produção devem ser aqueles que possam ser vendidos nos mercados ou, pelo menos, fornecidos por uma unidade a outra, de forma onerosa ou gratuita. O Sistema inclui toda a produção destinada ao mercado dentro dos limites da produção, tanto para venda como para troca." (SCN-93:1.20) O critério é complementado pela apreciação do caráter monetário do fluxo produtivo, que também é o critério de valoração dessa atividade:
"O Sistema não procura determinar a utilidade dos fluxos e estoques que se enquadram no seu âmbito. Em vez disso, mede o valor de troca efetivo das entradas nas contas em termos monetários, ou seja, os valores pelos quais os bens e outros ativos, serviços, trabalho ou recursos de capital são efetivamente trocados ou poderiam ser trocados por dinheiro." (ibid:3.70) [2].
[Nota 02]: O SEC-95 é expresso de maneira análoga: "Os conceitos do SEC se concentram na descrição do processo econômico em termos monetários e facilmente observáveis. A maior parte dos estoques e fluxos que não podem ser facilmente observados em termos monetários ou que não possuem uma contrapartida monetária clara não são levados em consideração." e "A maioria das operações registradas no sistema são operações monetárias." (SEC-95:4 e 11)
No entanto, o SCN-93 propõe uma aplicação flexível desse critério. Por exemplo, "também inclui todos os bens e serviços fornecidos gratuitamente aos domicílios individuais ou coletivamente à comunidade pelas unidades governamentais ou pelas Instituições sem Fins Lucrativos a Serviço dos Domicílios" (ibid:1.20), apesar de seu caráter não mercantil. Em geral, o Sistema argumenta que "Muitos bens e serviços não são realmente vendidos, mas sim fornecidos a outras unidades: por exemplo, são trocados por outros bens e serviços ou fornecidos gratuitamente como transferências em espécie. Esses bens e serviços devem ser incluídos nas contas, embora seus valores precisem ser estimados, uma vez que são produzidos por atividades que não diferem daquelas que produzem bens e serviços para venda. Além disso, as transações nas quais esses bens e serviços são fornecidos também são transações reais, apesar de os produtores não receberem dinheiro em troca." (ibid:1.72)
Em outras palavras, o sistema flexibiliza seu critério geral para incluir a produção não mercantil representada pelos fluxos de bens e serviços fornecidos gratuitamente ou a preços economicamente insignificantes de uma unidade institucional para outra. Nesse caso, o critério geral de valoração também não pode ser aplicado e utiliza-se um critério alternativo que consiste na soma dos custos de produção dados pelos consumos intermediários, remuneração de empregados, consumo de capital fixo e outros impostos líquidos (ibid: 6.90-2), que representam os fluxos monetários associados a essa produção [3]. Adicionalmente, o Sistema também considera necessário contabilizar parte da produção para uso final próprio, ou seja, produzida e consumida dentro das unidades institucionais:
[Nota 03]: O SEC-95 argumenta essa decisão da seguinte forma: "Esse princípio não é aplicado estritamente, porque também é necessário considerar a coerência interna e as diferentes necessidades de informação. Por exemplo, em nome da coerência, o valor dos serviços coletivos produzidos pelas administrações públicas deve ser registrado como produção, uma vez que o pagamento de remuneração de empregados e a aquisição de qualquer tipo de bens e serviços pelas administrações públicas são facilmente observáveis em termos monetários. Além disso, para fins de análise econômica e política econômica, a descrição dos serviços coletivos das administrações públicas em relação ao restante da economia nacional aumenta a utilidade das contas nacionais como um todo." (SEC-95:4-5)
"O Sistema inclui toda a produção de bens para uso final próprio dentro da fronteira de produção, uma vez que os bens podem ser empregados para uso mercantil ou não mercantil mesmo depois de terem sido produzidos, mas exclui toda a produção de serviços para uso final próprio dentro dos domicílios (exceto os serviços produzidos pelo emprego de pessoal doméstico remunerado e a produção por conta própria de serviços de aluguel de moradias ocupadas por seus proprietários)." (ibid:1.22)
