SKOTT, Peter. Structuralist and Behavioral Macroeconomics. Cambridge University Press, 2023.
Tradução livre
SUMÁRIO
1. Introdução: O Estado da Macroeconomia 1
1.1 Objetivos e Temas 1
1.2 Contexto 3
1.3 Visão Geral 8
1.3.1 Comportamento 8
1.3.2 Estrutura 10
1.3.3 Instabilidade, Ciclos e Crescimento Econômico 12
1.3.4 Modelos Centrais 14
1.3.5 Terminologia e Notação 14
2. A Crítica de Lucas e Agentes Representativos 16
2.1 Contexto 16
2.2 A Crítica de Lucas e a Macroeconomia Contemporânea 17
2.3 O Agente Representativo 20
2.3.1 Os Resultados de Sonnenschein−Debreu−Mantel 20
2.3.2 Uma Defesa Pragmática? 23
2.4 Bem-estar e Desigualdade 29
2.4.1 A Abordagem do Agente Representativo 29
2.4.2 Um Viés Distributivo Intrínseco 30
2.4.3 Discussão 33
2.5 Uma Crítica de Lucas à Solução de Lucas 34
2.6 Conclusão 35
3. Consumo e Poupança das Famílias 41
3.1 Introdução 41
3.2 Expectativas, Viés Presente e Restrições de Crédito 42
3.2.1 Expectativas e Aprendizagem 42
3.2.2 Viés Presente, Racionamento de Crédito e Contas Mentais 46
3.3 ‘Preferências Sociais’ 49
3.3.1 Análise de Bem-estar 50
3.3.2 Diferenças nas Taxas Médias de Poupança 53
3.4 Consumo Agregado 57
3.4.1 Distribuição de Renda e Consumo Agregado 57
3.4.2 Uma Função de Consumo Agregado Híbrida 59
3.5 Uma Perspectiva Mais Radical 61
3.6 Conclusão 64
4. Poupança em uma Economia Corporativa 70
4.1 Introdução 70
4.2 Poupança e Decisões de Portfólio 73
4.2.1 Taxas de Poupança Diferenciais 73
4.2.2 O Teorema Neo-Pasinetti 76
4.2.3 Um Parêntese: O Teorema de Pasinetti e Modelos DSGE 81
4.3 Efeitos de Retroalimentação nas Decisões Financeiras das Empresas 82
4.4 Efeitos de Riqueza e Portfólio 87
4.5 Heterogeneidade das Famílias 91
4.6 Conclusão 95
5. Curvas de Phillips e a Taxa Natural de Desemprego 102
5.1 Introdução 102
5.2 Curvas de Phillips 104
5.3 Evidências da OCDE 112
5.4 Fragilidade Teórica: Sindicatos e ‘Viés de Inflação’ 116
5.4.1 Um Modelo com um Sindicato Central 118
5.4.2 Implicações 121
5.4.3 Curvas de Phillips 122
5.5 Conclusão 123
6. Justiça, Ilusão Monetária e Dependência de Trajetória 131
6.1 Introdução 131
6.2 Justiça e Desemprego 133
6.3 Ilusão Monetária e Rigidez para Baixo dos Salários Nominais 136
6.4 Normas Endógenas e Dependência de Trajetória 145
6.5 Inflação em uma Economia em Desenvolvimento 155
6.5.1 Um Modelo Estruturalista de ‘Desemprego Natural’ 157
6.5.2 Normas Endógenas e Aspirações 161
6.6 Conclusão 165
7. Desigualdade de Renda, Viés de Poder e Desencontro 173
7.1 Introdução 173
7.2 Coordenação, Controle e o Poder dos Trabalhadores 178
7.2.1 Tecnologia, Coordenação e Instituições 178
7.2.2 Agência e Poder 181
7.3 Um Modelo de Mudança com Viés de Poder 182
7.3.1 Pressupostos 182
7.3.2 Mudança Tecnológica com Viés de Poder 184
7.3.3 Mudança Institucional com Viés de Poder 186
7.4 Poder, Habilidade e Desencontro 188
7.5 Remuneração de CEOs 192
7.5.1 Volatilidade no Nível da Empresa 192
7.5.2 Contingências e Implicações 194
7.5.3 Normas de Justiça, Grupos de Referência e Efeitos de Catraca 196
7.6 Conclusão 198
8. Ajuste Macroeconômico e o Argumento de Instabilidade de Keynes 203
8.1 Introdução 203
8.2 IS−LM 207
8.3 Mudanças nos Salários Monetários 214
8.4 Kalecki 219
8.5 Regras de Taylor e o Limite Inferior Zero 220
8.6 Conclusão 225
9. Crescimento e Ciclos 228
9.1 Introdução 228
9.2 Problemas de Harrod e a Solução de Solow 229
9.2.1 Um Modelo de Referência Harrodiano 229
9.2.2 A Solução de Solow 230
9.3 A Função de Produção Neoclássica 232
9.3.1 A Escolha da Técnica e a Elasticidade de Substituição 233
9.3.2 Agregação e a Controvérsia do Capital de Cambridge 235
9.3.3 Defesas Pragmáticas e Evidências Empíricas 239
9.4 Reconciliando Taxas de Crescimento Garantidas e Naturais sem uma Função de Produção Neoclássica 242
9.4.1 Uma Solução Kaldor−Solow 244
9.4.2 Uma Solução Marx−Goodwin 245
9.5 Ciclos de Crescimento Endógenos e Exógenos 249
9.6 Conclusão 252
10. Ciclos de Crescimento Endógenos com ou sem Flexibilidade de Preços 256
10.1 Introdução 256
10.2 Os Preços São Flexíveis? 258
10.3 Um Modelo com Produção Fixa e Preços Flexíveis 262
10.3.1 Produção e Emprego 262
10.3.2 Investimento 266
10.3.3 Poupança 268
10.3.4 Um Modelo de Base 268
10.4 Análise 269
10.5 Evidências Empíricas e o Modelo de Base 275
10.6 Um Modelo Estendido: Política Econômica, Dinâmica de Investimento, Restrições de Crédito e a Lei de Okun 279
10.7 Um Modelo com Produção Flexível 285
10.8 Conclusão 289
11. Estagnação Secular e Finanças Funcionais 299
11.1 Introdução 299
11.2 Algumas Álgebras Simples para uma Economia Madura 301
11.3 Possíveis Respostas 302
11.3.1 Equilíbrio Dinâmico Estocástico Geral 302
11.3.2 Vidas Finitas e Gerações Sobrepostas 303
11.4 Finanças Funcionais 305
11.5 Implicações 309
11.5.1 Dívida Pública e Crescimento Econômico 309
11.5.2 Estagnação Secular e ‘Taxas de Juros de Equilíbrio’ 312
11.5.3 Austeridade 315
11.5.4 Distribuição de Renda e Poupança 316
11.5.5 Efeitos Negativos da Dívida Pública 317
11.5.6 Relevância Empírica das Finanças Funcionais 318
11.6 Finanças Funcionais em Economias em Desenvolvimento 320
11.6.1 Um Modelo de Dois Setores 321
11.6.2 Discussão 325
11.6.3 Crescimento e Estagnação Japoneses 328
11.7 Conclusão 329
12. Comentários Finais: Macroeconomia Baseada em Evidências e Teoria Econômica 336
Referências 342
FIGURAS
Figuras
2.1 Restrições orçamentárias e escolhas do agente representativo página 23
4.1 Taxa de retenção; negócios corporativos não financeiros dos EUA 72
4.2 Razão das emissões líquidas de patrimônio para investimento fixo bruto; negócios corporativos não financeiros dos EUA 72
4.3 q de Tobin para negócios corporativos não financeiros dos EUA, 1946–2020 86
5.1 Curva de Phillips; EUA 1920–1940 104
5.2 Curva de Phillips; EUA 1954–1992 106
5.3 Curva de Phillips; EUA 1993–2021 111
5.4 Taxa de participação na força de trabalho dos EUA para pessoas de 25–54 anos, 2006–2021 112
5.5 Curva de Phillips; Alemanha 1962–1989 113
5.6 A resposta ótima do banco central 120
5.7 Combinando a função de resposta do banco central (GG) com a condição de primeira ordem do sindicato 121
5.8 Equilíbrio no caso com múltiplos sindicatos 128
6.1 Definição de salários e preços em um modelo com ilusão monetária 138
6.2 Curva de Phillips de longo prazo no modelo de Rowthorn 140
6.3 Curvas de Phillips de curto prazo no modelo de Rowthorn 141
6.4 Curva de Phillips; Reino Unido 1911–1940 142
6.5 Curva de Phillips de curto prazo com homogeneidade e rigidez total para baixo do salário monetário 143
6.6 Curva de Phillips de longo prazo com homogeneidade e rigidez total para baixo do salário monetário 144
6.7 Curva de Phillips de longo prazo com trabalho heterogêneo e choques idiossincráticos 144
6.8 Mudanças endógenas nas normas de salário real 147
6.9 Mudanças endógenas nas normas de crescimento do salário real 148
6.10 Função f suave retratando a saliência da inflação 162
6.11 Diagrama de fase para um sistema 2D de salários relativos e expectativas de inflação em uma economia dual 164
7.1 Desigualdade de renda, EUA, 1920–2021 174
7.2 Lucro; corporações não financeiras dos EUA 174
7.3 Desigualdade de renda, França, 1920–2021 175
8.1 Desemprego, inflação de salários e preços; EUA 1929–1939 206
8.2 Desemprego, inflação de salários e preços, Reino Unido 1926–1939 206
8.3 Equilíbrio de curto prazo Keynes–Marshall ultra-rápido 208
8.4 Representação AD–AS do modelo keynesiano 210
8.5 Representação IS–LM do equilíbrio de curto prazo 211
8.6 Dinâmicas enganosas IS–LM 213
8.7 Diagrama de fase para a versão 2D do modelo de Tobin 218
8.8 Múltiplas soluções estacionárias no modelo de Tobin com uma regra de Taylor e um ZLB 223
8.9 Dinâmicas de produção e inflação no modelo de Tobin com uma regra de Taylor e um ZLB 225
9.1 Exemplo do champanhe de Samuelson 236
9.2 Razões de saída de capital no exemplo de Samuelson 237
9.3 Diagrama de fase para o modelo de Goodwin 248
9.4 Utilização da capacidade, manufatura dos EUA (SIC) 249
10.1 Função de custo de ajuste para emprego 264
10.2 Diagrama de fase para o modelo de base 273
10.3 Modelo de base 278
10.4 Modelo de base com ajuste gradual de investimento 280
10.5 Versão estendida com um setor público, política econômica, lei de Okun e dinâmica de investimento 284
10.6 Modelo de saída flexível 288
11.1 Taxa de juros real sobre títulos do tesouro de três meses e relação dívida-PIB; EUA 1948–2021 311
1. Introdução: O Estado da Macroeconomia
1.1 Objetivos e Temas
As economias capitalistas flutuam e periodicamente experienciam grandes perturbações na atividade econômica. A natureza peculiar dessas flutuações é que, ao contrário de épocas anteriores, elas tipicamente falham em ter causas naturais diretas como falhas na colheita, com a pandemia de 2020 e a recessão subsequente sendo uma exceção neste aspecto. Um foco central da economia tem sido entender as fontes dessas flutuações e recomendar políticas que possam mitigar suas consequências nocivas. Este livro é uma tentativa de contribuir para essas tarefas, mas, ao longo do caminho, muito esforço será dedicado à crítica das teorias macroeconômicas contemporâneas dominantes, que - surpreendentemente - nega até mesmo a possibilidade de que flutuações e crises possam ser geradas endogenamente.
Com sua ênfase em equilíbrios estáveis e no potencial autorregulatório dos mecanismos de mercado, a ortodoxia macroeconômica contemporânea representa um retorno às posições pré-keynesianas. Diferente da defesa empirista dos mercados livres associada a Milton Friedman, no entanto, ela degenerou em uma ênfase escolástica nas ‘fundamentações microeconômicas’, exigindo que as relações macroeconômicas centrais sejam derivadas diretamente da otimização intertemporal por agentes representativos. Essas fundamentações microeconômicas são muito menos seguras do que o anunciado. Além disso, falhas empíricas (algumas delas reveladas pela crise financeira de 2008 e associadas à inadequação de uma visão de mundo de estabilidade inerente) levaram a uma grande quantidade de remendos; modificações ad hoc têm complicado cada vez mais os modelos e minado a coerência da abordagem.
A ortodoxia ainda mantém grande controle sobre as alavancas de poder tanto no contexto acadêmico quanto no de formulação de políticas. Após a crise financeira de 2008, no entanto, tem havido um crescente desilusão. A teoria está sendo amplamente percebida como irrelevante, na melhor das hipóteses, para questões do mundo real, estimulando uma mudança na direção de abordagens puramente orientadas por dados. E de fato, tais abordagens podem trazer progresso real no contexto de expansões dos dados disponíveis e avanços em econometria. Isso foi o caso com o trabalho pioneiro de Ragnar Frisch, Jan Tinbergen, Lawrence Klein e outros em meados do século XX, e podemos estar passando por outro período de rápido progresso, impulsionado pelo surgimento de ‘big data’ e pelo aumento do poder computacional. Big data e técnicas econômétricas sofisticadas, no entanto, não eliminam a necessidade de um arcabouço conceitual e teórico para selecionar e estruturar estudos empíricos e para interpretar os resultados estatísticos que foram coletados.
A abordagem teórica alternativa apresentada aqui se afasta dos dogmas da ortodoxia predominante na macroeconomia acadêmica, baseando-se em desenvolvimentos recentes na economia comportamental, bem como em literaturas mais antigas das tradições Keynesiana e Marxista. A intenção é oferecer aos leitores uma visão multifacetada da macroeconomia contemporânea, bem como um caminho a seguir.
Modelos macroeconômicos, primeiramente, contam histórias sobre as interações entre inúmeros tomadores de decisão operando dentro de um contexto estrutural particular. O comportamento microeconômico desses tomadores de decisão é uma parte essencial dessas histórias. A ortodoxia atual, no entanto, ignora uma série de problemas de agregação e depende de suposições sobre comportamento microeconômico que são simplistas e enganosas. A abordagem alternativa neste livro usa suposições microeconômicas que são informadas por evidências comportamentais, integrando essas suposições em um ambiente macroeconômico que tem muito mais correspondência com as realidades atuais do que pode ser encontrado em modelos ortodoxos. Não haverá otimização de horizonte infinito por agentes representativos, mas o comportamento microeconômico será central para a análise.
As teorias macroeconômicas, em segundo lugar, devem ser tanto estruturalistas quanto comportamentais: economias nas quais as famílias possuem o estoque de capital diretamente podem se comportar de forma diferente, em alguns aspectos, de economias nas quais o estoque de capital é possuído indiretamente na forma de ativos financeiros; o aumento da desigualdade não pode ser compreendido sem atenção à mudança institucional; a política fiscal enfrenta desafios diferentes em economias avançadas e em desenvolvimento. Focando quase exclusivamente em tecnologia e preferências como os parâmetros básicos de uma economia, a ortodoxia atual é amplamente cega para essas e outras contingências sociais, institucionais e estruturais.
Macroeconomia, em terceiro lugar, é geral em oposição a parcial. Como reconhecido por teóricos microeconômicos nos anos 1970, não pode haver presunção de estabilidade em modelos walrasianos de equilíbrio geral. Usando um quadro de análise diferente, Keynes chegou a uma conclusão semelhante anos antes: A Teoria Geral não nega a existência de um equilíbrio de pleno emprego, focando, em vez disso, nas propriedades de estabilidade deste equilíbrio. A principal mensagem era que preços e salários flexíveis não podem ser confiáveis para eliminar o desemprego involuntário. Levando em conta interações entre mercados, o equilíbrio de pleno emprego pode não ser estável. A ortodoxia atual nem mesmo considera essas questões de estabilidade.
Indo além do curto prazo, em quarto lugar, a análise desafia as visões mainstream do processo de crescimento como envolvendo flutuações estocásticas ao redor de uma trajetória estável de pleno emprego, com movimentos ao longo de uma suave função de produção agregada neoclássica guiando a economia em direção ao crescimento estável. As justificativas teóricas e empíricas para a função de produção agregada neoclássica são frágeis, e esta função é desnecessária para explicar os padrões empíricos. Há boas razões, além disso, para pensar que caminhos de crescimento estável serão localmente instáveis e que ciclos de negócios existiriam na ausência de choques. Neste sentido, os ciclos tornam-se endógenos.
A análise de interações complexas e dinâmicas entre tomadores de decisão e através de mercados, em quinto lugar, requer o uso de modelos matemáticos formais. O problema com a ortodoxia atual não é tanto que ela usa formalização excessiva, mas que faz as suposições básicas erradas. A camisa de força da otimização intertemporal total deturpa a tomada de decisão no mundo real, mas também tem outro efeito negativo: reduz a capacidade da teoria de incorporar aspectos importantes da realidade de maneira tratável, incluindo mecanismos que podem levar à instabilidade local e flutuações endógenas.
Diferentemente da ortodoxia macroeconômica, finalmente, a análise neste livro não é justificada em uma base a priori, seguindo, em vez disso, abordagens tradicionais à metodologia científica, incluindo requisitos de coerência lógica e consistência com observações empíricas. A ortodoxia econômica atual é uma exceção neste aspecto: a alegação de que a teoria macroeconômica deve ser fundamentada em versões extremas da racionalidade individual e da otimização intertemporal representa uma peculiar admoestação escolástica, desconhecida e sem paralelo em qualquer outra disciplina.
1.2 Contexto
No período após a Grande Depressão, e especialmente após a Segunda Guerra Mundial, um consenso Keynesiano amplo havia emergido. O boom do pós-guerra ajudou a dar credibilidade a esse consenso; a interrupção do boom nos anos 1970 preparou o palco para a quebra do consenso.
No início dos anos 1980, desafios vindos das ideias monetaristas tradicionais deram lugar à crítica mais radical de Robert Lucas: As relações de forma reduzida nos modelos macroeconômicos Keynesianos refletem um comportamento econômico que não será, ele argumentou, invariante a mudanças na política econômica. Seguindo essa ‘crítica de Lucas’, um imperativo metodológico gradualmente ganhou aceitação geral: sugeria-se que as teorias macroeconômicas devem ser explicitamente baseadas na otimização microeconômica.