No entanto, o Sistema opta por não contabilizar a produção para uso final próprio dos domicílios, pois, embora seja "produtiva em termos econômicos" (ibid:1.21), "a importância econômica desses fluxos é muito diferente daquela dos fluxos monetários. (...) A inclusão de grandes fluxos não monetários desse tipo nas contas ao lado dos fluxos monetários pode obscurecer o que está ocorrendo nos mercados e reduzir a utilidade analítica dos dados." Especificamente, "esses serviços são consumidos no momento da produção e a relação entre sua produção e as atividades mercantis é mais tênue do que na produção de bens, como os bens agrícolas produzidos pelos domicílios, parte para consumo final próprio e parte para venda ou troca no mercado." (ibid:1.22) [4]
[Nota 04]: Em resumo, "a relutância das contas nacionais em atribuir valores à produção... de serviços domésticos e pessoais dentro dos lares é explicada por uma combinação de fatores, ou seja, o isolamento e a relativa independência dessas atividades dos mercados, a extrema dificuldade de fazer estimativas de seus valores economicamente significativos e os efeitos adversos que isso teria sobre a utilidade das contas." (SCN-93:6.22)
O Sistema faz duas exceções. A produção por conta própria dos serviços de aluguel de moradias ocupadas por seus proprietários é contabilizada porque "a proporção entre moradias ocupadas por seus proprietários e alugadas pode variar muito entre países, inclusive em curtos períodos de tempo dentro de um país, de modo que as comparações internacionais e intertemporais do consumo de serviços residenciais ficariam distorcidas se não fosse feita uma imputação." (ibid:6.29) Da mesma forma, os serviços produzidos pelo emprego de pessoal doméstico remunerado são contabilizados.
A produção para uso final próprio também deve ter um critério alternativo de valoração. Em particular, é valorizada a preços de mercado quando é possível identificar produções mercantis análogas aos custos de produção, assim como a produção não mercantil, quando não existe uma produção mercantil equiparável. (ibid:6.85)
Em resumo, a inclusão e valoração da atividade econômica no SCN-93 são baseadas em um critério mercantil restritivo, que é flexibilizado pela inclusão progressiva de uma boa parte da produção de bens e serviços úteis inicialmente excluídos, a fim de se aproximar do conceito amplo de produção ortodoxa. Assim, "O Sistema não registra todos os produtos, uma vez que os serviços domésticos e pessoais produzidos e consumidos pelos membros de um mesmo domicílio são omitidos. Com essa única exceção, o PIB pretende ser uma medida completa do valor adicionado bruto total produzido por todas as unidades institucionais." (ibid:1.75)
1.2 LIMITES E ALCANCES DOS SISTEMAS DE CONTAS NACIONAIS
Os questionamentos sobre os critérios de medição da atividade econômica surgem com os próprios Sistemas de Contas Nacionais. O primeiro grande debate, como exposto por Moseley (1982:245-247), girou em torno da contabilização da produção governamental e teve a participação de ganhadores do Prêmio Nobel, como Simon Kuznets e J.R. Hicks. Embora houvesse um consenso relativo de que grande parte dessa produção deveria ser contabilizada como consumo intermediário - por exemplo, a legislação econômica, a administração, a polícia e defesa, etc., pois eram considerados condições da produção -, decidiu-se contabilizar toda a produção governamental como produção final, devido às dificuldades práticas de identificar sua natureza intermediária ou final.
Atualmente, o debate tem se voltado para a justificação da quebra do critério mercantil para alcançar uma inclusão mais ampla de bens e serviços produzidos, uma vez que a síntese representada pelos Sistemas de Contas Nacionais é limitada e inconsistente. Quais bens e serviços são contabilizados? Apenas aqueles que podem ser facilmente identificados e valorados, seja porque existe uma produção de mercado análoga ou porque são produzidos com fatores pagos. Por esse motivo, a produção dos trabalhadores assalariados das instituições sem fins lucrativos é contabilizada, mas não a dos trabalhadores voluntários. Assim, o serviço de uma ambulância da Cruz Vermelha é considerado produtivo e contabilizado quando seu motorista e equipe de saúde são assalariados, mas não quando são voluntários, mesmo que seu conteúdo material seja semelhante. Em resumo, os critérios contábeis são mais práticos do que teóricos.
A maior disponibilidade de fontes de dados atualmente tem permitido que os esforços para contabilizar a produção doméstica ganhem força nos últimos tempos, amparados pelo uso de contas satélites propostas pelo Capítulo XXI do SCN-93. Embora não sejam publicadas junto com as estatísticas oficiais, por exemplo, a medição da atividade não de mercado dos domicílios realizada por Landefeld et al. (2005) internamente no Bureau of Economic Analysis (BEA) dos Estados Unidos "aumentou o PIB em 48% em 1946 e 26% em 2004" (ibid:5) [5]. No caso da Espanha, encontramos o trabalho de Moltó e Uriel (2004), que contabiliza a produção doméstica de alimentos, alojamento, vestuário, cuidados e educação. Apesar de ampliar os bens e serviços contabilizados, esses trabalhos deixam de fora outros produzidos por fatores não remunerados em instituições sem fins lucrativos.
[Nota 05]: A produção dos lares estimada inclui preparação de alimentos, limpeza, lavagem de roupas, trabalho administrativo, reparos e manutenção, jardinagem e atividades relacionadas, cuidado de crianças, compras, cuidados de saúde, etc.
No entanto, o problema não reside apenas na exclusão de certos valores de uso, mas também no critério de valoração de certos valores de uso incluídos. Como mencionado anteriormente, a valoração da produção governamental ou do trabalho doméstico assalariado é limitada aos custos salariais e de consumo de capital fixo. Isso contradiz o conceito ortodoxo de produção, que considera o excedente operacional como um custo adicional - o custo do uso dos meios de produção - equivalente à contribuição física para a produção desses meios de produção ou serviços de capital.
Mais importante ainda, a disparidade nos critérios contábeis leva o SCN a agregar uma série heterogênea de fluxos produtivos, reduzindo a capacidade analítica das contas nacionais [6]. Assim, uma categoria central como o PIB inclui a produção mercantil realizada por empresas capitalistas, a produção mercantil realizada por unidades de produção não capitalistas, a produção não mercantil do governo e das instituições sem fins lucrativos, a produção não mercantil dos trabalhadores assalariados do lar e até mesmo atividades fictícias (que não envolvem trabalho), como os serviços prestados pelas residências ocupadas por seus proprietários.
[Nota 06]: Na verdade, o próprio Sistema exclui parte da produção para uso final próprio dos lares devido à sua importância econômica distinta em relação a outros fluxos contabilizados, como mencionamos anteriormente.
Em resumo, o Sistema de Contas Nacionais abandona o uso de um critério objetivo e único para contabilizar a produção com o objetivo de representar um sistema abrangente de contabilização de bens e serviços produzidos, algo que não é alcançado de forma satisfatória. Em geral, podemos concluir que as inconsistências dos SCN decorrem da ausência de uma concepção social da produção, onde a produção é distinguida pela forma social em que ocorre. Devemos reconhecer que o SCN-93 avançou nessa linha ao distinguir entre produção de mercado, não de mercado e para uso final próprio; e, em menor medida, ao distinguir entre excedente operacional e renda mista. No entanto, esses avanços ainda são insuficientes. Nesse sentido, a determinação social do conceito de trabalho produtivo da teoria do valor do trabalho, analisada na próxima seção, é uma vantagem em relação ao conceito ortodoxo.
2. TRABALHO PRODUTIVO NA TEORIA DO VALOR DO TRABALHO
O conceito de trabalho produtivo na teoria do valor do trabalho tem gerado amplas controvérsias em relação à sua definição e alcance, tornando difícil apresentar uma versão amplamente aceita. Nesta seção, vamos esboçar os dois principais debates surgidos na literatura, a fim de propor uma reconciliação, não tanto entre as partes envolvidas no debate, mas sim entre o conceito teórico de trabalho produtivo e a realidade capitalista atual, bem como sua aplicação empírica [7]. A resolução do primeiro debate, sobre o conteúdo do conceito de trabalho produtivo, nos permite delimitar estritamente seus alcances, que são reduzidos, mas claramente definidos. O segundo debate, sobre sua significância empírica em relação a conceitos como produção, acumulação, etc., nos permite abordar os problemas práticos de sua aplicação empírica.