A crítica de Lucas era válida em princípio e, pelo menos potencialmente, tinha significância prática. Mas as doutrinas que emergiram no rastro da crítica presumiam níveis extravagantes de racionalidade intertemporal por parte do público, ignoravam problemas de agregação e reafirmavam crenças pré-Keynesianas de que a macroeconomia capitalista era inerentemente autoequilibrante. As formulações iniciais das novas teorias enfrentaram problemas empíricos sérios, necessitando uma gama de modificações e extensões, e coalescendo nos modelos contemporâneos de ‘equilíbrio geral estocástico dinâmico’ (DSGE), a teoria macroeconômica principal da macroeconomia mainstream. Apesar das modificações sucessivas, a ortodoxia DSGE retém elementos centrais dos modelos anteriores – incluindo a presença de agentes representativos otimizantes com horizontes infinitos e expectativas racionais, e a presunção de um equilíbrio estável ligado a uma taxa natural de desemprego.
No início dos anos 2000, um consenso autocongratulatório havia se estabelecido entre os macroeconomistas. A desejabilidade das fundamentações microeconômicas havia se tornado geralmente aceita, e o programa de pesquisa inspirado por Lucas era dominante na macroeconomia acadêmica. Os livros didáticos de graduação ainda discutiam os modelos Keynesianos, mas a tomada estava completa no nível de pós-graduação, e os formuladores de políticas cada vez mais confiavam na nova teoria. A economia Keynesiana tradicional havia sido deslocada, e Chari e Kehoe (2006, p. 4) puderam declarar vitória: “Os macroeconomistas agora levam a análise de políticas a sério apenas se elas são baseadas em modelos de equilíbrio geral quantitativos nos quais os parâmetros de preferências e tecnologias são razoavelmente argumentados para serem invariantes à política.”
Fundamentos teóricos inadequados e a dependência de correlações empíricas efêmeras supostamente tornavam os modelos Keynesianos não confiáveis e enganosos. Os novos modelos, por contraste, eram vistos como firmemente fundamentados na teoria econômica. Woodford (1999, p. 31) viu uma convergência, não apenas dentro da macroeconomia, mas também em relação ao restante da economia: “Os modelos macroeconômicos modernos são modelos de equilíbrio geral intertemporal derivados das mesmas fundações de comportamento otimizante por parte das famílias e empresas como são empregados em outras áreas da economia.” Blanchard (2000, p. 1375) sugeriu que “o progresso em macroeconomia pode muito bem ser a história de sucesso da economia do século XX,” com Chari e Kehoe (2006, p. 26) afirmando que os avanços teóricos tinham grande valor prático: “A teoria macroeconômica teve um efeito profundo e de longo alcance nas instituições e práticas governando a política monetária e está começando a ter um efeito similar na política fiscal. O produto social marginal da ciência macroeconômica é certamente grande e crescendo rapidamente.”
A "grande moderação" e uma economia americana dinâmica nos anos 1990 (juntamente com a dissolução da União Soviética) formaram o pano de fundo para esse sentimento amplamente compartilhado. As flutuações empresariais se tornaram mais leves após meados dos anos 1980, e Lucas pronunciou o problema da prevenção da depressão como “resolvido, para todos os fins práticos”. Ele prosseguiu argumentando que “o potencial para ganhos de bem-estar de melhores políticas de longo prazo, voltadas para a oferta, excede em muito o potencial de novas melhorias na gestão da demanda de curto prazo” (Lucas 2003, p. 1).
O rápido crescimento dos EUA demonstrou os benefícios dos mercados livres e de uma política econômica focada em baixa inflação, incentivos econômicos e liberalização. Pelo menos essa era a alegação. Historicamente, o desempenho dos EUA após os anos 1970 não foi, de fato, particularmente bem-sucedido. As taxas de crescimento médias foram mais altas em 1950–1975, e a distribuição dos ganhos tornou-se altamente enviesada após 1975. Os ricos (e especialmente os super-ricos) ficaram mais ricos; o restante experimentou rendas reais estagnadas ou em queda. Mulheres e minorias experimentaram algumas melhorias materiais, mas o salário médio de um trabalhador masculino permaneceu praticamente inalterado entre 1973 e 2020, e na extremidade inferior da distribuição, trabalhadores masculinos viram seus salários reais declinar. Macroeconomistas, no entanto, tradicionalmente deram pouco peso a questões distributivas; Lucas (2004, p. 14) comentou famosamente que "das tendências que são prejudiciais à economia sólida, a mais sedutora, e na minha opinião a mais venenosa, é focar em questões de distribuição".
A crise financeira de 2008 pegou a profissão de surpresa. A previsão do momento das crises financeiras sempre será difícil, mas o problema para os economistas era mais profundo. O consenso macroeconômico havia convergido para um modelo teórico no qual as finanças não desempenhavam um papel significativo e no qual uma crise financeira não poderia ocorrer: Qualquer tratamento significativo de finanças e crises financeiras tem, como pré-requisito, a existência de agentes distintos com diferentes posições financeiras; o modelo padrão, por contraste, foi construído em torno de uma única família representativa.
Uma vez que a crise financeira ocorreu, o modelo também se mostrou inútil como guia para a política econômica. Ele não tinha nada a dizer sobre questões financeiras; implicava que, embora a rigidez dos preços pudesse levar ao desemprego temporário, esses problemas de desemprego relacionados à demanda agregada seriam de curta duração; sugeriu que ajustes na poupança das famílias compensariam em grande parte a política fiscal, deixando a política fiscal com pouco ou nenhum efeito sobre a demanda agregada; apontou para a política monetária como o instrumento preferencial de estabilização, mas os instrumentos monetários tradicionais deixaram de estar disponíveis quando as taxas de juros atingiram o limite inferior zero.
A pobreza dos novos modelos levou a um ressurgimento do empirismo bruto, um ressurgimento profundamente irônico. Uma profissão que havia defendido a crítica de Lucas e a necessidade de teoria econômica e fundamentações microeconômicas sólidas agora extrapolava a partir de evidências passadas para sugerir que, por razões não especificadas, crises financeiras devem levar a recessões prolongadas. Enquanto isso, a retomada fiscal era defendida com base em evidências sugerindo uma correlação entre altos níveis de dívida pública e crescimento lento (Reinhart e Rogoff 2009, 2010).
As implicações foram devastadoras. O Ato de Recuperação e Reinvestimento Americano de 2009 (um pacote de estímulo fiscal) e o agressivo alívio quantitativo atenuaram a recessão nos EUA, mas foram insuficientes em escala para evitar uma recessão dolorosa e prolongada. As coisas foram piores do outro lado do Atlântico, onde os formuladores de políticas, com uma influência predominante das ideias ordoliberais alemãs, perseguiram políticas de austeridade que têm dilacerado a Europa. Milhões de cidadãos sofreram dificuldades desnecessárias como resultado do desemprego crescente e cortes em pensões e benefícios sociais. Turbulência política, agitação social e a ascensão de movimentos nacionalistas extremistas se seguiram, ameaçando o tecido democrático. Nem todos esses males podem ser atribuídos a políticas econômicas ruins, mas seria difícil negar a influência das condições econômicas piorando em eventos sociais e políticos. E a profissão econômica, e a teoria macroeconômica em particular, deve aceitar sua parte da responsabilidade pelas políticas que foram perseguidas. A insistência nos mercados como autorreguláveis e na política fiscal como ineficaz ou prejudicial forneceu justificação teórica para políticas neoliberais antes da crise e para políticas inadequadas e mal orientadas após a crise.
A teoria econômica não é a única influência sobre a política. Tentativas oportunistas de "enfraquecer a besta" e reduzir o estado de bem-estar certamente contribuíram para a formação de políticas. Mas a teoria macroeconômica atuou para disfarçar a natureza política desses ataques. Ela também fez pouco para confrontar e dissipar analogias enganosas entre donas de casa suábias e política macroeconômica sólida [1]. Pelo contrário, ver a macroeconomia essencialmente como uma única família representativa alimenta essa mesma mentalidade.
[1]: De acordo com a Economist (2014, 1º de fevereiro), a dona de casa suábia como um arquétipo foi invocada por Angela Merkel quando ela sugeriu que bancos em dificuldades “deveriam ter consultado uma dona de casa suábia, pois ela poderia ter lhes dito como lidar com o dinheiro.” O mesmo artigo cita o primeiro-ministro de Baden-Württemberg dizendo: “Sim, ela é um clichê, mas muito mais do que um clichê”, diz Winfried Kretschmann com certo orgulho, porque “a dona de casa suábia representa o ponto de partida” no pensamento alemão sobre o euro e gestão fiscal.
Economistas aplicados não podem se dar ao luxo de ignorar evidências empíricas, especialmente em uma recessão profunda. Não surpreendentemente, portanto, um corpo de pesquisa em políticas públicas tem questionado as presunções e implicações da ortodoxia atual, às vezes de forma explícita e às vezes implícita. Estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), por exemplo, desmentiram afirmações sobre a 'austeridade expansionista' e documentaram fortes multiplicadores fiscais durante recessões. De modo mais geral, um crescente corpo de pesquisa aplicada tem abordado várias questões importantes; Nakamura e Steinsson (2018) discutem parte desse trabalho recente.
No nível teórico, por outro lado, a abordagem DSGE encontrou pouca resistência dentro do mainstream da profissão. O trabalho de George Akerlof e vários coautores representa uma exceção, desafiando tanto as suposições comportamentais quanto noções-chave, como a 'taxa natural de desemprego.' [2] Outro exemplo pode ser o recente ressurgimento da noção de 'estagnação secular' por Larry Summers e as sugestões intimamente relacionadas de Paul Krugman de que armadilhas de liquidez podem ter se tornado cada vez mais relevantes. Mas nem Summers nem Krugman propuseram uma alternativa completa ao consenso DSGE.