[Nota 07]: A origem da controvérsia pode ser encontrada no tratamento heterogêneo que Marx faz do tema em sua obra. Em nossa opinião, a reconstrução do conceito de trabalho produtivo deve abandonar qualquer leitura exegética de Marx e buscar alcançar o maior poder explicativo das economias capitalistas.
Ao analisar ambos os debates e apresentar nossa proposta, consideramos necessário resgatar a característica fundamental desse conceito, ou seja, seu conteúdo especificamente capitalista. Como Marx postulou:
"Trabalho produtivo é apenas uma expressão sucinta que designa a relação íntegra e o modo como a capacidade de trabalho e o trabalho se apresentam no processo capitalista de produção. Portanto, quando falamos de trabalho produtivo, estamos falando de trabalho socialmente determinado." (Cap. VI:83)
Para situar adequadamente ambos os debates, é necessário distinguir dois níveis na definição de trabalho produtivo, resumidos na seguinte ilustração:
[Imagem 01]
O primeiro nível, relacionado ao primeiro debate, classifica como improdutivas as formas não capitalistas de produção que coexistem com as formas de produção de valor e mais-valia especificamente capitalistas. Em particular, o trabalho que não atende às duas características do trabalho capitalista é considerado improdutivo, ou seja, aquele que não é assalariado e não se destina ao mercado. Isso inclui o trabalho doméstico, o trabalho dos funcionários públicos, o trabalho independente e, é claro, a esfera privada de produção. O segundo nível, relacionado à discordância atual, distingue o trabalho de produção e o trabalho de circulação dentro da esfera capitalista. Essa distinção é baseada na análise do processo global de produção capitalista e, mais especificamente, na distinção entre a esfera de produção - onde valor e mais-valia são criados - e a esfera de circulação - onde ocorre apenas a troca de equivalentes.
2.1 SUPERANDO O ANTIGO DEBATE
Embora Marx tenha definido o trabalho produtivo como aquele que cria valor e mais-valia [8], muitos economistas marxistas defenderam definições radicalmente diferentes de trabalho produtivo. A seguir, apresentamos uma classificação dessas definições "incorretas" em três grandes grupos, cuja discussão constituiu o primeiro grande debate sobre trabalho produtivo [9]:
[Nota 08]: "Como o objetivo imediato e o produto por excelência da produção capitalista é a mais-valia, devemos entender que apenas é produtivo o trabalho - e apenas é um trabalhador produtivo aquele que exerce a capacidade de trabalho - que diretamente produz mais-valia; portanto, apenas aquele trabalho que é consumido diretamente no processo de produção com vistas à valorização do capital." (Cap. VI: :77). "Trabalho produtivo, no sentido da produção capitalista, é o trabalho assalariado, que, ao ser trocado pela parte variável do capital (a parte do capital investida em salários), não apenas reproduz essa parte do capital (ou o valor de sua própria força de trabalho), mas também produz mais-valia para o capitalista." (TSV I: :137)
[Nota 09]: A construção dessa classificação foi influenciada pelas propostas de classificação de Laibman (1992) em 7 grupos diferentes, bem como pelas revisões históricas de Guerrero (1989) e Savran e Tonak (1999).
Definição fisicalista: Essa definição considera como produtivo o trabalho que produz objetos materiais ou tangíveis. Por outro lado, o trabalho improdutivo produz "serviços", ou seja, mercadorias cuja produção e consumo ocorrem simultaneamente [10]. Essa concepção de trabalho produtivo foi dominante entre os teóricos da renda nacional da escola soviética - Khavina (1959) - e foi presente em alguns marxistas ocidentais, como Poulantzas (1974).
[Nota 10]: Essa interpretação equivale à "segunda definição" de Adam Smith, que Marx critica em Teorias sobre a Mais-Valia (TSV I: :145-157), embora seja verdade que Marx contribui para essa confusão (Rubin, 1923: :322-323; Leadbeater, 1985: :594-596 e 601-604). Assim, Marx considera que: "À medida que o capital se apropria de toda a produção... uma diferença material entre trabalhadores produtivos e improdutivos se estabelece cada vez mais, no sentido de que os primeiros, com raras exceções, produzem exclusivamente mercadorias, enquanto os últimos, salvo raras exceções, executam apenas serviços pessoais." (TSV I: :145). Na realidade, Marx faz um uso duplo do conceito de "serviço" (Leadbeater, 1985: :595), referindo-se tanto ao pessoal doméstico - que constituía a maior parte do trabalho improdutivo em sua época - quanto à produção imaterial. Essa consideração leva-o a formular uma "definição secundária" que deve ser submetida à "característica decisiva" da definição geral (Rubin, 1923: :323) de trabalho produtivo: "trabalho produtivo é aquele que produz mercadorias, e trabalho improdutivo é aquele que produz serviços pessoais." (TSV I: :156) No entanto, Marx está ciente das limitações dessa "definição secundária" e isso fica evidente com exemplos nos quais a produção de serviços é produção de capital e em outros nos quais a produção material é produção de meros valores de uso (ibid: :150).
Definição avaliativa: O trabalho ou os produtos do trabalho são avaliados com base em algum critério de utilidade social, o que confere uma grande heterogeneidade à definição, dependendo do critério estabelecido. O critério dominante considera como improdutivo o trabalho que seria desnecessário em uma formação social superior, socialista ou comunista. (Gillman, 1957; Baran, 1959; Baran e Sweezy, 1966)
Definição reprodutiva: A abordagem reprodutiva enfatiza o uso dos produtos do trabalho; trabalho produtivo é aquele cujos produtos são usados posteriormente na reprodução do capital. Podemos distinguir duas ramificações. A primeira considera a produção de bens de luxo e suntuários, como a produção de armamentos, como improdutiva. (Morris, 1958; Blake, 1960; e Gough, 1972) [11]. A segunda assume que o trabalho que aumenta o valor de uso da força de trabalho e, consequentemente, a produção de mais-valia, é indiretamente produtivo. Assim, os trabalhadores públicos da área da saúde, educação ou pesquisa são considerados produtivos. (Gough, 1979; O'Connor, 1973; Yaffe e Bullock, 1975).
[Nota 11]: A versão sraffiana da definição de produtivo, baseada na distinção entre mercadorias básicas e não básicas, faz parte dessa ramificação (Laibman, 1992: :72-73).
Atualmente, podemos afirmar que esse debate está superado, como refletido na maioria das contribuições recentes sobre o tema. (Leadbeater, 1985; Laibman, 1992, 1999; Savran e Tonak, 1999; Shaikh e Tonak, 1994; Mohun, 1996, 2000; Carchedi, 1991; Houston, 1997; Cámara, 2006) Em geral, as definições incorretas têm o mesmo erro comum: elas se concentram no valor de uso produzido, mas omitem a análise do conteúdo especificamente social do trabalho [12]. O amplo reconhecimento atual desse conteúdo social como base do conceito de trabalho produtivo na teoria do valor do trabalho permitiu delimitar claramente seus alcances e sua relação com a mensuração da atividade econômica.
[Nota 12]: "Pode acontecer que o valor de uso da mercadoria na qual o trabalho de um trabalhador produtivo se materializa tenha um caráter insignificante. No entanto, essa determinação material não depende dessa qualidade, que talvez apenas expresse uma determinada relação social de produção. Trata-se de uma determinação do trabalho que não depende de seu conteúdo ou de seu resultado, mas sim da forma social determinada que assume." (TSV I:142)
Em primeiro lugar, isso permite estabelecer os limites claros do conceito: ele serve apenas para mensurar a atividade econômica capitalista, ou seja, a mensuração de valor e não de valores de uso. Portanto, intencionalmente exclui da mensuração o restante da atividade econômica geradora de valores de uso e não de valor, e não é uma medida adequada da capacidade produtiva total da sociedade, muito menos do bem-estar material. No entanto, esses limites estreitos implicam uma delimitação precisa da atividade econômica produtiva, em contraste com a indefinição decorrente do amplo conceito ortodoxo. Em segundo lugar, dado que a dinâmica das economias capitalistas atuais é dominada pela dinâmica da acumulação capitalista, a caracterização da atividade econômica que emerge do conceito de trabalho produtivo na teoria do valor do trabalho é a mais adequada para a análise de fenômenos econômicos como crescimento, ciclos e crises, alocação de recursos produtivos, distribuição de renda, políticas econômicas, estado de bem-estar, etc.