[2]: Outros macroeconomistas comportamentais também têm desafiado os modelos DSGE padrão (por exemplo, De Grauwe 2012), e Robert Solow tem sido outro crítico consistente do paradigma de Lucas (por exemplo, Solow 1986, 2008). Veja também duas edições especiais da Oxford Review of Economic Policy (2018, Vol. 34(1–2); 2020, Vol. 36(3)) sobre 'Reconstruindo a teoria macroeconômica,' que contêm uma variedade de artigos que discutem, defendem ou criticam a abordagem DSGE.
No entanto, as falhas das versões atuais dos modelos DSGE são difíceis de ignorar, e suas limitações têm sido amplamente e cada vez mais reconhecidas, mesmo que a metodologia não seja questionada por muitos daqueles que são críticos. Blanchard (2018a), por exemplo, vê “os modelos DSGE atuais como seriamente falhos, mas eminentemente melhoráveis e centrais para o futuro da macroeconomia” (p. 44). Além disso, ele argumenta, “começar com microfundamentos explícitos é claramente essencial: onde mais começar? Equações ad hoc não servirão” (p. 47). Assim, ele conclui, “modelos DSGE podem cumprir uma necessidade importante na macroeconomia, a de oferecer uma estrutura central ao redor da qual construir e organizar discussões” (p. 48). Christiano et al. (2017) apresentam uma versão mais extrema dessa posição em sua defesa dos modelos DSGE. Macroeconomistas, eles argumentam, não podem realizar experimentos em economias reais para aprender as forças relativas das forças concorrentes. Experimentos são necessários, no entanto, e “[o] único lugar onde podemos fazer experimentos é em modelos de equilíbrio geral dinâmico e estocástico (DSGE)” (resumo; itálicos no original) – uma afirmação que é tanto audaciosa quanto flagrantemente falsa: precisamos de modelos formais, mas nem todos os modelos macroeconômicos logicamente consistentes com elementos dinâmicos e estocásticos seguem a abordagem particular ‘DSGE’ da teoria macroeconômica. [3]
[3]: Alguns modelos DSGE incorporam elementos e insights tradicionais, pré-Lucas. O grande 'efeito indireto' da política monetária identificado por Kaplan et al. (2018) e destacado por Christiano et al. como um exemplo de pesquisa de ponta basicamente identifica (como eles reconhecem na p. 20) um multiplicador keynesiano padrão. As tentativas de incluir desvios das expectativas racionais apontam na mesma direção, e talvez o termo DSGE perca seu significado distintivo em algum momento no futuro. Mas, até hoje, DSGE não é um simples sinônimo para modelo macroeconômico. A equação de Euler para agentes representativos otimizadores com horizontes infinitos está no centro da análise dos modelos DSGE, que são guiados por regras de jogo particulares e uma visão subjacente particular.
Fora do mainstream, críticos (pós-)Keynesianos, (neo-)Marxistas e institucionalistas sempre foram severos em suas críticas, mesmo antes do início da crise financeira [4]. Como exemplo, Dutt e Skott (2006) argumentaram que "o que aconteceu na macroeconomia desde o final dos anos 1960 foi um desvio desperdiçador. Uma geração de macroeconomistas cresceu aprendendo ferramentas que podem ser sofisticadas, mas a utilidade dessas ferramentas é questionável. Além disso, muitos danos podem ser e foram causados quando as ferramentas são aplicadas a situações do mundo real."
[4]: A marginalização dessas tradições dentro da profissão será vista pelo mainstream como um reflexo de suas fraquezas, em vez de uma indicação da mente fechada do próprio mainstream. Nas palavras do Economist (16 de julho de 2009, "What went wrong with economics?"), "[os] economistas de hoje tendem a ser mente aberta sobre o conteúdo, mas doutrinários sobre a forma. Eles estão mais apegados às suas técnicas do que às suas teorias. Eles acreditarão em algo quando puderem modelá-lo." Há alguma verdade nessa afirmação. Mas a distinção entre conteúdo e técnica de modelagem se desfaz no caso da macroeconomia contemporânea. É razoável exigir que um argumento seja claramente articulado, logicamente coerente e consistente com evidências empíricas relevantes, mas a ortodoxia predominante na macroeconomia tem uma metodologia particular, exigindo otimização intertemporal explícita como um elemento central de qualquer modelo macroeconômico aceitável.
Após a crise, conclusões semelhantes foram expressas por vários economistas que anteriormente eram vistos como parte do mainstream. Paul Krugman é citado dizendo que a maior parte da macroeconomia moderna é "espetacularmente inútil na melhor das hipóteses, e positivamente prejudicial na pior" (Economist, 16 de julho de 2009); Willem Buiter (2009) referiu-se aos últimos 30 anos de treinamento em macroeconomia nas universidades dos EUA e do Reino Unido como um "desperdício caro de tempo," e Brad DeLong (2009) comentou sobre o "colapso intelectual" da escola de Chicago. Mais recentemente, Paul Romer (2016) criticou os modelos DSGE por seu uso de "suposições identificadoras incríveis para alcançar conclusões desconcertantes" (p. 1). Ele sugere que a macroeconomia tem sido guiada pela deferência aos líderes do campo e "o progresso no campo é julgado pela pureza de suas teorias matemáticas, conforme determinado pelas autoridades" (p. 16). Por mais ferozes que esses comentários possam ser, muitas vezes não está claro o que está sendo promovido por esses críticos como uma alternativa à ortodoxia. E uma alternativa é necessária.
Blanchard vê o modelo DSGE como fornecendo uma estrutura central para entender as economias capitalistas. A abordagem DSGE é falha e uma escolha pobre, mas Blanchard está correto, em minha opinião, que uma estrutura central ou visão teórica é necessária, mesmo que o objetivo seja 'apenas' uma formulação de políticas sólidas, em vez de uma construção grandiosa de sistemas por si só – como Keynes observou, "homens práticos que acreditam estar completamente isentos de qualquer influência intelectual são geralmente escravos de algum economista defunto" (Teoria Geral, p. 383). Mas para que seja útil e relevante para aplicações no mundo real, precisamos de uma estrutura central que seja bastante diferente do que está sendo oferecido pelo programa de pesquisa dos modelos DSGE.
1.3 Visão Geral
1.3.1 Comportamento
Modelos macroeconômicos incorporam equações de contabilidade pura, mas por si só essas equações não nos levam muito longe. Elementos comportamentais devem ser adicionados, e a especificação desses elementos requer suposições sobre o comportamento microeconômico. Este reconhecimento da importância do comportamento microeconômico não implica que as equações macroeconômicas devem ser derivadas diretamente da maximização intertemporal da utilidade de um agente representativo.
O Capítulo 2 examina a crítica de Lucas e a forma como foi abordada através da introdução de um agente representativo otimizado. A mensagem deste capítulo é simples: A crítica de Lucas é inquestionável, mas a solução de Lucas desenvolvida pela macroeconomia mainstream representa um fracasso abjeto. Assunções heroicas de agregação estão incorporadas na criação de um agente representativo: Mesmo se as preferências individuais pudessem ser consideradas bem definidas, exógenas e estáveis ao longo do tempo, os famosos resultados de Sonnenschein–Debreu–Mantel mostram que a racionalidade microeconômica impõe apenas restrições muito fracas às propriedades das funções de demanda agregada excessiva.
O Capítulo 2 também questiona a função utilidade do agente representativo como base para a análise de bem-estar. Essa abordagem de análise de bem-estar tem sido saudada como uma vantagem forte e distintiva da abordagem contemporânea porque, supostamente, utiliza um critério de bem-estar ‘correto’ e ‘objetivo’. Essa afirmação é falsa: usar uma função utilidade ‘descritiva’ do agente representativo impõe um viés sistemático contra os pobres e a favor dos ricos. A derivação das relações macroeconômicas a partir da otimização de uma família representativa “não é simplesmente uma conveniência analítica como muitas vezes explicado, mas é tanto injustificada quanto leva a conclusões que geralmente são enganosas e frequentemente erradas” (Kirman 1992, p. 117).
Mesmo se deixarmos de lado as questões de agregação, as suposições comportamentais padrão são questionáveis. Grande parte da atividade econômica é orientada para objetivos de maneira relativamente clara. Isso se aplica mais obviamente às empresas capitalistas. Dada a complexidade do problema de decisão e as nuvens pervasivas de incerteza nas quais essas decisões devem ser tomadas, as empresas não podem ‘maximizar os lucros’ em um sentido estrito, mas modelos formais que incorporam a maximização do lucro podem ser úteis para muitos propósitos. A abordagem de otimização é mais questionável com respeito às famílias, que estão no centro dos modelos DSGE. De fato, à luz de muitas evidências comportamentais, as suposições microeconômicas da macroeconomia contemporânea parecem mecânicas, primitivas e enganosas. A economia comportamental demonstrou desvios sistemáticos das suposições simples de racionalidade instrumental perfeita e expectativas racionais. Esses desvios do comportamento previsto têm implicações importantes para elementos-chave da teoria macroeconômica, incluindo a formação de salários e a poupança.
O Capítulo 3 considera as decisões de poupança das famílias. Alguns desvios do comportamento real em relação ao de um ‘homo oeconomicus’ idealizado são bastante triviais e irrelevantes para a macroeconomia: as famílias cometem erros em suas atividades diárias e às vezes falham em escolher cestas de consumo que poderiam ter melhorado seu bem-estar, mas se os erros são aleatórios, as implicações para a teoria macroeconômica são limitadas. A situação é diferente quando os erros são sistemáticos e ocorrem em áreas que afetam os resultados econômicos agregados.