2.2 A QUESTÃO DO TRABALHO DE CIRCULAÇÃO: UMA PROPOSTA DE RECONCILIAÇÃO
A superação do antigo debate não significou o fim da polêmica em torno do conceito de trabalho produtivo. Pelo contrário, abriu-se um novo debate, tanto teórico quanto empírico, ainda inconclusivo, sobre a questão do trabalho de circulação. A controvérsia recente surgiu devido à dificuldade de atribuir diferentes trabalhos às esferas de produção e circulação no segundo nível da distinção. De maneira geral, podemos identificar duas posições radicalmente opostas: alguns autores, liderados por Shaikh, favorecem uma classificação ampla do trabalho de circulação, enquanto outros autores, liderados por Laibman, propõem o abandono dessa distinção.
Infelizmente, essa discordância na mensuração da atividade econômica dificulta o progresso na análise empírica, pois gera percepções opostas sobre a evolução macroeconômica das economias capitalistas. A taxa de lucro está diminuindo? Qual é a evolução da produtividade do trabalho? Como a acumulação de capital é afetada pela expansão dos serviços? Todas essas perguntas podem ter respostas diferentes dependendo da postura teórica adotada em relação ao trabalho de circulação. A teoria do valor trabalho está em um impasse? Em nossa opinião, o impasse gerado pela discussão teórica sobre o trabalho de circulação é causado pelo uso inadequado do critério do valor de uso tanto por seus defensores quanto por seus críticos, como explicaremos a seguir. (Cámara, 2006)
A posição de Shaikh se baseia na postulação de um conceito de trabalho produtivo válido para a produção em geral. Em particular, ele considera que "a distinção entre trabalho produtivo para o capital e trabalho não produtivo" deve partir necessariamente "da distinção anterior e mais geral entre atividades de produção e não produção" (Shaikh e Tonak, 1994:20). Para isso, ele distingue quatro atividades básicas da reprodução social: 1) produção, 2) distribuição, 3) manutenção e reprodução social, e 4) consumo pessoal. Shaikh argumenta que "o processo de produção consiste na criação ou transformação de objetos de uso social por meio de atividade humana consciente" (ibid:22) e destaca que "certos tipos de trabalho compartilham uma propriedade comum com a atividade de consumo - ou seja, eles usam uma porção da riqueza existente em sua execução sem resultar diretamente na criação de nova riqueza" (ibid:25). Por exemplo, "embora a atividade de distribuição transforme os valores de uso que circulam, essa transformação está relacionada às suas propriedades como objetos de posse e apropriação, não às propriedades que os definem como objetos de uso social" (ibid:26).
Consequentemente, apenas o trabalho de produção é considerado trabalho produtivo para o capital, enquanto os trabalhos de distribuição e manutenção e reprodução social são considerados não produtivos e são rotulados como trabalho de circulação. Isso leva os defensores do conceito de trabalho produtivo em geral a fazer uma ampla classificação do trabalho de circulação, com base na identificação de algumas atividades das contas nacionais, especialmente as atividades comerciais e financeiras, como atividades improdutivas de circulação. Como a evolução recente das economias tem sido caracterizada por uma "terceirização da economia" ou uma "industrialização dos serviços" (Guerrero, 1993), seus estudos empíricos encontram uma proporção crescente de trabalho de circulação em relação ao trabalho de produção [13]. Isso influencia fortemente a evolução das variáveis econômicas da teoria do valor trabalho, como admitido por Moseley:
"Esse aumento significativo na proporção relativa do trabalho improdutivo explica quase todas as diferenças nas tendências das minhas estimativas e das estimativas anteriores das taxas de mais-valia e da composição do capital e, de acordo com a teoria de Marx, é a causa mais importante da queda na taxa de lucro convencional" (Moseley, 1991:123).