As evidências mostram que uma grande proporção das famílias economizou muito pouco quando chega à aposentadoria. Pode haver várias razões para a baixa poupança, incluindo impaciência, falta de autodisciplina e efeitos de pares no consumo. Mas a incerteza pervasiva também levanta questões sobre a noção geral de que decisões de longo prazo, como a poupança para a aposentadoria familiar, podem ser baseadas em noções significativas de otimização. A mudança técnica pode tornar habilidades obsoletas e criar novas oportunidades de emprego, e alterações na política econômica podem ter grandes efeitos nas finanças familiares. Exemplos óbvios incluem incertezas quanto à seguridade social futura, benefícios de saúde e o custo de enviar filhos para a faculdade. Mesmo se identificar com sucesso essas contingências, a família ainda enfrenta a tarefa assustadora de incorporá-las em planos ótimos.
Essas complicações e os desvios sistemáticos do comportamento das famílias em relação aos postulados do modelo não adicionam apenas erros aleatórios que se cancelam na agregação. E eles afetam o cerne do modelo DSGE: é precisamente a maximização intertemporal da utilidade sob previsão perfeita (ou expectativas racionais) que supostamente estabelece a superioridade do modelo. Como observado por Blanchard (2016, p. 1), a derivação da demanda de consumo nos modelos DSGE está “fortemente em desacordo com as evidências empíricas” tanto com respeito ao “grau de previsão quanto ao papel das taxas de juros em distorcer o caminho do consumo.” Pode-se tentar remendar o modelo de várias maneiras – introduzindo um subconjunto de consumidores ‘mão-para-boca’ ou adicionando ‘formação de hábitos’, por exemplo – mas essas são “reparos, em vez de caracterizações convincentes dos consumidores” (Blanchard 2016, p. 2). Assim, temos aqui um programa de pesquisa que, 40 anos após sua criação e após pelo menos 20 anos de domínio quase total, tem que admitir que sua principal inovação não se encaixa nos fatos (Capítulo 3).
O tratamento da formação de salários e do mercado de trabalho é outro exemplo de fracasso. A existência de uma ‘taxa natural de desemprego’ bem definida informa grande parte da política econômica, mas a evidência é fraca: fortes crenças prévias são necessárias para justificar interpretações da evidência como suporte de uma taxa natural de desemprego. A teoria da taxa natural, em segundo lugar, é frágil mesmo em seus próprios termos: pequenas mudanças na análise de Barro-Gordon (1983) do viés inflacionário podem eliminar a taxa natural de desemprego e gerar conclusões políticas radicalmente diferentes, mesmo quando as suposições de previsão perfeita e preferências bem definidas sobre inflação e produção são mantidas (Capítulo 5).
As suposições comportamentais subjacentes à formação de salários na ortodoxia atual também excluem forças que têm uma influência sistemática nos resultados do mercado de trabalho. Evidências abundantes sugerem que as noções de justiça são importantes para a definição de salários e relações trabalhistas. Essas descobertas comportamentais se encaixam mal dentro da ortodoxia atual. Normas de justiça, além disso, provavelmente têm elementos históricos e convencionais fortes: Reduções nos salários em relação a um nível previamente estabelecido são tipicamente vistas como injustas. Esses desvios comportamentais sistemáticos do homo oeconomicus têm significância macroeconômica. ‘Salários justos’ podem ser uma fonte de desemprego, como sugerido por Akerlof e Yellen (1990), e ilusão monetária (Akerlof et al. 1996), enquanto elementos convencionais de justiça podem levar a dependências de trajetória (histerese) tanto na taxa de desemprego quanto na estrutura dos salários relativos (Capítulos 6 e 7).
Os desvios do homo oeconomicus com respeito tanto ao consumo quanto à definição de salários não negam a importância do comportamento microeconômico para a macroeconomia. Pelo contrário, os modelos DSGE falham porque se basearam em suposições enganosas sobre o comportamento microeconômico. As relações macroeconômicas devem, de fato, refletir o comportamento microeconômico, e a macroeconomia deve ser ‘comportamental.’ Mas as suposições centrais da abordagem DSGE representam uma má aproximação do comportamento no mundo real.
Estrutura
O comportamento microeconômico ocorre dentro de um ambiente macroeconômico, e a teoria macroeconômica não deve ignorar nem as estruturas que definem o ambiente nem a agência individual dentro dessas estruturas. Todas as teorias têm, implicitamente ou explicitamente, um cenário estrutural que é macroeconômico por natureza – até mesmo o modelo de equilíbrio geral walrasiano com seu conjunto simples de suposições abstratas sobre direitos de propriedade e mercados. Assim, a crítica à ortodoxia atual não é a ausência de qualquer suposição estrutural, mas a má escolha das suposições feitas. A posição subjacente parece ser que as preferências e a tecnologia dominam e que, fora isso, as instituições são em grande parte irrelevantes ou simplesmente refletem preferências e tecnologia.
Discutindo o mercado de trabalho e os padrões temporais de trabalho, Lucas (1981) expressa essa visão explicitamente. Convenções sociais e estruturas institucionais afetam os padrões temporais, ele argumenta, mas
"as convenções e instituições não surgem simplesmente do nada, arbitrariamente se impondo sobre os agentes individuais. Pelo contrário, as instituições e costumes são projetados precisamente para ajudar a combinar preferências e oportunidades de forma satisfatória."
Teorias que levam em conta os complicados arranjos institucionais nos mercados de trabalho e de produtos reais
"teriam que explicar por que, dadas suas oportunidades, as pessoas preferem arranjos que envolvem padrões de emprego erráticos. Ignorar esse ponto simples me parece simplesmente uma má ciência social: uma tentativa de explicar aspectos importantes do comportamento humano sem referência ao que as pessoas gostam ou ao que são capazes de fazer. (Lucas, 1981, p. 4; itálicos no original)"
Esse argumento reducionista é pouco convincente. As instituições mudam ao longo do tempo, e os efeitos agregados e cumulativos do comportamento individual indubitavelmente desempenham um papel na geração de tais mudanças. Mas problemas de ação coletiva e a teoria dos jogos simples deixam claro que um equilíbrio institucional não precisa refletir o que “as pessoas preferem” (assumindo que seja mesmo possível definir um resultado que “as pessoas preferem”). Equilíbrios de Nash não precisam ser ótimos de Pareto, e raramente descrevem resultados que são preferidos por todos os jogadores – o dilema dos prisioneiros mostra que os equilíbrios podem até mesmo ser estritamente inferiores de Pareto em relação a outros resultados possíveis. Em um nível mais geral, o argumento de Lucas parece implicar uma noção de que toda a história humana e suas instituições podem ser reconstruídas como uma emanação das preferências humanas exógenas. É difícil levar essa noção a sério. Como Karl Marx observou,
"Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias escolhidas por eles, mas sob circunstâncias diretamente encontradas, dadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa como um pesadelo sobre o cérebro dos vivos. (Marx 1852 [1978], p. 9)"
A história econômica e as estruturas institucionais são melhor vistas como dependentes de trajetória e em grande parte evoluindo sob a influência das – muitas vezes não intencionadas – consequências de inúmeras decisões microeconômicas. As instituições são dadas no curto prazo e influenciam de maneiras importantes as propriedades de uma economia. Os objetivos e preferências dos indivíduos serão moldados em grande parte pelo ambiente econômico em que nasceram: Como explicar de outra forma as diferenças culturais entre as sociedades? Essa influência implica que não pode haver uma causalidade unidirecional entre ‘preferências’ e ‘instituições’; as instituições moldam as preferências e as ações e interações humanas geram mudanças institucionais (Hodgson 1988, p. 64-65). Não pode haver fundamentos microeconômicos em um sentido reducionista; a metáfora de ‘fundamentos’ é enganosa, e metáforas importam (King 2012).
A maioria dos economistas, acredito, aceitará a necessidade de considerar tanto o comportamento dos tomadores de decisão no nível micro (agência) quanto o ambiente que constrange e molda seu comportamento (estrutura) [5]. Mas, ao colocar o agente representativo com vida infinita no centro da análise, os modelos DSGE de facto (e talvez inadvertidamente) tornam-se reducionistas. O cenário não permite interações entre tomadores de decisão com diferentes crenças, objetivos e restrições, e não pode haver falácias de composição e consequências não intencionadas. A análise trata essencialmente a macroeconomia como um único agente otimizador com preferências dadas exogenamente, eliminando assim também questões de conflito social e poder relativo.
[5]: Hahn (1973) aceitou a endogeneidade de longo prazo das preferências. A exogeneidade delas nos modelos de equilíbrio geral é justificada, ele argumentou, porque para fins práticos podem ser consideradas dadas no curto prazo. A posição de Acemoglu (2009) parece mais intrigante. Não é óbvio como se pode conciliar modelos de crescimento baseados em agentes representativos e otimização de Ramsey com uma ênfase nas instituições (e mudança institucional) como “uma causa fundamental – talvez a mais significativa – do crescimento econômico.”
Uma integração de macro e micro (em vez de uma base unidirecional de uma para a outra) foi o que keynesianos como James Tobin, Paul Samuelson ou Robert Solow almejavam. A maioria dos macroeconomistas pós-keynesianos e neo-marxistas compartilham desse objetivo, mas dão menos peso à tomada de decisão racional no nível micro e, em vez disso, tendem a enfatizar a influência constrangedora e capacitadora das instituições [6]. As diferenças entre keynesianos antigos, pós-keynesianos e neo-marxistas são importantes, mas metodologicamente o objetivo é o mesmo: construir uma narrativa integrada micro-macro de como as economias capitalistas funcionam e evoluem.
[6]: Discutindo o trabalho de John Cornwall, por exemplo, Setterfield e Thirlwall (2010) sugerem:
Em um ambiente de incerteza, as instituições possibilitam a ação, prescrevendo comportamentos quando é impossível identificar uma resposta ótima para uma situação. ... [As] instituições fornecem macrofundamentos relativamente duradouros para o comportamento econômico: elas atuam como um ‘sistema operacional’ quase inerte dentro do qual o processo de geração de renda funciona (p. 489).
Cornwall relacionou as flutuações de médio e longo prazo no desempenho econômico à ‘aptidão institucional’ de uma economia; nesse sentido, seu trabalho tinha uma afinidade próxima com a ‘escola da regulação’ francesa ou seu equivalente nos EUA sobre ‘estruturas sociais de acumulação’ (por exemplo, Boyer 1990, Kotz et al. 1994).
Vou abordar questões relacionadas à mudança nas instituições, mais notavelmente no Capítulo 7 sobre mudanças na desigualdade. Muitos fatores contribuíram para as tendências na desigualdade, e o capítulo não tenta oferecer uma explicação completa, focando em vez disso em alguns elementos que receberam pouca atenção. Mudanças tecnológicas e institucionais tendenciosas ao poder, em primeiro lugar, enfraqueceram a posição de alguns grupos de trabalhadores (principalmente os de baixa remuneração) e fortaleceram a de outros (frequentemente os de alta remuneração). Desajustes no mercado de trabalho, em segundo lugar, podem gerar resultados paradoxais: um aumento no salário mínimo, por exemplo, pode aumentar o emprego de trabalhadores de baixa qualificação.
Características estruturais e institucionais também influenciam a forma como uma economia funciona no nível macroeconômico, um fato simples que muitas vezes não é reconhecido. As fontes de inflação, por exemplo, podem ser bastante diferentes em economias maduras com quase pleno emprego em comparação com economias duais com grandes quantidades de desemprego disfarçado (Capítulo 6). Economias capitalistas avançadas, como outro exemplo, são economias corporativas. As famílias podem ser as proprietárias finais das empresas, mas normalmente não possuem capital físico diretamente. A propriedade é mediada através de ativos financeiros: as famílias possuem ações em empresas, seja diretamente ou indiretamente através de instituições financeiras, incluindo fundos de pensão e companhias de seguros. Essa estrutura corporativa tem implicações macroeconômicas. As decisões financeiras das empresas, por exemplo, influenciarão a taxa de poupança agregada, enquanto os efeitos macroeconômicos do desejo das famílias de acumular riqueza financeira dependem criticamente do tipo de ativos nos quais as famílias escolhem manter sua riqueza aumentada (Capítulo 4). Ou considere a sustentabilidade da dívida pública. Alguns países têm dívidas denominadas em sua própria moeda, enquanto outros têm dívidas denominadas em uma moeda que não controlam. Essa diferença estrutural faz uma enorme diferença. No entanto, uma vasta literatura sobre dívida pública não faz distinção entre os dois casos (Capítulo 11).
1.3.3 Instabilidade, Ciclos e Crescimento Econômico
A macroeconomia é, por definição, ‘geral.’ Trata-se do sistema econômico como um todo e das interações entre os mercados, em vez da análise ceteris paribus de mercados individuais. A percepção de que as coisas podem parecer muito diferentes de uma perspectiva sistêmica do que da perspectiva de um único mercado deu origem à revolução keynesiana e à macroeconomia moderna. Economistas pré-keynesianos cometeram um erro, argumentou Keynes, precisamente ao tentar estender ao sistema como um todo conclusões obtidas ao olhar para uma única empresa ou indústria. Uma queda nos salários nominais aumentaria o emprego se o preço do produto pudesse ser considerado dado, mas essa suposição de preços dados não pode ser sustentada quando as interações entre mercados são consideradas: mudanças nas taxas salariais médias afetam a demanda nominal agregada e, assim, o nível de preços nominais. Essas interações dinâmicas estão por trás das falhas de mercado que Keynes identificou: assumindo que uma posição bem definida de pleno emprego existe, os mecanismos de mercado não podem ser confiáveis para trazer a economia de uma depressão de volta ao pleno emprego [7]. A análise de Keynes sobre problemas de demanda agregada e a (in)estabilidade do pleno emprego é abordada no Capítulo 8.
[7]: Esse argumento keynesiano, que não foi incluído na maioria dos livros didáticos, foi amplamente aceito pelos keynesianos antigos (por exemplo, Hicks 1975, Solow 1998, Tobin 1975, 1993).
A teoria macroeconômica contemporânea abandonou efetivamente as preocupações que definiam a macroeconomia tradicional. A rigidez de preços e salários pode exigir estabilização de curto prazo nos novos modelos DSGE keynesianos, mas se apenas preços e salários fossem flexíveis, não haveria problemas keynesianos de demanda efetiva nesses modelos; as flutuações cíclicas são geradas pela introdução de choques estocásticos em modelos que, de outra forma, possuiriam uma solução de equilíbrio estável. Os problemas de coordenação e estabilidade que estavam no cerne da mensagem de Keynes foram esquecidos.
Os Capítulos 9 e 10 estendem a análise para o médio e longo prazo. A produção agregada neoclássica ainda é ubíqua na literatura macroeconômica, apesar das fraquezas teóricas expostas pela controvérsia do capital de Cambridge. O Capítulo 9 apresenta uma visão geral dessa controvérsia e das tentativas subsequentes de fornecer uma justificativa empírica para a função de produção agregada. Essas tentativas são pouco convincentes, e a função não é necessária: outros mecanismos podem reconciliar a taxa média de crescimento de longo prazo com a taxa de crescimento da força de trabalho.
Essa reconciliação conta apenas parte da história. Economias capitalistas contêm forças estabilizadoras e desestabilizadoras. Dependendo do equilíbrio dessas forças, podem surgir flutuações limitadas em torno de um caminho de crescimento instável localmente. Esse resultado está em linha com estudos empíricos que encontram evidências de instabilidade local (Beaudry et al. 2017). Em contraste, nos modelos DSGE, o caminho de crescimento estável representa um ponto de sela, e presume-se que agentes com visão de futuro busquem o caminho de sela estável. Não há ciclos endógenos.
Ciclos endógenos são analisados no Capítulo 10. Argumentarei que os preços dos bens são mais flexíveis e a produção menos flexível do que comumente assumido, e a teoria keynesiana não precisa de suposições de rigidez de preços. Preços flexíveis combinados com uma análise explícita do ajuste de produção e decisões de investimento governadas por um princípio de ajuste de estoque podem produzir ciclos econômicos endógenos em modelos de referência de uma economia fechada sem setor público. Surpreendentemente, padrões cíclicos essencialmente iguais para emprego, utilização de capital e participação nos lucros podem ser derivados de modelos com flexibilidade de produção e preços rígidos, suposições que podem se encaixar em partes do setor de serviços. Quando os modelos de referência de ciclos endógenos são estendidos para incluir políticas fiscais e monetárias, as simulações mostram uma notável correspondência com padrões cíclicos observados nos EUA.
A análise no Capítulo 10 também indica que problemas estruturais de demanda agregada podem comprometer a existência de um caminho de crescimento estável (e não apenas sua estabilidade local). Problemas de demanda agregada de longo prazo desse tipo não podem surgir em modelos DSGE que – embora possam incluir ‘consumidores mão-para-boca’ – são ancorados pela otimização intertemporal de um agente representativo. Fora do mundo rarefeito desses modelos, no entanto, economias capitalistas maduras podem experimentar estagnação secular na ausência de uma política fiscal sustentada. O Capítulo 11 analisa essas questões em maior detalhe, mostrando que a necessidade de um estímulo fiscal de longo prazo em algumas economias maduras não implica em taxas de dívida pública explosivas. Um resultado importante, além disso, mostra que a relação dívida assimptótica associada ao crescimento de pleno emprego depende inversamente tanto da taxa de crescimento econômico quanto da participação do consumo governamental na renda. O capítulo também argumenta que, em contraste com economias maduras, economias em desenvolvimento não enfrentam problemas estruturais de demanda agregada desse tipo; seus problemas de política são bastante diferentes.
1.3.4 Modelos Centrais
As interações dinâmicas entre os mercados são difíceis de acompanhar, e técnicas formais são necessárias para fazer qualquer progresso. As técnicas podem ser analíticas ou numéricas. As técnicas numéricas têm ganhado influência e possuem vantagens óbvias: podemos simular sistemas que são muito complicados para permitir uma solução analítica. A desvantagem dos métodos numéricos é igualmente óbvia: pode ser difícil saber exatamente o que impulsiona o resultado, o que é uma desvantagem séria para modelos que visam fornecer, nas palavras de Blanchard, “uma estrutura central ao redor da qual construir e organizar discussões.” Modelos centrais também são necessários em relação ao trabalho empírico, uma questão discutida brevemente no capítulo conclusivo.
De acordo com essa necessidade de modelos centrais, a ênfase deste livro será em modelos analíticos de pequena escala. A ambição não é fornecer uma única ‘teoria de tudo’, mas apresentar uma abordagem coerente que possa servir como uma alternativa à ortodoxia atual na teoria macroeconômica.