[Nota 13]: Shaikh e Tonak (1994: tabela F.1, 296-303) estimaram que o trabalho improdutivo de circulação nos Estados Unidos passou de representar 36,84% do total de trabalho capitalista em 1948 para 57,66% em 1989. Moseley (1991: tabelas A.8 e A.9, 168-169) estima que essa proporção representava 26,12% em 1947 e 43,59% em 1987. Por fim, Mohun (1998: gráfico 16.1, 257) estima que a relação entre trabalho improdutivo e produtivo na Austrália cresceu de um nível ligeiramente superior a 60% no biênio 1966-67 para um nível acima de 100% no biênio 1991-1992.
O argumento contrário à distinção entre trabalho de produção e trabalho de circulação (Laibman, 1992, 1999; Houston, 1997) argumenta que não existe nenhum critério realista "além do imaginário do circuito com suas fases e 'metamorfoses'" (Laibman, 1999:66). Assim, "o ponto crítico é se algum aspecto do trabalho [de circulação] pode ser identificado, ou seja, se não pode ser reduzido em uma análise posterior a algum aspecto da transformação e processamento de valores de uso... Em que ponto termina a produção de valor de uso?" (ibid:77-78). Assim como Shaikh, Laibman coloca o problema na questão do valor de uso, mas chega a uma conclusão radicalmente diferente: não é possível identificar momentos da execução do trabalho que não produzam valores de uso.
Em nossa opinião, Laibman acerta ao estabelecer uma relação direta entre a atividade de trabalho e a criação de valores de uso. A tentativa de Shaikh de identificar certos trabalhos concretos que não produzem valores de uso é inadequada, e sua classificação das atividades sociais equivale, na realidade, a uma classificação dos diferentes valores de uso produzidos, o que vai contra o fundamento do trabalho produtivo na teoria do valor trabalho. No entanto, Laibman erra ao ignorar que a distinção entre trabalho de produção e circulação pode ser fundamentada em um critério capitalista baseado na produção de valor [14].
[Nota 14]: Segundo Laibman, produção e circulação não devem ser entendidas como "lugares" distintos, mas sim como "momentos distintos, embora simultâneos, do mesmo processo social". Na verdade, "as metamorfoses no circuito do capital devem ser entendidas de forma mais metafórica do que literal". (Laibman, 1999:68) Em outras palavras, o trabalho é simultaneamente trabalho de produção e circulação, o que significa o abandono de uma distinção material entre os dois. Embora Laibman argumente que esse abandono não afeta os fundamentos da teoria do valor-trabalho, Cámara (2006:52-5) mostra que ele limita seu poder explicativo por dois motivos: 1) a postulação de que o valor só é criado na produção perde força se a troca for interpretada como algo puramente formal, sem uma atividade laboral relacionada a ela, e 2) os desenvolvimentos teóricos sobre as funções improdutivas do capital perdem sua base.
O critério do valor deve levar em consideração que os momentos ou fases do processo de valorização determinam os trabalhos concretos necessários, e não o contrário (Mohun, 1996:43). Portanto, é necessário partir da identificação desses momentos para poder rotular certos trabalhos concretos como improdutivos. No entanto, é importante ressaltar que não existem trabalhos concretos particulares improdutivos de valor de forma geral; alguns trabalhos produtivos podem se revelar improdutivos em determinadas condições de valorização. Naturalmente, a classificação do trabalho de produção e circulação (de valor) requer uma investigação aprofundada em nível microeconômico de cada ramo de produção específico. Mas essa dificuldade prática não impede que a distinção entre trabalho de produção e circulação possa ser fundamentada no critério da produção de valor.
Em conclusão, a teoria do valor trabalho contém uma teoria explícita sobre o trabalho produtivo e, portanto, sobre a medição da atividade econômica no capitalismo, apesar das controvérsias históricas em torno do conceito. Essa teoria é baseada no conteúdo social específico da produção capitalista como produção de valor, o que permite uma medição coerente da atividade econômica capitalista e serve como um ponto de partida adequado para a análise e compreensão da dinâmica econômica capitalista.
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