1.3.5 Terminologia e Notação
Terminologia
Uma nota rápida sobre terminologia e notação pode ser útil antes de prosseguir. ‘Ortodoxia macroeconômica contemporânea,’ no meu uso do termo, refere-se a teorias que impõem expectativas racionais e insistem na otimização explícita por agentes representativos como um elemento central dos modelos macroeconômicos. Ortodoxia, nesse sentido, inclui modelos DSGE, bem como a maioria dos modelos de gerações sobrepostas (OLG). Dentro da ortodoxia, os modelos DSGE neokeynesianos mantêm a otimização explícita e as expectativas racionais, mas, ao contrário da teoria do ciclo econômico real (RBC), enfatizam a presença de rigidezes reais e nominais, permitindo assim que a demanda agregada desempenhe um papel no curto prazo.
A macroeconomia keynesiana antiga segue uma metodologia mais eclética. Os tomadores de decisão econômica são vistos como orientados para objetivos, com a otimização às vezes usada para modelar o comportamento no nível microeconômico. Em geral, no entanto, os tomadores de decisão não têm expectativas racionais e reconhece-se que podem ser racionalmente limitados. A transição do micro para o macro, além disso, envolve problemas de agregação; as condições de primeira ordem que caracterizam a otimização microeconômica, portanto, não se transferem para as relações macroeconômicas.
As teorias pós-keynesianas diferem da macroeconomia keynesiana antiga ao enfatizar o papel da demanda agregada no crescimento econômico de longo prazo, a importância do conflito social, das instituições e convenções econômicas, a presença de incerteza pervasiva e as tendências das economias capitalistas não regulamentadas de experimentar falhas de mercado e crises econômicas recorrentes [8].
[8]: Hein (2014), Lavoie (2014) e Blecker e Setterfield (2019) fornecem levantamentos da teoria pós-keynesiana.
Notação
Muitas variáveis econômicas têm notação padrão; Y, C, I e K para produção agregada, consumo, investimento e capital, respectivamente, são exemplos óbvios. Essas notações padrão serão seguidas sempre que possível. Podem surgir conflitos, no entanto, em casos em que duas variáveis diferentes com a mesma notação padrão apareçam no mesmo modelo; a notação π, por exemplo, é comumente usada para denotar tanto a participação nos lucros quanto a taxa de inflação. Não há conflito se as variáveis não aparecerem no mesmo modelo, mas o leitor deve estar ciente de que a mesma notação matemática pode denotar variáveis diferentes, dependendo do modelo em consideração.
Esse problema se torna mais agudo com relação a parâmetros e funções: o número absoluto de parâmetros e funções torna o uso de notação específica para cada modelo quase inevitável; a função f(), por exemplo, será usada para a função de investimento em um modelo, mas para a escolha de técnica em outro, enquanto, dependendo do contexto, o parâmetro α pode aparecer em funções de utilidade, funções de produção ou equações comportamentais. A alternativa – uma notação completamente consistente e uniforme para todas as variáveis, parâmetros e funções – exigiria um conjunto incômodo e não padrão de definições. Assim, a notação matemática neste livro sacrifica a consistência pela simplicidade e conformidade com a prática padrão.
Alguns elementos são consistentes. Seguindo a convenção geral, ‘pontos’ e ‘chapéus’ serão usados ao longo do texto para representar derivadas temporais e taxas de crescimento proporcionais: Para qualquer variável $x$, as notações $\dot{x}$ e $\hat{x}$ são definidas por $\dot{x} = dx/dt$ e $\hat{x} = \dot{x}/x = (dx/dt)/x$, respectivamente. As derivadas parciais de uma função multivariada são denotadas por subscritos: A função $f(x, y)$ tem as derivadas parciais $f_1$ e $f_2$. Com relação às variáveis, finalmente, o subscrito $i$ tem sido usado para indicar variáveis no nível do agente, enquanto o subscrito $t$ indica o período de tempo em modelos de tempo discreto.
2 A Crítica de Lucas e Agentes Representativos
2.1 Contexto
Assim como a Grande Depressão dos anos 1930 formou o pano de fundo para a revolução keynesiana, a contrarrevolução dos anos 1970 também teve um contexto histórico. A inflação estava aumentando, e os anos 1960 viram o aumento da militância trabalhista, altos níveis de atividade grevista, revoltas juvenis, mobilização maciça contra a Guerra do Vietnã e queda na participação nos lucros. Essas tendências continuaram na década de 1970, quando a inflação foi ainda mais exacerbada pelos choques nos preços do petróleo e pelo aumento dos preços das commodities.
Críticos do consenso keynesiano da época viam a inflação crescente como indicativa de fraquezas teóricas fundamentais no pensamento keynesiano. Argumentava-se que a economia keynesiana carecia de fundamentos microeconômicos. Enquanto os estudantes de microeconomia examinavam as implicações da maximização da utilidade e do lucro para a determinação dos preços de equilíbrio, os modelos keynesianos eram moldados em termos de funções de investimento e consumo; preços e salários eram tomados como exógenos, ou uma curva de Phillips era adicionada para explicar a taxa de inflação. Teóricos micro e macroeconômicos pareciam habitar mundos diferentes, e os elos entre esses mundos eram obscuros.
Um ponto de inflexão na mudança de opinião acadêmica dominante veio com o discurso presidencial de Milton Friedman na American Economic Association em 1967, que articulou esse argumento de maneira marcante. Friedman argumentou que a análise de Phillips “contém um defeito básico – a falha em distinguir entre salários nominais e salários reais” (Friedman 1968, p. 8). Elaborando sobre essa afirmação, Friedman argumentou que:
> Em qualquer momento, há algum nível de desemprego que tem a propriedade de ser consistente com o equilíbrio na estrutura das taxas de salários reais. ... Um nível mais baixo de desemprego é um indício de que há um excesso de demanda por trabalho que produzirá pressão ascendente nas taxas de salários reais. Um nível mais alto de desemprego é um indício de que há um excesso de oferta de trabalho que produzirá pressão descendente nas taxas de salários reais. (p. 8; itálicos no original)
Essa visão de um mercado de trabalho no qual as curvas de oferta e demanda determinam uma solução de equilíbrio única para o emprego e o salário real leva à definição da “taxa natural de desemprego” como:
> o nível que seria produzido pelo sistema walrasiano de equações de equilíbrio geral, desde que estejam embutidas nele as características estruturais reais dos mercados de trabalho e de commodities, incluindo imperfeições de mercado, variabilidade estocástica nas demandas e ofertas, o custo de coletar informações sobre vagas de emprego e disponibilidades de trabalho, os custos de mobilidade, e assim por diante. (p. 8)
Dessa perspectiva, a aparente trade-off entre desemprego e inflação, representada pela curva de Phillips tradicional, era sintomática de um “defeito básico”: Os modelos macroeconômicos não tinham incorporado princípios econômicos fundamentais.
As demandas por fundamentos microeconômicos foram endurecidas pelo surgimento da nova teoria clássica. As primeiras versões da teoria incluíam imperfeições informacionais que dificultavam para os tomadores de decisão individual discernir choques monetários agregados de mudanças na demanda relativa (Lucas 1975). Essas versões subsequentemente deram lugar às teorias de RBC nas quais os ciclos representavam respostas eficientes a choques exógenos (Kydland e Prescott 1982). A história pura de RBC enfrentou dificuldades empíricas, e o consenso em torno dos modelos DSGE que emergiu dessa literatura incorpora uma gama de fricções e imperfeições. Mas, metodologicamente, o princípio-chave permanece inalterado: há um acordo geral de que a macroeconomia deve ser construída sobre firmes fundamentos microeconômicos [1].
[1]: Este princípio parece ter precedência sobre todos os outros critérios, incluindo o realismo descritivo. Assim, o elemento de continuidade entre Friedman e Lucas não deve obscurecer uma descontinuidade acentuada entre a metodologia empirista de Friedman e uma justificativa metodológica muito mais formalista dos agentes representativos otimizadores como base dos modelos macroeconômicos na nova economia clássica e no consenso atual.
O princípio metodológico central por trás da visão consensual foi submetido a críticas contundentes de, entre outros, Kirman (1989, 1992), Hoover (1988, 2001) e uma série de economistas heterodoxos [2]. No entanto, parece que muitos macroeconomistas desconhecem essas críticas ou optaram por ignorá-las. Certamente, não conheço respostas satisfatórias dos defensores do consenso atual.
[2]: Os livros didáticos de Hein (2014) e Lavoie (2014) dedicam considerável espaço a essas questões; King (2012) discute em detalhes a ‘ilusão das microfundamentações’.
Este capítulo apresenta críticas internas à ‘solução de Lucas’, que postula a otimização explícita por agentes representativos como um imperativo metodológico para a teoria macroeconômica. A crítica é interna porque aceita as premissas sobre as preferências e a racionalidade perfeita das famílias individuais. O capítulo serve como um prelúdio para críticas externas, comportamentais e estruturalistas e para a apresentação de uma abordagem alternativa de modelagem macroeconômica nos capítulos subsequentes.
A Seção 2.2 discute a crítica de Lucas. A crítica à solução de Lucas tem três partes distintas: A inexistência de um agente representativo com as características estipuladas (Seção 2.3), o uso indevido de agentes representativos descritivos para a análise de bem-estar (Seção 2.4) e a vulnerabilidade da suposta solução de Lucas a uma crítica de Lucas (Seção 2.5). A Seção 2.6 oferece alguns comentários finais.
2.2 A Crítica de Lucas e a Macroeconomia Contemporânea
A necessidade de fundamentos microeconômicos foi ilustrada por Lucas (1976) usando três exemplos. O primeiro apontou que o efeito sobre o consumo de uma mudança na renda depende de se a mudança é esperada como temporária ou permanente. O segundo, de forma análoga, discutiu como o efeito de um crédito fiscal sobre o investimento depende de se o crédito é temporário ou permanente, enquanto o terceiro exemplo focou na curva de Phillips, observando como as mudanças na inflação esperada afetam a relação entre produto e inflação real, e como a inflação esperada, por sua vez, depende do regime de política.
O conteúdo desses exemplos era bem conhecido na época, mas Lucas tirou uma lição geral: os modelos econométricos existentes, ele argumentou, eram profundamente falhos. Resumindo a análise, ele concluiu que (p. 41):
> dado que a estrutura de um modelo econométrico consiste em regras de decisão ótimas dos agentes econômicos, e que as regras de decisão ótimas variam sistematicamente com mudanças na estrutura das séries relevantes para o tomador de decisões, segue-se que quaisquer mudanças na política alterarão sistematicamente a estrutura dos modelos econométricos.
Esta crítica de Lucas essencialmente possui três elementos:
- O comportamento microeconômico é orientado para objetivos, possui uma dimensão intertemporal e é influenciado por expectativas.
- Equações macroeconômicas de forma reduzida que ligam decisões atuais a variáveis observáveis refletirão essas expectativas.
- Mudanças nas expectativas – por exemplo, como resultado de mudanças nas regras de política – podem afetar essas equações de forma reduzida e torná-las instáveis.
Todos os três elementos são inquestionáveis. Pode-se debater o tamanho e a significância das mudanças em equações específicas após choques específicos, mas o argumento geral é claramente correto. De fato, como qualquer economista, especialmente um keynesiano, poderia não concordar que o comportamento econômico é orientado para objetivos, que possui uma dimensão intertemporal e que é influenciado por expectativas? O papel das expectativas estava no centro da análise de Keynes. Alguém discorda que as equações de forma reduzida refletirão essas expectativas? Não se segue que mudanças nas expectativas podem afetar as equações de forma reduzida e torná-las instáveis?
Keynesianos e outros já tinham feito pontos semelhantes muito antes de Lucas. Lerner (1943, p. 48), por exemplo, argumentou que a introdução de regras de política keynesianas afetaria as expectativas e mudaria o comportamento do setor privado:
> Como um dos maiores impedimentos ao investimento privado é o medo de que a depressão venha antes que o investimento tenha se pagado, a garantia de pleno emprego permanente tornará o investimento privado muito mais atraente, uma vez que os investidores tenham superado suas desconfianças em relação ao novo procedimento. O maior investimento privado diminuirá a necessidade de gastos deficitários.
Quer se concorde ou não com os detalhes do argumento de Lerner, ele claramente reflete uma crítica de Lucas: as expectativas e o comportamento de investimento das empresas mudarão se os governos começarem a seguir um regime de política keynesiana.
A ‘Lei de Goodhart’ – desenvolvida em resposta à ênfase monetarista emergente na definição de metas para agregados monetários – é outro exemplo presciente. Uma breve declaração geral da lei diz: “Qualquer regularidade estatística observada tenderá a colapsar uma vez que seja colocada sob pressão para fins de controle” (Goodhart 1975; reimpresso em Goodhart 1981, p. 116).
Especificamente, Goodhart argumentou que, embora a demanda por dinheiro possa ter sido relativamente estável historicamente, essa regularidade estatística colapsaria em um regime de política monetarista, uma previsão que foi confirmada pela experiência subsequente. Fora da economia, a ‘Lei de Campbell’ expressa preocupações semelhantes: “Quanto mais qualquer indicador social quantitativo for usado para a tomada de decisões sociais, mais sujeito estará a pressões de corrupção e mais apto estará a distorcer e corromper os processos sociais que pretende monitorar” (Campbell 1976, p. 34).
Essas expressões anteriores de uma crítica de Lucas não invalidam o ponto de Lucas. Seu artigo expressou o argumento de forma contundente e com grande precisão, e justificadamente tornou-se um clássico. Pode-se questionar sua formulação: As regras de decisão do mundo real são realmente ótimas da maneira que ele implica? Os principais problemas, no entanto, com o argumento de Lucas e o programa de pesquisa emergente que gradualmente tomou conta da economia não derivam do diagnóstico, mas do tratamento.
O novo programa de pesquisa identificou preferências e tecnologia como invariáveis de maneira única às mudanças na política econômica e outros choques no ambiente em que os agentes operam. Portanto, os problemas associados à crítica de Lucas só poderiam ser superados desenvolvendo modelos macroeconômicos que derivassem os resultados macroeconômicos diretamente da otimização microeconômica explícita. Consumo e oferta de trabalho poderiam e deveriam ser derivados explicitamente dentro do modelo macroeconômico como o resultado da otimização intertemporal das famílias sujeitas a restrições orçamentárias, com decisões de produção seguindo a maximização do lucro sujeitas a uma função de produção. Desta forma, a resposta às mudanças nas regras de política poderia ser prevista com precisão.
Uma ressalva foi adicionada a essa avaliação otimista: Para tornar a previsão possível, era necessário assumir que os agentes têm expectativas racionais: “As respostas dos agentes se tornam previsíveis para observadores externos somente quando pode haver alguma confiança de que agentes e observadores compartilhem uma visão comum da natureza dos choques que devem ser previstos por ambos” (Lucas 1976, p. 41). Esta é uma reivindicação extraordinária e categórica da necessidade de expectativas racionais. Nenhuma regra de lógica ou princípios de metodologia científica ditam que, para que um teórico especialista possa prever o comportamento de um agente, ambos devem compartilhar informações e expertise idênticas, resultando na mesma visão de mundo. O especialista pode precisar saber como o agente vê o mundo, mas não há base lógica para a reivindicação de Lucas de que eles devem compartilhar a mesma visão. E se a reivindicação não é baseada logicamente, onde está a evidência empírica que a apoia? Empresas de marketing, consultores políticos e ilusionistas ganham a vida precisamente explorando sua capacidade de prever e manipular o comportamento de pessoas que têm informações limitadas e (em muitos casos) crenças equivocadas.
Retornarei às questões das expectativas no Capítulo 3. Por ora, é suficiente notar simplesmente que as suposições sobre preferências bem definidas e otimização são conceitualmente distintas da hipótese das expectativas racionais. Limitações informacionais e crenças equivocadas dos agentes econômicos sobre as forças que determinam os resultados futuros não excluem preferências bem definidas ou um processo de tomada de decisão que seja consistente com essas preferências e as crenças do tomador de decisão.
Mesmo que desconsideremos as questões em torno da formação de expectativas, a abordagem de otimização microeconômica enfrenta um obstáculo óbvio. Na prática, um modelo macroeconômico não pode incluir a otimização intertemporal explícita de inúmeros indivíduos diferentes com preferências e restrições diferentes. Um modelo desse tipo se tornaria excessivamente complicado. Sem restrições na estrutura das preferências, dotações e tecnologias, além disso, um modelo geral desse tipo também seria virtualmente desprovido de implicações.
A solução, por necessidade, tem sido introduzir uma família representativa. Esse agente representativo que otimiza intertemporalmente supostamente fornece a base microeconômica robusta para a análise. Afirma-se, além disso, que a abordagem microfundamentada tem uma vantagem adicional: a função utilidade do agente representativo pode servir como uma base sólida para a análise de bem-estar. Nenhuma dessas afirmações é sustentável. A crítica de Lucas está correta, mas a abordagem contemporânea da macroeconomia que surgiu junto com ela falha em resolver o problema; a solução de Lucas é profundamente falha.
2.3 O Agente Representativo
2.3.1 Os Resultados de Sonnenschein−Debreu−Mantel
As escolhas do agente representativo são feitas para encapsular o comportamento de um grande número de tomadores de decisão microeconômicos. O agente, portanto, deve fornecer uma representação significativa desses tomadores de decisão e suas preferências; a construção do agente, por necessidade, envolve agregação. Na ausência de argumentos fortes para mostrar a possibilidade de tal agregação, a existência assumida de um agente representativo seria apenas isso, "uma suposição." Seria uma suposição, além disso, sobre os determinantes dos resultados agregados.
Na verdade, a situação é pior: As implicações do comportamento de otimização no nível microeconômico foram examinadas extensivamente, e os resultados são inequívocos. A menos que suposições altamente restritivas sejam impostas, preferências bem comportadas no nível microeconômico não produzem resultados agregados que possam ser caracterizados como se fossem o resultado da otimização por um único agente representativo:
> Não há justificativa formal plausível para a suposição de que o agregado de indivíduos, mesmo maximizadores, aja por si só como um maximizador individual. A maximização individual não gera racionalidade coletiva, nem o fato de que a coletividade exiba uma certa racionalidade implica necessariamente que os indivíduos ajam racionalmente. Simplesmente não há relação direta entre comportamento individual e coletivo. (Kirman 1992, p. 118)
Esses resultados são conhecidos desde o trabalho de Sonnenschein (1972), Debreu (1974) e Mantel (1976); as condições de agregação são discutidas em livros didáticos de microeconomia padrão como Mas-Colell et al. (1995).
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